No clássico final de Casablanca, o chefe da polícia determina a seus subordinados: ‘Prendam os suspeitos de sempre’. Os dirigentes da Segurança Pública paulista (sim, por incrível que pareça, existe gente que cuida do assunto!) vão mais longe: querem punir os culpados de sempre.
Dois são os alvos oficiais do governo: Percival de Souza e Roberto Cabrini. Percival, por ter entrevistado um preso; Cabrini, por ter entrevistado o líder do PCC, Marcola. E há um alvo oculto: a imprensa em geral. Um antigo secretário da Segurança disse, certa vez, que não havia insegurança em São Paulo: havia uma sensação de insegurança, transmitida, naturalmente, pela imprensa.
E por que a entrevista com Marcola transmitiria insegurança à população? Alega o governo que a entrevista é falsa, porque Marcola está totalmente isolado. Suas Excelências que perdoem este jornalista, mas as mesmas autoridades que dizem que Marcola está isolado são as que disseram que o PCC estava desmantelado; são as que disseram, enquanto Marcola ameaçava de morte o delegado que o interrogava e São Paulo estava parando, com lojas fechadas, trânsito travado e sem transporte coletivo, que a situação estava sob controle.
Em quem acreditar: nos repórteres que construíram sua reputação ao longo dos anos ou em gente que ou não sabe o que fala, ou sabe, mas pensa que não sabemos o que ouvimos?
No final de Casablanca, Humphrey Bogart e Paul Henreid falam do início de uma bela amizade. Nossas autoridades não podem fazê-lo: tratam-se a pauladas (como foi noticiado por Ricardo Noblat, e nunca desmentido). Em Casablanca havia Ingrid Bergman, maravilhosa. Aqui nem se pensa nisso. A única semelhança que há com os dias de hoje é que a história de Casablanca, como a que nossas autoridades nos contam, é pura ficção.
Mau jornalismo
Nossa imprensa, entretanto, não pode ser absolvida de todos os pecados. Houve no mínimo falta de cuidado de alguns repórteres e emissoras na cobertura da rebelião do PCC. Apareceram cenas de violência ocorridas horas antes com a legenda ‘ao vivo’ – como se cenas idênticas estivessem ocorrendo novamente, naquele momento. E narrativas como a descrita abaixo (citada de memória):
Repórter: ‘Os policiais estão patrulhando as ruas com as armas nas mãos, prontas para atirar. Os bandidos puseram fogo em mais um ônibus. Mas tudo está dentro da normalidade’.
É a mãe. Respeitosamente.
O comandante da Polícia Militar paulista, coronel Eliseu Éclair, deve ser um profissional competentíssimo em sua área. Mas não devia falar em público, não. Invertendo a situação, Pedro Bial é ótimo para falar em público, mas não se arvora em comandante de policiamento ostensivo. A última do coronel Éclair foi dizer que é mais fácil identificar e abordar marginais ‘durante a madrugada, quando a maioria das pessoas de bem já está em casa’.
Este colunista, caro coronel, trabalhou muitos anos de madrugada. Era duro, muito duro – mas como garantir que Eliseu Éclair recebesse o jornal o mais atualizado possível de manhã cedinho? Todo o pessoal de teatro anda de madrugada. David Lerer, grande figura humana, ótimo médico, considerava que trabalhar de madrugada (e nos fins de semana), horários que ninguém quer, fazia parte de sua contribuição social. Quantos trabalhadores, coronel Éclair, não saem de casa de madrugada, para chegar a tempo ao emprego? E chofer de praça, coronel Éclair? O candidato José Serra, quando está em São Paulo, a que horas trabalha?
‘Éclair’, em francês, é relâmpago. Que o coronel se deixe iluminar por seu nome e dedique o tempo a comandar a PM. E escolha um porta-voz que diga coisa com coisa.
Questão de letra
O secretário de Administração Penitenciária de São Paulo se chama Nagashi Furukawa. A imprensa tem escrito corretamente seu nome. Por que, então, tantos colegas insistem em chamá-lo de Furokawa?
A história real
A reportagem sobre as tais contas de autoridades federais no exterior não convence. Não convenceu, aliás, nem seus autores, que declararam formalmente que não puderam comprovar as acusações. Ora, se lhes faltou base para comprovar as acusações, apesar dos seis meses de prazo que tiveram e das inúmeras viagens que realizaram, por que publicar as denúncias?
A declaração de que as denúncias foram publicadas para proteger os acusados de eventuais extorsões também é estranha. Se alguém suspeita de que o vizinho da concunhada bate na esposa, deve então divulgar o boato, para evitar o pior? Muito, muito esquisito.
Imprensa Livre
– 1Um fiel leitor, Dennis Bradfield, manda o seguinte bilhete:
‘Há alguns dias sua coluna mencionou que o prefeito de São Sebastião vinha incomodando os jornalistas da Imprensa Livre. Agora ouvi no rádio que a sede do jornal foi incendiada, vítima de ‘ação criminosa’. Mas que coincidência, não? Provavelmente o PCC vai acabar levando a culpa por mais esta…’
Imprensa Livre
– 2Pois é: o PCC não atacou nenhum jornal, nem mesmo aqueles que pedem tratamento mais duro para os condenados. Sobrou só para o Imprensa Livre, de São Sebastião (SP). O caro colega acredita que Marcola, Macarrão, Corn Flakes e sabe-se lá quais outros bandidos têm mesmo tanto ódio concentrado num só jornal?
Pois é: este colunista, leitor de romances policiais, aprendeu que é preciso investigar, antes de tudo, quem se beneficia com o crime. Quem ficaria melhor de vida se Imprensa Livre parasse de circular?
É claro que o prefeito Juan Garcia, do PPS, contra quem o jornal publicou diversas denúncias, e que tomou uma série de medidas administrativas de perseguição ao jornal, não seria capaz de agir dessa forma. Destruir um jornal, incendiá-lo, é coisa de marginal. É claro que o prefeito terá o máximo interesse em esclarecer o nojento crime. Seu partido, o PPS, também. O mundo político é cheio de intrigas e, se o caso permanecer sem solução, certamente aparecerá algum mal-intencionado disposto a envolver adversários na trama.
As pérolas
1.
Esta manchete é fantástica: pela primeira vez, este colunista é informado de que metralhadora não é arma. ‘SP: PMs trocam armas por metralhadoras’.2.
Ainda bem que Carlitos Tevez tem seu lugar na Seleção argentina. Na brasileira, diz o jornal, não teria chance: ‘Aspecto físico foi determinante na lista, diz Parreira’.E eu com isso?
Há sempre, nos mais diversos meios de comunicação, alguma notícia com a qual ou sem a qual o mundo seria tal e qual. Esta semana foi pródiga:
1.
Robbie Williams está namorando filha de lorde inglês.2.
Rogério Figueiredo mostra sua coleção no teatro.3.
Jennifer Aniston diz que cansou de atuar na TV.4.
Luma de Oliveira decora armas do namorado delegado.5.
Katie Holmes estaria com depressão pós-parto, diz jornal.6.
Ator-mirim David Lucas, da Globo, tem rotina de adulto.7.
Amor de BBBs: Saullo e Mariana reatam romance.E a melhor de todas:
‘‘Eu só transei com cinco caras’ – diz Gisele Bündchen.’
Como é mesmo?
É difícil saber se, para acompanhar os meios de comunicação, é preciso ser mais culto do que a gente é, ou menos. Temos, por exemplo, na cobertura de um escândalo, Jacques Chirac identificado como presidente ‘françês’ (aliás, como diria o Ancelmo Góis, deve ser terrível viver num país em que gente do governo é envolvida em escândalos). Mas temos também textos que exigem preparo especializado: ‘Balanço da E3: Wii renova, PS3 assusta e Xbox 360 quer o Brasil’.
E que significa a manchete ‘Muitos dariam a vida para emagrecer, diz pesquisa’? Sempre houve certo consenso a respeito do fato de que a morte emagrece!
A campeã das frases esquisitas até parece fácil de entender, à primeira vista. Mas está cheia de nuances: ‘Festa especial de revista reúne famosas decotadas’.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados