Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quais as semelhanças entre Kucinski e Mainardi?

Não existem. Impossível comparar matérias organicamente diferentes e esferas
moralmente antagônicas. Decência e indecência são palavras assemelhadas, têm a
mesma raiz, mas o minúsculo prefixo as remete para significados diametralmente
opostos.


Um observador da imprensa honesto, profissionalmente competente,
intelectualmente respeitado, íntegro, corajoso não pode ser comparado com um
carona do jornalismo, apalhaçado, oportunista, pusilânime, que se assume como
macartista (portanto, delator) e não se importa em afirmar que só opina mediante
pagamento.


A
entrevista
que Bernardo Kucinski deu à Agência Repórter Social está há
vários dias em todos os jornais, colunas políticas, portais e sites da internet.
Pode-se discordar dela quando arrasa a política de comunicação do presidente
Lula ou quando denuncia o preconceito da imprensa contra ele. Mas o teor e
compromissos do ‘manifesto’ de Kucinski são basicamente construtivos e
idealistas: ele acredita no jornalismo, quer melhorar a qualidade dos nossos
jornalistas e, sobretudo, quer impedir – junto com tantos outros – que a
imprensa seja manipulada por interesses políticos e econômicos capazes de criar
impasses institucionais.


Mainardi quer denegrir e avacalhar nosso jornalismo, quer colocar nossos
jornalistas sob suspeição e, em cima dos escombros que imagina produzir,
apresentar-se como salvador da pátria. Até agora só conseguiu aparecer no
semanário da Editora Abril. Nas principais redações do país tornou-se alvo de
chacota tão logo se evidenciou que aquela alcagüetagem desenfreada servia apenas
às suas idiossincrasias pessoais (nem sempre as mais desinteressadas).


Bernardo Kucinski é um veterano jornalista, correspondente internacional de
jornais ingleses e brasileiros, professor universitário e há muito empenhado em
discutir o desempenho da imprensa. Para melhorá-la, para evitar que os seus
vícios a deformem definitivamente. Não teve receio de arriscar o seu cargo no
governo e disse o que pensava. Ganhou o respeito de todos, inclusive dos que
eventualmente discordam dele.


Iconoclasta das moedinhas


Alguém soprou para Mainardi o adjetivo ‘iconoclasta’ e ele achou que é o que
lhe convém na futura biografia. Por isso reagiu tão enfezado quando este
Observador mostrou que não passa de um iconófilo, adorador de imagens, sobretudo
aquelas onde se vê incensado, irresistível [ver ‘O
flagrante de uma extorsão
‘].


Não percebeu que o verdadeiro ceticismo e o genuíno senso crítico são opções
que impõem sacrifícios. Ir contra a corrente, além de competência, demanda uma
disposição de abdicar, abrir mão. A iconoclastia não pode ser remunerada. É uma
escolha integral. Não convive com moedinhas.


Karl Kraus, considerado o patriarca da crítica da imprensa, recusou um dos
melhores empregos na imprensa vienense no fim do século 19 para fundar o seu
próprio jornal (Die Fackel, A Tocha), que dirigiu e escreveu praticamente
sozinho ao longo de três décadas.


A trajetória de Bernardo Kucinski como crítico da mídia remonta aos tempos em
que a imprensa aceitava a autocensura (em alguns casos com visível prazer). Por
isso engajou-se na imprensa alternativa. Algumas de suas famosas ‘Cartas Ácidas’
foram reproduzidas e discutidas neste Observatório.


Diogo Mainardi será capaz de transcrever na próxima Veja as críticas
que Kucinski fez ao comportamento da imprensa ou aproveitará apenas a parte que
lhe convém? Afinal conseguirá pensar e escrever como jornalista ou prosseguirá
na sua patética exibição de baixaria e rancor?


Aguardem.