É um belíssimo debate jornalístico: o repórter francês Laurent Richard entrevistou um grande número de pedófilos para um programa de TV. Em seguida, revelou seus nomes à polícia. Em consequência das denúncias de Richard, 23 pessoas foram presas por pedofilia, na França (22) e no Canadá (1).
Estava correto o jornalista, ao esquecer o segredo da fonte e chamar a polícia?
Este colunista, em princípio, considera a polícia a inimiga natural dos jornalistas. E a preservação da fonte, mais do que um direito do repórter, é a proteção de quem lhe dá informações. Mas, quando os princípios são confrontados com os fatos, muitas vezes encontram seus limites. Lembremos que, por mais que sejamos defensores da liberdade de expressão, ninguém de bom senso defenderá o maluco que grita ‘fogo’ dentro de um cinema lotado. No caso da reportagem sobre pedofilia, a preservação das fontes pode significar algo mais: um número maior de novas vítimas de um crime absolutamente intolerável.
Richard sofreu muitas críticas na França. Mas analisemos sua posição: as pessoas que entrevistou cometiam crime de abuso sexual contra crianças já há algum tempo, tinham montado uma estrutura para encontrar mais crianças de quem abusariam, não tinham mostrado qualquer indício de que não mais atacariam menores. Poderia ele, o repórter, escudado na neutralidade profissional, protegido também pela norma de não entregar as fontes, dormir sossegado, sabendo que criminosos que ele conhecia e sabia onde encontrar buscavam incessantemente captar mais vítimas? E se, além da pedofilia, ocorresse outro crime associado – digamos, o assassínio de uma criança durante uma sessão de abuso sexual?
No caso, este colunista tende a acreditar que o jornalista agiu corretamente em sua ‘escolha de Sofia’. Mas é um debate que deve ser travado porque, sob várias formas, pode se repetir no Brasil: quando o repórter deixa de ser repórter e, graças à proteção da fonte, passa a ser cúmplice do criminoso? Ou, ao contrário, quando o repórter, na ânsia de não compactuar com o crime, passa a ser delator?
Há colaboradores neste Observatório muito mais preparados do que este colunista para analisar a questão. Parece-me, entretanto, que em situações-limite as normas são ditadas pela consciência e pelo bom senso do jornalista. Que ele tenha a coragem de assumir suas posições, certo da lisura da decisão.
O que pode, o que não pode
Ampla discussão, como de hábito em clima de jogo de futebol, sobre a disposição do presidente Lula de participar (‘fora do horário de expediente’) da campanha de sua candidata Dilma Rousseff. Dizem os oposicionistas, e não deixam de ter razão, que presidente é presidente durante todo o seu mandato, e não em períodos determinados do dia. Dizem os situacionistas, e também não deixam de ter razão, que o presidente tem o mesmo direito de cada cidadão de expor suas posições e dizer ao eleitor quem é que prefere nas eleições. Lula já foi multado pelo TSE, já foi acusado de debochar das decisões judiciais.
E, no entanto, a questão é outra – embora os meios de comunicação insistam em ignorá-la. A imprensa cai em cima de quem viola a lei (ou, quando toma partido, cai em cima apenas dos violadores da lei que estão do outro lado) e não debate a estrutura eleitoral de ficção em que os candidatos se movimentam.
O fato é que a lei eleitoral brasileira é contraditória e tende ao irracional. Vejamos o caso do ex-governador paulista José Serra, candidato à Presidência da República pela oposição: em seu posto de governador, tinha ampla possibilidade de exercer influência nas eleições de São Paulo. No entanto, poderia candidatar-se à reeleição em São Paulo sem deixar o cargo. Como candidato à Presidência, se continuasse no governo, poderia influenciar a parte paulista do eleitorado nacional; no entanto, para disputar a Presidência, precisou deixar o cargo – desincompatibilizou-se, de acordo com o complexo vocabulário que vige na política.
Pior: de acordo com a lei, a campanha eleitoral só pode se iniciar três meses antes das eleições. Mas a desincompatibilização tem de ocorrer seis meses antes da disputa. Resultado: durante três meses, os candidatos são obrigados a chamar-se ‘pré-candidatos’, porque é proibido considerá-los candidatos, embora todos saibam que é o que eles são; e vagam pelo país como zumbis, fingindo que não fazem campanha, quando todos sabem que é o que estão fazendo.
Cria-se também uma situação peculiar. Imaginemos um político que não tenha feito fortuna e viva do que recebe como salário. Ao deixar o mandato três meses antes do início da campanha, de que é que vai viver? Mais: vagar pelo país como um zumbi tem um custo – passagens, hospedagem, alimentação. Legalmente, essa pré-campanha não pode ser paga com dinheiro da campanha. E de onde um candidato honesto e pobre (existem, sim; não são muitos, mas existem) vai tirar o dinheiro?
A ex-ministra Dilma Rousseff resolveu o problema tornando-se funcionária do partido, que lhe paga um salário para aguardar o início da campanha. E quem for filiado a um partido nanico, desses que não têm dinheiro?
Periodicamente, estoura um grande escândalo de caixa 2, de dinheiro na cueca, de dinheiro na meia, de aloprados, de coisas de todo gênero. Tudo bem, não há santos na zona. Mas até que ponto essas manobras eram necessárias para permitir que as candidaturas e os candidatos se mantivessem vivos, antes de transformar-se, como são hoje em grande parte, apenas em veículos de bandalheira?
Unanimidade jornalística
É excelente a cobertura jornalística da tragédia do Rio de Janeiro. Há veículos de comunicação com mais recursos, com menos recursos, mas todos estão lutando pela melhor e mais completa informação. É raro um fenômeno como esse, e merece ser observado: repórteres novatos, repórteres famosos, rádio, TV, jornais, revistas, internet, todos estão fornecendo um nível excepcionalmente alto de informação. Numa cobertura sacrificada, complexa, cheia de detalhes, a sensação que resta é de que o consumidor de informação está sendo abastecido com o que há de melhor em jornalismo.
As perguntas (e cadê as respostas?)
Maria Helena Rodrigues Rubinato de Sousa é uma das boas surpresas jornalísticas dos últimos tempos. Escreve uma excelente coluna no Blog do Noblat e publica seu próprio blog, também ótimo e muito agradável. É ela que faz às autoridades (cariocas, fluminenses, brasileiras) algumas perguntas que, este colunista tem certeza, todos nós gostaríamos de fazer:
– O que leva um sujeito eleito pelo voto popular a se desligar de tal modo da realidade a ponto de se convencer que as favelas encarapitadas no alto dos morros são locais apropriados para moradias?
– O que leva esse mesmo cidadão a mentir para si mesmo a ponto de ficar surpreso quando uma tragédia como a de agora acontece?
– O que leva um presidente da República, o Lula, em um programa de TV, o Canal Livre de domingo (4/4), a convidar um jornalista, creio que o senhor Datena, a ir com ele à favela da Rocinha da próxima vez que vierem ao Rio, para ver como a moradia lá é simpática e agradável?
– O que leva um governador de Estado a pensar que elevadores, internet wi-fi, tintas de cores variadas e alegres, artistas plásticos estrangeiros, transformarão lugares de risco absoluto em locais seguros e adequados para seres humanos viverem?
– O que leva uma autoridade responsável a se surpreender quando casas construídas em cima de lixões desmoronam e soterram seus moradores?
– O que leva a esse absoluto descompasso entre o que é dito nos palanques e o que acontece em nossa vida real? Pior pergunta: o que nos leva a aceitar tudo calados e não virar a mesa?
– Os dois Brasis vão poder conviver até quando?
Opinião
Completemos as perguntas de Maria Helena com uma lembrança: quando a secretária de Habitação Sandra Cavalcanti quis tirar as favelas dos morros (a solução de levá-las para longe pode estar errada, mas deixar moradias nas encostas é inaceitável), a oposição ao governador Carlos Lacerda se mobilizou e sintetizou o que queria numa música memorável de Zé Kéti:
‘Podem me prender, podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui do morro eu não saio não’.
A letra terminava de maneira profética: ‘…e deixa andar/ deixa andar’.
Como…
De um importante jornal de circulação nacional, citando um ex-presidente francês:
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‘(…) François Chirac (…)’Quem será este cavalheiro? Resultado de um cruzamento de dois ex-presidentes da França – cruzamento que deve ter gerado também um Jacques Mitterrand?
…é…
De um grande portal da internet:
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‘Alemão abastece carro pelado em protesto por preço do combustível’Veja como é o Primeiro Mundo: lá andam até vestindo e despindo o carro!
…mesmo?
De um portal de curiosidades:
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‘Sistema do Google flagra jovem nua em Taiwan’Quem conhece o Google Earth sabe que as coisas aparecem. Mas é bem de longe. Para flagrar a jovem nua, de que tamanho ela deve ser?
E eu com isso?
Tragédia na TV, tragédia nos jornais, tragédia no rádio, brigas deseducadas na internet – chega! Hoje, aqui, é dia só de frufru. Aquelas notícias sem as quais não dá para dormir direito à noite nem conversar fiado com os vizinhos.
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‘`Noivas´ de lingerie param trânsito em SP’**
‘Gisele Bündchen passeia de barco com marido e filho em Paris’**
‘Jogadora festeja gol mostrando os seios e partida termina em pancadaria’**
‘Justiça condena mulher a devolver anel de R$ 33 mil para ex-noivo’**
‘Passada crise, Britney Spears e Jason Trawick tomam sorvete’**
‘`Já entrei bem na hora H´, diz camareira de motel’**
‘`Rodeio´ sobre tronco atrai multidão no Japão’**
‘Bêbado entra no apartamento errado, dorme nu e acaba preso nos EUA’Considerando-se a sabedoria popular, que terá ocorrido antes da prisão?
O grande título
São variações em torno de um só tema. Mas que variações excelentes!
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‘Alemanha: Morto levado a avião não estava vivo havia 12 horas, segundo polícia’**
‘Corpo que seria embarcado em avião morreu de causas naturais 12 horas antes do voo, diz polícia’E o melhor de todos:
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‘Mulheres que tentaram embarcar com morto insistem que ele estava vivo’É fantástico: dois títulos garantem que o morto não estava vivo. E um sustenta que o morto era mais vivo do que se pensava.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados