Tuesday, 11 de March de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1328

Prender é bom, soltar é ruim

Está num grande jornal, num artigo com excelente assinatura. Diz algo como ‘fica livre quem tem advogados pagos a peso de ouro’. A frase se repete, com algumas variações, como ‘quem tem bons advogados não vai para a cadeia’.

Como dizia Octavio Frias de Oliveira, a vantagem de ter idade é ter visto tudo acontecer, e também acontecer ao contrário. Não faz muito tempo assim, alguns jornalistas hoje indignados com os bons advogados tinham outra opinião: quando os delegados e promotores obedientes à ditadura militar iam atrás deles, corriam para obter o apoio dos bons advogados, que freqüentemente os defendiam de graça – e numa época em que o direito de defesa não era contestado pela imprensa, como hoje, mas por militares e policiais convencidos de que eliminar subversivos era sua função. Aliás, mesmo hoje, quando enfrentam processos, os jornais e jornalistas buscam o apoio de bons advogados, gente de primeiro time.

O problema é que, como dizia a líder revolucionária européia Rosa Luxemburgo, liberdade é a liberdade dos outros. E boa parte de nossa imprensa, embora preze a própria liberdade e busque os melhores e mais conceituados profissionais para defendê-la, vem apresentando o viés de condenar a liberdade dos outros.

Ao mesmo tempo, condenam-se os advogados que teimam em contestar a versão dos promotores, dos delegados e – suprema heresia! – da imprensa. Não dá: a verdade é que a imprensa não é a suprema instância, a verdade é que o jornalista não é juiz nem ministro do Supremo. A imprensa pode, deve, precisa investigar os casos a fundo, apresentar suas provas, contestar a defesa; mas não apenas a defesa, também a acusação.

É sempre bom lembrar, a propósito, que qualquer pessoa de bom senso irá optar pelo melhor médico possível. Um bom jornal só se faz com bons jornalistas, os melhores que for possível contratar. Um bom restaurante depende de bons cozinheiros. Se forem pagos a peso de ouro, melhor. Seremos nós, jornalistas, inimigos dos bons salários?

Briga feia

Esta coluna já fez referência a brigas entre jornalistas – e, pior do que tudo, briga para ver quem tem o mais belo patrão ou patrocinador. É ruim, gente. Se algum jornalista tiver alguma denúncia a fazer contra outro, que a faça. Faça-a abertamente, com nomes, indícios, provas, fatos. Frases do tipo ‘o fulaninho que foi despedido do emprego porque recebeu jabá’, ou porque tinha o feio hábito de escrever cachorro com ‘x’, não são aceitáveis. Que se diga quem é o acusado, qual foi o jabá, quem o deu, com que objetivo. Se nós, jornalistas, pedimos transparência aos políticos, por que a evitamos entre nós?

Sigilo, sim ou não

Um belo tema de debate: um dos melhores repórteres do país, Cláudio Tognolli, do Consultor Jurídico, divulgou uma série de informações protegidas por sigilo de Justiça. ‘Até agora’, diz, ‘não há registro de jornalista ser processado por quebra de segredo de Justiça.’

O juiz mineiro Doorgal Borges de Andrada diz, no site jurídico Migalhas, que a divulgação pela imprensa de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça é absurda e ilegal. Para ele, se uma prova mantida sob sigilo de Justiça é divulgada pela imprensa, torna-se nula.

Hoje, para obter holofotes ou pressionar o Judiciário, há pessoas que vazam provas sigilosas para a imprensa. Se a tese do juiz Andrada prevalecer, haverá quem vaze provas sigilosas exatamente para retirá-las do processo. Como agir?

A lei da bala

O caso do repórter Amaury Ribeiro Jr. dos Diários Associados, ferido a bala enquanto investigava narcotráfico e crimes relacionados na região de Brasília, mostra que a civilização brasileira é ainda uma casquinha frágil. Basta contrariar interesses que o fino verniz civilizatório é removido e as armas tomam a palavra.

Abolir esse tipo de crime é dificílimo. Os primeiros-ministros de Israel e da Suécia e um presidente dos Estados Unidos foram vítimas de assassinos movidos por interesses ideológicos contrariados. O papa e outro presidente americano foram baleados pelo mesmo motivo. Mas, se não é possível abolir esse tipo de crime, também não é possível ignorá-lo, como acontece no Brasil.

A bala é a lei

O advogado Rodrigo Duenhas, de São José dos Campos (SP), levou um tiro de Magnum no pescoço há cerca de três meses (não morreu nem ficou paralítico por questão de milímetros). Tudo indica que tenha sido confundido com o radialista João Alckmin, que move dura campanha contra a máfia dos caça-níqueis. As investigações até agora não chegaram a lugar nenhum.

As máquinas caça-níqueis continuam funcionando abertamente no Vale do Paraíba, a região onde se situa São José dos Campos. Recentemente, um repórter do programa Showtime, da Rádio Piratininga, perguntou a um policial onde poderia fazer uma fezinha (está tudo gravado). O policial, gentil, prestativo, ensinou o caminho do bar onde estavam os caça-níqueis mais próximos.

Os bandidos vão continuar matando sempre que se sentirem ameaçados. Se a polícia deixa, por que não iriam aproveitar a oportunidade?

Como é o nome dele?

O deputado Sarney Filho é o novo presidente do Partido Verde. E ninguém discutiu seu nome. O deputado verde é filho do senador José Sarney. E neto do desembargador Sarney. Não deveria, então, ser Sarney Neto?

Onde é que nasceram?

Neste país, não é preciso gostar de futebol para saber quem é Pelé. Nem é preciso ser fanático por automobilismo para saber quem são os pilotos brasileiros na Fórmula 1.

Por que, então, tanto o pessoal de texto como os locutores lembram a cada instante que Rubinho Barrichello, Felipe Massa e Nelsinho Piquet são brasileiros? Ou, mais engraçado ainda, usam um texto que parece traduzido, tipo ‘Nelsinho Piquet ficou à frente de seu compatriota Rubens Barrichello’. Por que ‘seu’ compatriota, cara-pálida? Por que não ‘nosso’ compatriota?

Esclarecer que Schumacher é alemão, tudo bem: ele poderia ser suíço, ou austríaco – se bem que, depois de sete campeonatos mundiais, muita gente já soubesse tudo sobre ele. Mas repetir insistentemente a nacionalidade de Felipe Massa, Piquet e Rubinho, desculpem os colegas, é meio muito.

E eu com isso?

Se este colunista estivesse lá, não precisaria ler a notícia. Como não estava lá, a notícia serviu somente para trazer-lhe uma certa frustração:

** ‘Rita Guedes muito à vontade em praia carioca’

Segue-se o esclarecimento: ‘Atriz segue a moda das famosas de se bronzear sem a parte de cima do biquíni’. Ou, conforme a praia, das não-famosas também.

Aliás, neste inverno com cara de alto verão, a praia foi a grande personagem:

** ‘Areias escaldantes: Grazi Massafera e Cauã Reymond namoram em Búzios’

O grande título

A semana é especialmente rica. Há, por exemplo, um grande título interrompido:

** ‘Recém-nascido é encontrado abandonado e mata no PE’

Aliás, não é apenas interrompido: não tem lá muito sentido, também.

Ou, na área ‘decifra-me’, um que, podemos supor, é de Economia:

** ‘Volume ordens Bolsa cai 18% AGO07 vs JUL para 15,6 mil ME – CMVM’

Há títulos que talvez provoquem um certo incômodo. Algumas palavras, neste país, é melhor evitá-las:

** ‘(Fulano) quer comissão para acompanhar investigação de acidente da TAM’

Um título magnífico versa sobre o crescimento do número de idosos:

** ‘População continua envelhecendo’

Outro, também excelente, cria uma nova categoria de pessoa:

** ‘Encontro de ex-filhos da PUC/SP’

Mas o título vencedor, por incrível que pareça, é ainda melhor:

** ‘Alicia Silverstone tira a roupa para promover vegetarianismo’

Veja só: uma mulher sem roupa para que a gente perca a vontade de comer carne!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados