Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Por que fala o presidente

A propaganda de Greta Garbo, a atriz sueca que fez sucesso no cinema americano, era baseada em frases curtíssimas. Um exemplo: vinda do cinema mudo, quando fez seu primeiro filme sonoro o slogan era ‘Garbo fala’. Depois de muitos filmes românticos, fez uma comédia, Ninotchka. O slogan: ‘Garbo ri’.


Dá para usar esse tipo de anúncio após a entrevista do presidente Lula ao Roda Viva: ‘Lula responde’. O problema é que fica faltando uma resposta: e por que Lula não havia respondido até agora?


É estranho: Lula é bom de entrevista, sabe ser simpático, sabe cativar os jornalistas (que, a propósito, sempre foram gentis com ele). E esta matéria jamais foi feita em profundidade – entrevistando amigos próximos, buscando indícios, ouvindo políticos: por que Lula, sempre tão falante, passou a evitar entrevistas tão logo se viu na cadeira de presidente da República? Por que, antes, podia falar, e depois não pôde mais?


Ernesto Geisel ficou famoso por dar entrevistas apenas fora do Brasil. Mas Geisel era militar, ditador, cultivava a imagem de ferrabrás. E Lula? Que será que o levou a dar sua primeira entrevista à dona de uma produtora de vídeos de Paris e não aos correspondentes brasileiros, não aos jornalistas que o acompanhavam?


Mesmo nesta entrevista ao Roda Viva, Lula se cercou de precauções que não lhe eram habituais – como exigir que a entrevista fosse gravada, em vez de ao vivo. Cabe à imprensa descobrir por quê. Avante, reportagem investigativa!




Mau é bom


Milhões de pousos e decolagens normais não são notícia, um pouso em que estoure o pneu é notícia. Tudo bem, good news is no news. Mas às vezes a imprensa extrapola. É o caso das estatísticas de segurança pública em São Paulo. O impossível aconteceu: caiu em quase 30% o número de assassinatos. Mas todos os meios de comunicação preferiram a notícia ruim: aumentou, também por volta de 30%, o número de seqüestros. Só que os homicídios são milhares e os seqüestros, dezenas. Talvez haja na escolha da notícia um viés que se transformou em vício: os governos erram tanto que, quando acertam, a gente publica com discrição, para evitar desmentidos posteriores.




Quem ganha


Este colunista, fã de romances policiais, aprendeu a perguntar, quando lê uma notícia, quem tira proveito dela. É o princípio básico da resolução de crimes nos livros: o beneficiado é sempre suspeito. E este princípio deveria orientar também cada repórter, ao redigir sua matéria: diante de cada revelação, quem se beneficia, quem é prejudicado? Esta simples preocupação (que não significa esconder a informação: significa apenas saber quais os interesses que gravitam em torno dela) evitaria uma boa dose de notícias plantadas.


Outro dia, por exemplo, saiu uma reportagem ampla sobre fabriquetas de cigarros que, com base em liminares, evitam o pagamento de impostos, ou os adiam ao máximo. É um assunto interessante e que deve ser investigado. E a investigação deve começar por quem faz a denúncia: um Instituto Etco, que é financiado, entre outras multinacionais, pela Souza Cruz, a gigante anglo-americana dos cigarros. O que o Etco forneceu é uma notícia, que deve ser divulgada, que deve servir como base para investigações. Mas não se pode esquecer que é também um tiro da multinacional que quase monopoliza o mercado contra suas concorrentes nacionais, e menores.




Lei é lei


A propósito, reportagens desse tipo se referem à luta judicial das pequenas empresas como ‘indústrias de liminares’. Pode ser; talvez essas empresas tracem sua estratégia com base em disputas na Justiça. Mas, se a Justiça aceita suas reivindicações, ao menos temporariamente, isso significa que sua luta tem alguma base. E recorrer à Justiça é, na democracia, um direito de cada cidadão.


A propósito, antes que alguém reclame, este colunista esclarece que não tem a menor preferência por fábricas de cigarros nacionais. Acredita que fábrica de cigarros, nacional, estrangeira ou multinacional, é um mal que precisa ser tolerado, já que há pessoas dependentes do consumo de seus produtos. Precisa ser tolerado, mas é um mal, seja qual for a bandeira que hasteie.




Crime e safadeza


A velha pirâmide, que é um crime, está de volta à internet (pirâmide é o processo pelo qual um grupo de pessoas recebe dinheiro ou produtos de um grupo maior, grupo este que será abastecido por outro grupo maior ainda – até que a população não seja suficiente para manter a roda girando e muita gente seja lesada). Pior: a pirâmide que circula na internet usa o nome de Luciano do Vale para ganhar credibilidade. Pode ser uma invenção pura e simples; pode ser algum homônimo. Mas o fato é que usam seu nome indevidamente, e para o mal.




Delícias


1. Do vereador Pastor Jair, do PT de Diadema, explicando ao Diário do Grande ABC por que a Biblioteca Central do Município, inaugurada em 25 de outubro, até hoje não receba leitores: ‘A biblioteca está aberta, apenas está fechada para o público’.


2. Título de grande jornal: ‘Firma acusada de fraude sob Maluf vende bem retido’. A matéria, muito bem-feita, consegue explicar o complicado título: uma empresa acusada de cometer fraudes durante a gestão de Paulo Maluf na prefeitura paulistana teve seus bens bloqueados. Obteve uma liminar liberando parte desses bens e vendeu uma casa. Posteriormente, a liminar foi suspensa, mas a casa já está em poder de seu novo proprietário.


3. De um press-release ecológico: ‘Aumento da cunha salina pode tornar salobra águas da transposição do rio São Francisco e gerar fortes impactos no solo e fauna da região’. Os leitores desta coluna que perdoem, mas este o colunista não consegue explicar.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados