Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Por um monitoramento
institucionalizado

O Brasil precisa de uma mudança cultural se quiser construir uma mídia mais democrática e plural. Esta foi a tônica das discussões da sexta-feira (7/8) no seminário ‘Controle social, mídias e interesse público’, organizado pelo Centro de Cultura Luiz Freire, em Recife (PE). Na avaliação dos palestrantes e mais de 80 participantes do evento, a sociedade brasileira como um todo ainda não despertou para a importância do monitoramento e do controle social do conteúdo veiculado nos grandes meios de comunicação. Por conta disso, não avançamos na pressão social pela reivindicação de mecanismos institucionalizados de controle social junto ao Estado e sempre esbarramos no discurso dos empresários da comunicação de que controle social é uma forma de censura à mídia.


‘A idéia de controle social presente na Constituição Federal para áreas como a saúde e a educação, segundo a qual a sociedade tem o direito de participar da formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, incluindo a responsabilização do setor público pelo não cumprimento dessas políticas, nunca foi transferida para a área da comunicação. Neste campo, falar sobre isso ainda é um palavrão, inclusive para setores do governo’, explicou Venício Lima, professor aposentado de Ciência Política e Comunicação e fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília.


Para ele, há uma diferença crucial na aplicação desta responsabilização do Estado quando se trata da comunicação. ‘Ao contrário da saúde e da educação, a comunicação ainda não é considerada um direito básico. Além disso, a política brasileira priorizou a configuração do sistema no país via concessões públicas para a iniciativa privada. Ou seja, diferentemente de outros setores, o controle, neste caso, tem que iniciar-se sobre o concessionário privado, o que dificulta o processo’, acredita.


Nota média


Na hora de mover ações contra esses concessionários por violações de direitos humanos praticadas na mídia, por exemplo, os membros do Ministério Público e do Judiciário ‘ficam na corda bamba por conta da relação da censura’, conta promotora do MP de Pernambuco Jackqueline Lihimas, que participou do seminário. ‘Mas é preciso compreender que toda liberdade absoluta vira escravidão, lei do mais forte. No campo da comunicação, vale o poder econômico. Então é preciso ter um mínimo de controle. Temos que fomentar essa discussão e mudar transformando a consciência das pessoas’, completou a promotora.


Para Augustino Veit, da Campanha Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania, é preciso repensar o conceito de controle social. ‘A grande acusação que os donos da comunicação fazem é dizer que estamos promovendo a censura. Mas não. O limite da televisão é quando ela começa a atingir nossa dignidade, seja das crianças, mulheres, negros, homossexuais etc’, explica.


Desde novembro de 2002, a Campanha já recebeu mais de 30 mil denúncias de violações de direitos humanos praticadas na televisão. No entanto, o caminho para esta mudança cultural, que se mostra cada vez mais urgente, ainda parece tortuoso. Uma pesquisa sobre a opinião do telespectador brasileiro sobre a programação da TV, publicada recentemente pelo instituto GHF, revelou que 64% da população estão satisfeitos com o que assistem na telinha. Nas classes C e D, a nota média dada ao conteúdo veiculado é 9. Na região Nordeste, onde ocorreu o seminário sobre controle social e onde o Centro de Cultura Luiz Freire desenvolve projetos como o OmbudsPE, de monitoramento da mídia local, 78% da população se dizem satisfeitos com a TV.


Quem faz o controle?


Ficou clara nos debates a necessidade de ir além de experiências pontuais e que dependem exclusivamente da iniciativa da sociedade civil organizada ou da própria imprensa para o exercício do controle social. Observatórios de mídia, programas de rádio ou TV que discutem comunicação, ombudsmans, códigos de auto-regulação, tudo isso, sem dúvida, contribui para o desafio colocado em pauta. No entanto, a efetividade deste controle só se dará se for criado aquilo que o jornalista francês Ignácio Ramonet chamou de ‘quinto poder’, ou seja, um poder institucionalizado que fiscalize a mídia a partir do interesse público.


Tal fiscalização deve ser feita em espaços de participação popular, como os conselhos, e por órgãos do Estado, como as agências reguladoras. Um órgão regulador autônomo, por exemplo, poderia acompanhar o cumprimento de princípios e normas já previstos na Constituição Federal para as comunicações, assim como garantir o direito de resposta solicitado tanto por indivíduos como por organizações.


‘Hoje, no entanto, o Conselho de Comunicação Social, auxiliar do Senado, é um órgão sem eficácia, que está desativado desde dezembro de 2006’, conta Venício Lima. ‘O conselho, que era uma reivindicação dos movimentos populares, desde o início não foi discutido nesta perspectiva de controle social dos demais setores. Assim como agora, no período da Constituinte, os empresários eram muito fortes’, relatou.


Além do controle social


Institucionalizado ou não, o controle social não pode ser a única forma de buscar uma comunicação mais plural e diversa. Uma das conclusões do seminário, que será levada aos debates da Conferência Nacional de Comunicação, é a importância do desenvolvimento de uma mídia alternativa, pública, que não seja baseada no interesse do lucro.


‘Não é possível mudar a grande mídia. Não vamos conseguir democratizar a Globo e os grandes jornalões. Vamos continuar denunciando, alterar a legislação, criar órgãos reguladores, mas temos que criar a nossa própria alternativa’, defendeu Venício Lima. ‘O conjunto da população precisa ter acesso aos meios, através de mecanismos como o direito de antena, consolidado em países como Portugal e Espanha. É através disso, por exemplo, que a liberdade de expressão será garantida’, afirmou.


Como bem concluiu Zé de Santa, vice-cacique do povo Xucuru, na mesa do seminário que tratou da diversidade na mídia: ‘Chega de dizer ‘sim, senhor’. Temos dignidade, somos cidadãos e queremos uma comunicação para todos.’

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Jornalista