Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Racismo público, mas sem noticiário

Um espantoso pedido foi feito pelo chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia à Universidade de São Paulo: que indique pesquisadores e cientistas de origem árabe ‘tendo em vista o desenvolvimento de programas e projetos de cooperação em ciência e tecnologia entre nosso país e os países árabes’. O absurdo passou em branco pela imprensa (se houve notícia, este colunista não chegou a encontrá-la, o que mostra como tudo foi feito discretamente, sem repórteres por perto).

Não basta ser brasileiro: agora é preciso verificar, como na Alemanha de 70 anos atrás, quem são os pais, avós e bisavós de nossos cientistas, para que possam participar de projetos de cooperação. O professor César Lattes, orgulho da Física brasileira, não estaria enquadrado na restrição étnica do Ministério da Ciência e Tecnologia; nem o professor Isaías Raw, que comanda com brilho o Instituto Butantan; nem o médico José Gomes Temporão, nosso ministro da Saúde. Nem, saliente-se, o engenheiro eletrônico Sérgio Machado Rezende, mestre e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology e ministro da Ciência e Tecnologia, exatamente da pasta onde foi cometida essa tremenda escorregada.

Nos Estados Unidos, um descendente de alemães, Dwight Eisenhower, comandou tropas americanas, inglesas, canadenses e francesas no combate ao Exército nazista. Não se procurou um general ‘com ascendência anglo-saxã’. Havia alemães, italianos, americanos das mais variadas origens, no Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica. Um judeu russo, Irving Berlin, compôs a mais conhecida das músicas americanas de Natal, White Christmas, e o hino nacional extraoficial dos Estados Unidos, God Bless America. Os reis da Inglaterra têm origem alemã; a rainha da Suécia é filha de brasileira. O presidente dos Estados Unidos é filho de queniano. Mas cientista brasileiro, para participar de um projeto de cooperação com países árabes, tem de ter ascendência árabe. E nossa imprensa, para se manifestar, precisa ser provocada por algum evento especial?

Há no Brasil notáveis cientistas e professores de origem árabe, que sem dúvida estão entre os melhores do país. Mas não é sua origem que deve determinar as atividades que vai desempenhar: é sua competência, sua capacidade, seu reconhecimento. A exigência do Ministério da Ciência e Tecnologia é tão estrambótica que a USP se esquivou delicadamente de cooperar. Divulgou a mensagem do Ministério da Ciência e Tecnologia, colocou-se como mera repassadora da estranha solicitação e informou aos professores interessados que poderiam dirigir-se diretamente ao chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do MCT, pelo e-mail (como os endereços e telefones são públicos, este colunista toma a liberdade de divulgá-los) secassin@mct.gov.br ou pelos telefones (61) 3317-7777 e (61) 3317-7733. Ah, sim, não percam tempo desmentindo: esta coluna tem a documentação toda.

Alô, ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi! É lícito discriminar entre brasileiros, ainda mais com base em seus antepassados? A igualdade, com a liberdade e a fraternidade, não faz parte dos direitos humanos? Alô, ministro da Igualdade Racial, Édson Santos: vai ficar por isso mesmo? Que igualdade racial é essa, que vai buscar a ascendência dos brasileiros para aproveitar ou não seu talento e sua capacidade de trabalho?

E, principalmente, alô, jornais, revistas, rádio, TV, internet, blogs, imprensa em geral: que tal cuidar desse assunto grave em vez de limitar-se a fofoquinhas eleitorais? Quedar-se em silêncio diante da discriminação é inaceitável.

 

O responsável pelo anúncio

É um caso antigo, já com quase dez anos. Em 2001, a Folha de S.Paulo publicou anúncio com ataques a Luís Favre, na época assessor de Relações Internacionais do PT. Favre processou o jornal, que se defendeu alegando que os anúncios são elaborados por anunciantes, não pela empresa. Favre acabou ganhando: receberá da Folha pagamento por danos morais, de valor ainda não divulgado.

É um caso interessante: em algumas décadas de jornalismo, com alguns anos de direção de Redação, este colunista sempre recebeu as páginas com o espaço reservado para os anúncios, mas jamais soube com antecedência o que neles haveria. Não havia nenhuma proibição, mas também não havia interesse maior em pesquisá-los: ali era área da publicidade e pronto. Talvez, em casos específicos, o próprio setor comercial do jornal julgue necessário informar o comando editorial sobre o conteúdo de algum anúncio; mas, em princípio, isso não ocorre. Se a responsabilidade sobre o que há na publicidade recair sobre o veículo, será necessário modificar a forma de trabalho até agora utilizada nas redações. Não é necessariamente bom ou ruim; mas terá de ser diferente.

A propósito, essa notícia foi pouquíssimo divulgada.

 

Diálogo que só há na imprensa

O cavalheiro entra no bar:

– O sr. comercializa redondas?

– Claro! E, se o senhor preferir, temos o produto recheado com produtos vindos do país italiano!

– Não, quero mesmo a redonda nacional. Mas sou usuário de pimenta. O sr. pode disponibilizar pimenta para a delícia?

– Claro, mas cuidado! Esta pimenta é muito forte e pode lesionar sua língua.

Este é o texto que está em moda, com muita disponibilização, com lesionados, com usuários. Como antigamente, em que ‘banana’ era chamada de ‘musácea’ para evitar a repetição de palavras, a pizza passa a ser ‘redonda’, qualquer alimento que não seja o arroz com feijão se transforma em ‘delícia’, e o Irã é identificado como ‘país persa’. O caro colega deixou de ser cliente do médico: é usuário de seus serviços de saúde quando se lesiona. O médico disponibiliza os medicamentos (remédios, jamais!; isso deve ser coisa de pobre!), alguns com nomes hilários (engraçados, jamais!; isso também deve ser coisa de pobre!), e prescreve a abstenção de algumas delícias que farão mal ao usuário.

Ah, sim: aquele prato que só se encontra em determinados lugares está sendo chamado de ‘especiaria’, como se ‘especiaria’ fosse sinônimo de ‘especialidade’. Se o prato é especiaria, como denominar o cravo, a canela, a pimenta do reino e as demais especiarias de verdade, aquelas cuja busca ajudou a lançar Portugal na era das navegações?

 

Jornalista é tão bonzinho

A reportagem é sobre cosméticos feitos a partir de grãos de café. A marca, diz a criadora dos cosméticos, significa ‘café’ no dialeto maia. A moça, que deve estar tentando surfar na onda do tal calendário maia, é bonita; mas bem que o repórter poderia prestar atenção também no que ela diz, não é mesmo? Primeiro, os maias não tinham um dialeto (que é variante de uma língua principal), e sim um idioma próprio; segundo, desconheciam o café, que foi trazido à América quando já não havia Império Maia.

Não tem a menor importância. Mas jornalista tem de desconfiar, em vez de aceitar tranquilamente qualquer coisa que lhe dizem.

 

Gastando sapato

O jornalista iraquiano Munthader Al Zaidi, aquele que jogou o sapato no presidente americano George Bush, fez palestras como convidado especial da 6th Global Investigative Journalism Conference, em Genebra. Só uma dúvida: desde quando jogar um sapato no entrevistado é jornalismo investigativo?

Gastar sola de sapato é um bom eufemismo para o trabalho jornalístico de rua. Mas não inclui outras utilizações possíveis de um bom calçado.

 

Livros, livros…

A legendária Lalá Aranha, a grande dama das relações públicas, lança Cartas a um jovem relações públicas – construindo relacionamentos. Lalá, sócia-diretora da CDN, maior empresa brasileira de assessoria de imprensa e relações públicas, conta os desafios, os problemas, as dificuldades que encontrou ao longo de sua carreira. O livro faz parte da coleção ‘Cartas a um jovem…’, da Editora Elsevier, em que profissionais de alto gabarito conversam com os leitores sobre suas atividades. Lançamento no Rio: quarta-feira, dia 5, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio. Em São Paulo, o lançamento é na quarta seguinte, sempre às 19h, na Livraria da Vila da Alameda Lorena.

 

…a mancheias

Henrique Veltman, que foi o mais jovem chefe de Redação de O Globo, que dirigiu a Última Hora no Rio e a Manchete em São Paulo, lança na terça (4/5), no Rio, Do Beco da Mãe a Santa Tereza. No livro, Veltman traz histórias de uma vila operária em São Cristóvão, por volta de 1940, e vai passando pela História contemporânea, a Segunda Guerra Mundial, o lançamento da Coca-Cola, os discursos de Luiz Carlos Prestes, o lançamento do Eskibon, a independência de Israel, a vida do mundo, do país e de seus personagens.

Lançamento na ASA, Associação Scholem Aleichem, Rua São Clemente, 155, Botafogo, Rio de Janeiro, a partir das 19 horas. Ainda não há lançamento marcado em outras capitais.

 

Vasto mundo

Um israelense, o estudante de desenho industrial Sigal Shapiro, desenvolveu uma lâmpada que se acende com tomates. Ele põe zinco e cobre numa dúzia de tomates, provocando uma reação química; e a energia assim gerada é suficiente para acender uma pequena lâmpada recoberta de ouro.

Antes que no Brasil, paraíso das idéias de jerico, se crie a Tomatebrás, ‘para multiplicar as fontes de energia alternativa’, e isso gere mais empregos e cargos no conselho de administração da empresa para vocês sabem quem, tudo isso acompanhado de novo e robusto aumento na conta de luz, este colunista sugere outro uso para os tomates: jogá-los no inventor.

 

Como…

De um grande jornal:

** ‘(Fulana) vai se casar com um vestido inspirado num modelo da grife Dolce&Gabbana que a personagem Carrie usou no filme Sex and the City(…)’

O vestido está tão feliz com a jovem com quem vai se casar que comprou passagens de primeira classe para a lua de mel na Islândia.

 

…é…

Também de um grande jornal:

** ‘Internado, quadro de Neymar evolui bem’

É uma citação literária: Oscar Wilde criou um personagem, Dorian Gray, que queria ficar para sempre jovem e bonito. Um grande pintor fez seu retrato; e era o retrato que envelhecia, não o personagem. Não é cultural seguir esse exemplo e fazer com que Neymar tenha um quadro que seja internado em seu lugar?

Mas que pena! Na Internet, a história do quadro é duplamente desmentida:

** ‘Internado, Neymar continua internado e passa por novos exames’

 

…mesmo?

De uma coluna famosa da Internet, referindo-se talvez a dificuldades de conexão:

** ‘No meu entra sem problemas’

 

Morte virtual

De um portal da internet:

** ‘Jovem doente faz relato emocionante antes de morrer em blog’

 

E eu com isso?

Aquele juiz que foi punido por permitir que a esposa desse sentenças e comandasse de fato o fórum da cidade merece compreensão. Imagine o caro colega o que não aconteceria se ele se negasse a seguir as decisões dela! O fato é que mulher é invencível. Lembra daquele clérigo muçulmano, o aiatolá Kazem Sedighi, que culpou a falta de modéstia das roupas femininas pelo aumento do número de terremotos? Veja só a reação:

** ‘Americanas exibem decotes em protesto contra religioso iraniano’

O movimento contra o clérigo começou no portal de relacionamentos Facebook, e vem crescendo rapidamente. Seu nome: ‘boobquake’, ou ‘tremor de seios’. O objetivo é fazer com que cada mulher use a roupa mais ousada com a qual se sinta bem e veja se, com isso, consegue provocar tremores de terra.

Mulher vence até quando perde.

** ‘Justiça obriga mulher a pagar R$ 50 mil a ex chamado de `corno´ no MSN’

Ela vai pagar. E ele vai ficar com a fama de usar peruca de touro.

** ‘Americana é chamada de `gorda´ e tenta comer orelha de homem’

Detalhe: a orelha é (ou era) de um amigo. Ela foi presa, mas o amigo promete fazer o possível para libertá-la.

** ‘Lady Gaga come papinha de bebê para emagrecer’

Um famoso companheiro de listas de Lady Gaga, Monsieur Gaga, não recebe esses privilégios da imprensa: ninguém diz o que ele come para emagrecer. Vai ver que é por isso que não emagrece.

** ‘Idosa namora neto biológico e será mãe aos 72 anos’

O neto tem 26. Mas, cá entre nós, antigamente isso não se chamava ‘incesto’?

** ‘Fernanda Lima rejeita fazer fotos pelada: `talvez com 80 anos´’

E há o frufru de sempre, aquele essencial para a gente passar por bem-informado.

** ‘Jornal afirma que Antonelli está grávida de meninas’

** ‘Casal aproveita engarrafamento para fazer sexo em túnel nos EUA’

** ‘Inglaterra permitirá que jogadores vejam mulheres no Mundial’

** ‘Mulheres saem com mais de 20 parceiros errados antes de encontrar o certo’

E os homens, serão tão diferentes na busca da parceira ideal?

 

O grande título

Os portais de internet são ótimos (e infalíveis): sempre dão um jeito de botar um título que não cabe, entra pela metade e fica levemente malicioso:

** ‘Noivas fazem `test-drive´ em evento em’

Há aqueles títulos enigmáticos:

** ‘Artes marciais ajudariam idosos com osteoporose’

Afinal, ajudam ou não?

E há os títulos exóticos. Veja o primeiro:

** ‘Chinês que `come´ lâmpadas afirma que vidro é crocante e delicioso’

O maluco jura que traça suas lampadinhas sem problemas, mas toma um pouco dágua entre um punhado de vidro e outro.

O segundo título exótico é bem mais interessante:

** ‘Sistema permite que vacas publiquem mensagens no Twitter’

Um dia alguém explicará, entre outras coisas, como é que a vaca consegue teclar.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados