Se não bateu recordes de audiência, merecia. No Jornal da Record de segunda-feira (11/7), Boris Casoy, ‘o primeiro âncora da televisão brasileira, jornalista a quem é dada autonomia para apresentar, editar e comandar de forma independente a equipe que produz o telejornal’ – atenção, palavras do site da TV Record ! –, fez das tripas coração para noticiar que um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, a dona da Record, fora flagrado num avião fretado no aeroporto de Brasília com ‘sete malas coloridas’ contendo… dinheiro!
O pobre bispo, que já foi diretor-presidente da Record, casualmente é deputado federal do PFL de São Paulo. A um plenário deserto, o pobre irmão-senador Marcelo Crivella (que é do PL-RJ e também bispo da Universal) disse que ‘não existe nada que proíba uma igreja de transportar suas doações’. E acabou fazendo crítica da mídia, ao pregar que o assunto seja tratado com ‘isenção’ pelos meios de comunicação!
‘Peço para que seja tratado da maneira certa. Sei que há um problema do governo com o PFL, mas qualquer exploração política poderá causar o risco da vida de milhares de pastores que poderão ter suas igrejas invadidas porque noticiários poderão transformar os fatos num escândalo. Não há nada de ilegal, não existe nada que proíba uma igreja de transportar dinheiro para local onde ela tem a sede’.
Pobre homem de fé!
À noite, no Jornal da Record, tremenda saia justa para o pobre Boris! Perdeu a fluência, gaguejou à beça ao longo da edição. O telespectador esperou bons 20, 25 minutos para que, de ‘forma independente’, um Boris pálido, apesar da maquiagem, finalmente anunciasse a bomba no bloco das notícias de polícia.
De polícia?
Imagine o leitor a ‘autonomia’ – lembrando as palavras do site da Record – necessária a um âncora para tirar tal notícia do óbvio bloco político e ‘acomodá-la’ no da polícia! Não deve ter sido fácil para os bispos admitirem que praticaram crime merecedor de figurar em página policial… Pois Boris conseguiu impor tal lógica!
‘É tanto dinheiro…’
Ainda assim, a tal bomba, que um leitor do OI chamou de ‘estrondosa’, não foi a primeira do bloco. O telespectador viu-se obrigado a ouvir primeiro as novidades sobre Gil Rugai, o suspeito de sonoro nome ninja que teria matado pai e madrasta.
Foi mesmo estranho. Boris manteve o estilo de sempre. Comentou todas as notícias do dia sobre os dinheiros do PT. Torceu especialmente a boca ao falar dos dólares na ‘c-u-e-c-a’ do petista cearense. (E nada sobre o pobre bispo pefelista…) Vieram as notícias de comportamento, as de internacional. E nada sobre o pobre bispo pefelista… A esta altura, o Jornal Nacional, da Globo, deitava e rolava. Depois da manchete sobre nova denúncia, desta vez no INSS-RJ, veio logo a bomba sobre o pobre bispo pefelista, sob o título ‘Flagra em Brasília’:
‘É tanto dinheiro que a Polícia Federal pediu máquinas para contar o valor exato. Só na primeira mala foram encontrados R$ 600 mil em notas de dez. Mas foram encontradas malas inteiras com notas de R$ 50 e de R$ 100’.
Uma resposta
Na Record, lá no bloco de polícia, tudo de leve. ‘A Polícia Federal interceptou um jato com sete malas contendo dinheiro…’, disse um suave Casoy. [Pedimos desculpas ao leitor: todas as frases de Casoy são citadas aqui de memória, já que o site da Record é puro folheto propagandístico, sem transcrição alguma de qualquer programa jornalístico, ao contrário do site da Globo]. ‘É fruto de doações, e não há nenhuma ilegalidade’, dizia Boris. A nervosa entrevista do deputado, branco como folha de papel, foi patética, nada acrescentou. Na Globo, José Agripino Maia (RN), líder do PFL no Senado, não elidia:
‘Não é confortável nem para ele nem para o partido. O PFL apresenta sua indignação e quer investigação no limite máximo.’
Justiça seja feita: o repórter do Jornal da Record contou tudo. E completou:
‘A Polícia Federal encontrou indícios de lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e evasão de divisas.’
Há que se reconhecer: foi uma edição engenhosa. Usando da tal ‘autonomia para apresentar, editar e comandar de forma independente a equipe que produz o telejornal’ – palavras da Record! –, o pobre Boris voltou:
‘Não houve nenhum ilícito. Por que o dinheiro não é depositado nos bancos? Porque as doações são feitas em notas de 1 real, é difícil depositar.’
Dez minutos depois, a notícia final do Jornal Nacional:
‘As cédulas são de 10, 20, 50 e 100 reais.’
Parabéns, Boris…