Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Quem paga muito manda bem

Qual o maior anunciante do Brasil? Será a Coca-Cola, a Ambev? Talvez a Unilever, com todas as suas marcas? Ou as onipresentes Casas Bahia, com seu ‘quer pagar quanto?’ Seriam as campanhas eleitorais, caso os horários fossem pagos? Só a que levou Lula à reeleição custou mais de 100 milhões de reais.


Nada disso: o maior anunciante do Brasil, por incrível que pareça, é o governo federal. Em 2007, a verba a ser torrada em publicidade é de 412 milhões de reais. E, considerando-se que o governo não tem concorrentes nem vende nada, para que irá gastar tanto dinheiro – seu, meu, nosso dinheiro – em propaganda?


Não, não estamos esquecendo as empresas estatais que disputam o mercado. Estas têm verbas próprias, além dos 412 milhões de reais. O Banco do Brasil tem quase 200 milhões de reais para gastar, muito mais do que o Bradesco – e o Bradesco, consistentemente, ano após ano, tem conseguido resultados melhores. Há meio milhão de reais para o Conselho Nacional de Justiça; há 400 mil reais para o Senado – como diria o poeta Ascenso Ferreira, ‘para que? Para nada’. Que é que podem propagandear o Senado, ou o Conselho Nacional de Justiça?


O Ministério da Defesa terá verba publicitária de meio milhão de reais. Seu principal problema, no momento, é a crise dos aeroportos. De que adianta gastar dinheiro, o nosso dinheiro, para explicar o inexplicável?


As publicações sempre tiveram de conquistar o público, para depois conquistar anunciantes. A coisa parece agora mais simples: circulação, qualificação do público, número de leitores por exemplar, custo por telespectador, nada disso é muito importante. Com toda essa verba, basta apoiar o governo e seus políticos preferidos. A gente paga. E eles mandam.




O papel do jornalista


O repórter da Globo flagrado em gravações aparentemente comprometedoras e demitido da empresa, com direito a notícia no Jornal Nacional, defendeu-se dizendo que não fazia parte de quadrilha nenhuma: apenas tentava infiltrar-se no bando, com o objetivo de elaborar uma reportagem de denúncia.


Cabe aqui um excelente tema de discussão – no qual deve ter ampla participação a Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo: até onde pode ir o jornalista no relacionamento – muitas vezes obrigatório – com bandidos?


Na opinião deste colunista, tudo passa por uma questão irrenunciável: o jornalista não pode fingir que é bandido (como não pode, pelo mesmo motivo, fingir que é policial). Se os bandidos souberem que é jornalista, em busca de informações, a relação tenderá a ser respeitosa. Se acharem que o cavalheiro é um novo membro do bando, irão atribuir-lhe alguma tarefa criminosa, para que também se comprometa e não possa denunciá-los. Se um jornalista aceitar esse tipo de imposição, deixa de ser jornalista. Passa também a ser bandido.


Um dos maiores repórteres do país, Percival de Souza, sempre transitou com facilidade entre policiais e bandidos. Sempre trouxe informações exclusivas e nunca fingiu ser o que não era. Quem lhe deu notícias sempre soube que estava falando com um jornalista.


Cláudio Tognolli é jornalista, jornalista dos bons, e é como jornalista que consegue suas informações. São dois exemplos; e ninguém se atreveria a contestar a conduta profissional e a honorabilidade de ambos.


A discussão tem múltiplas possibilidades e é essencial. Este Observatório da Imprensa é um excelente foro para que todos se manifestem. Esta é a hora.




Alô, mamãe


A propósito, imaginemos, para fins de argumentação, que o repórter da Globo seja culpado de tudo o que o acusaram. Há uma questão que precisa ser levantada: sua utilidade para os criminosos só existiria porque a emissora em que trabalhava recebe, com exclusividade e antecedência, informações sobre os próximos passos da polícia. São informações que, por questão de segurança, só deveriam ser divulgadas após a conclusão das operações. Mas são divulgadas antes da hora, sempre para a mesma rede, porque os protagonistas não resistem à tentação de dar um ‘alô, mamãe’ na tela mais poderosa do Brasil.




Irritação tardia


A carta de um repórter contra a Rede Globo, fazendo uma série de denúncias e acusações, com ampla repercussão na Internet, deve ser lida de duas maneiras:


1. Este colunista assistiu a boa parte da cobertura eleitoral da Globo. Como já escreveu no Observatório da Imprensa, considerou-a de boa qualidade, com falhas perfeitamente aceitáveis. O favorecimento ao PSDB, apontado pelo repórter, não foi percebido por este colunista – que, a propósito, não tinha a menor inclinação por qualquer dos candidatos à Presidência da República;


2. O repórter só se sentiu indignado a ponto de levar suas denúncias a público depois que soube que seu contrato não seria renovado. Se estava tão enojado, se estava convencido de que a emissora tomava posições que considerava inaceitáveis, do ponto de vista jornalístico, não deveria aceitá-las. Deveria ter solicitado a rescisão de seu contrato. Se não o fez, é que o problema, embora o incomodasse, não lhe pareceu grave o suficiente para renunciar ao emprego e ao salário.


Do jeito que a coisa foi feita, a impressão é de que, ao perder o emprego, o jornalista decidiu fazer suas denúncias contra o ex-patrão apenas por vingança.




Paga, paga, paga


Ancelmo Góis, de O Globo, é um excelente colunista. Mas a notícia que publicou é tão importante, tão escandalosa, que não dá para entender como é que só ele prestou atenção no que acontecia. O fato passou despercebido pela maior parte dos órgãos de comunicação. Veja só:




‘O Ministério dos Esportes vai patrocinar o carnaval da Portela. Orlando Silva, o ministro, deve até desfilar. Ele vai ao barracão da escola de Madureira sábado.
O enredo da azul e branco é sobre o maravilhoso mundo dos esportes’.


Não basta toda a propaganda: estamos ainda, todos nós – cidadãos do Piauí, de São Paulo, de Pernambuco, da Bahia, do Ceará, de Santa Catarina, de Roraima, do Mato Grosso, do Rio Grande do Sul – pagando o Carnaval do Rio.




Comunista graças a Deus


A imprensa deixou passar impune a fantástica declaração do deputado Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados, após a derrota, no Supremo, do Aumentão dos parlamentares, do qual foi um dos patrocinadores:




‘Eu não fiquei sozinho. Eu, pelo menos, espero que tenha contado com a companhia de Deus’.


Aldo Rebelo é membro do PCdoB, Partido Comunista do Brasil, que nega a existência de Deus e considera as religiões o ópio do povo. Aldo Rebelo falta com a verdade ou quando se considera acompanhado por Deus ou quando diz que é comunista. Se houve mudança na posição oficial do partido de Aldo Rebelo, os meios de comunicação falharam lamentavelmente e não a noticiaram.




Horário do futebol


O Brasil, pelo jeito, está com todos os problemas resolvidos – tanto assim que a Câmara Municipal de São Paulo decidiu legislar sobre o horário dos jogos de futebol. Na quarta-feira (20/12), proibiu a realização de jogos de futebol após as 21 horas.


Só Juca Kfouri, sempre bem informado, deu a notícia em seu blog, já no dia seguinte. A Globo, que transmite os jogos depois da novela, às 21h40, não vai deixar barato. E com toda a razão: não vai alterar uma grade de programação que vem agradando algumas dezenas de milhões de telespectadores para beneficiar a meia-dúzia de gatos pingados que comparece aos estádios e poderia dormir mais cedo.




Os privatistas


Lembra da campanha eleitoral, em que o presidente Lula acusou os adversários de querer privatizar todo o patrimônio nacional? Lula ganhou e está firme na privatização: num raro momento de trabalho, e tão discretamente que a imprensa não notou, o Congresso aprovou o projeto que autoriza o governo a privatizar (e desnacionalizar) o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).


Quais os argumentos do governo para privatizar o IRB? Uma boa entrevista, se algum veículo de comunicação se dispuser a isto, nesta época de festas e repouso, poderia informar à população porque agora privatizar é bom.




Pingue…


Título de um importante portal de internet, em 20/12: ‘São Paulo suspende rodízio de veículos a partir de amanhã’. Ou seja, a partir do dia 21.




…pongue


Texto do mesmo portal, sobre o mesmo assunto: ‘São Paulo suspende rodízio municipal de veículos a partir do dia 26’. Esta, aliás, é a data correta.




Babel…


Legenda de foto da apresentadora Didi Wagner em companhia da modelo Ana Beatriz Barros: ‘Praça Union Square’. Considerando-se que Union Square quer dizer exatamente Praça União, ficou engraçado.




…é aqui


Essas coisas sempre aconteceram por aqui. Há alguns anos, havia na TV Rio um programa de variedades chamado Times Square. A música-tema do programa começava assim: ‘Times Square/ é uma esquina (…)’


Um redator do programa, o grande Sérgio Porto, conversou com um diretor de Times Square, explicando-lhe que, tanto em Londres como em Nova York, Times Square não é uma esquina: é uma praça – como, aliás, o nome indica. O diretor estava ocupado e disse a Sérgio Porto para não se preocupar com detalhes.




Mudando tudo


1. Um grande portal de internet informou no título que o Supremo Tribunal Federal havia mantido a decisão do Congresso sobre o Aumentão. O texto estava correto: o Supremo havia derrubado o Aumentão.


2. De outro portal: ‘O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e o premiê israelense, Ismail Haniyeh, pediram (…)’


Dois erros em duas linhas: é Autoridade Palestina, não Autoridade Nacional Palestina. E Ismail Haniyeh não é premiê de Israel. É primeiro-ministro do governo palestino, dirigente do Hamas e se recusa a reconhecer Israel.




E eu com isso?


Pense nisso: um dia, três sábios, Gaspar, Melchior e Baltazar, viram no céu um fenômeno inusitado, uma estrela. Resolveram seguir o caminho que ela lhes indicava. E, depois de semanas de viagem, chegaram ao local onde havia nascido um menino que iria mudar a História do mundo.


Hoje, a estrela-guia seria considerada muito lenta. O GPS, orientado por satélite, levaria os reis magos ao lugar correto pelo caminho mais curto. Eles tomariam um avião (afinal de contas, como não moravam no Brasil não enfrentariam o problema dos controladores de tráfego aéreo), desceriam num aeroporto próximo e, em horas, poderiam levar seu ouro, incenso e mirra ao recém-nascido.


A tecnologia mudou tudo. Com a estrela-guia, os reis magos testemunharam um dos fatos mais importantes da História da Humanidade. Com os computadores, satélites e demais meios de comunicação de hoje, o que podem testemunhar está nos títulos abaixo:


1.Musa do Carnaval mostra as coxas em feijoada’


2. ‘Courtney Love exibe seios siliconados em casamento gay’


3. ‘Paris Hilton presenteia amigos e assistentes’


Cá entre nós, a moça é, além de exibida, pão-dura. O presente foi um porta-retratos digital, com as fotos dela já arquivadas. Com calcinha, provavelmente.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados