Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quem é o leitor?

O conflito entre jornais brasileiros e Google revela que as redações não souberam fazer distinção entre seus leitores, ou seu leitor “médio”, e o público da internet. Como tanta gente, acreditaram em lorotas mesmo após o estouro da bolha de 2000.

A publicação de manchetes no Google News não atraiu tráfego para os sites de jornais porque basicamente se trata de dois públicos muito diferentes. É mais fácil ter computador e acesso à rede do que cabedal cultural para ler jornal e se sentir alimentado por informações, análises e opiniões.

No sentido da sentença de Hegel segundo a qual o jornal é a “oração cotidiana do homem moderno”, uma parte do público da internet simplesmente não é moderna, nem pós-moderna. É pré-moderna.

Mal comparando, a Globo News jamais colocaria um anúncio institucional no programa do Datena: embora o policialesco apresentador tenha boa audiência, é nula a possiblidade de capturar nesse tipo de programa interesse para um canal all news que pretende manter um padrão melhor de jornalismo.

Leitor, esse enigma

Não deixa de causar espanto que as redações conheçam tão precariamente a demografia e demais itens que formam o perfil de seus leitores, embora seja necessário reconhecer que a tarefa é difícil. Até porque, como disse Caetano Veloso, “de perto ninguém é normal”. Mas pesa aí certo isolamento dos jornalistas, sua aversão ao verdadeiro diálogo com o leitor. Jornalista escreve para seus chefes e pares, em primeiro lugar, depois para as elites (políticas, governamentais, empresariais, intelectuais), depois para o resto do leitorado.

Menos do que o livro, construção cultural (no conceito que inclui técnicas e tecnologias) espetacular, o jornal é resultado de uma feliz evolução, apesar de seus defeitos (o maior deles, no mundo atual, talvez seja depender de distribuidores motorizados para chegar aos assinantes, processo complexo e caro).

Os produtos jornalísticos que a internet oferece ainda estão longe de ser tão “redondos” quanto os jornais, mesmo quando tentam copiá-los.

Isto não quer dizer que a internet não seja ela mesma espetacular. Mas os meios e processos digitais ainda contêm muitas falhas bisonhas. Principalmente porque, de modo geral, são lançados antes de perfeitamente testados e aprovados (a Microsoft é a rainha dessa prática; a Apple é o contrário).

O mundo mental do papel

Além disso, as gerações que hoje têm idade para comprar jornais, revistas e livros digitais (de 15 anos ou mais, digamos ad argumentandum tantum) foram criadas num ambiente cultural que depende, para usar referenciais cognitivos, de papel e lápis ou caneta, ou máquina de escrever (ou processador de texto).

Ainda é muito mais eficaz olhar lombadas de livros numa estante do que procurar “pastas” e “arquivos de texto” num “diretório” ou “árvore”. Ainda que seja infinitamente mais fácil procurar algum texto usando mecanismo de busca livre.

Embora a internet comercial já esteja chegando aos vinte anos de idade, os pais e professores das pessoas que passaram pelas escolas nesse período foram formados dentro do ambiente de papel. Um aluno não poderia dizer a seu orientador de mestrado, por exemplo: “Você acha isso na internet”. E, mesmo que leve para uma entrevista ou defesa de dissertação um computador, para mostrar algo por meio de data show, tem de entregar seu trabalho por escrito.

Até hoje é assim, e é bom que seja, porque a conservação de arquivos no meio digital é muito mais complicada e cara do que a conservação de documentos de papel. Mas essa já é outra história.

O fato é que acreditar no canto de sereia do Google não foi um engano comercial, foi demonstração da incapacidade de perceber as diferenças entre os dois tipos de público. Querem fazer um jornal popular na internet? Pois não. Mas pensem no sucesso da TV Globo e façam algo diferente dos jornais impressos, que, nos casos em análise, são complicados demais para um público mais amplo.

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