Não há deveres para quem informa? Chico Buarque, flagrado na semana passada em companhia de uma linda mulher, pode oferecer emblemática oportunidade de reflexão sobre os limites da imprensa, pois devem existir limites, não? Mas quais são?
A princesa Diana morreu em desastre provocado por alta velocidade que o motorista imprimia ao veículo para fugir aos paparazzi, do italiano paparazzi, termo que designa fotógrafos indiscretos que vivem à espreita de situações que as celebridades envolvidas não gostariam de ver fotografadas. O vocábulo já integra a linguagem jornalística há muitas décadas. Foi cunhado pelo famoso cineasta italiano Federico Fellini, no filme A doce vida.
A polêmica que Veja denominou ‘operação abafa’ – a denúncia de que o cantor e compositor tem amigos na imprensa e que eles são manipulados por jornalistas que trabalham para Chico como assessores – pode render críticas também ao autor da matéria, protegido por anonimato, já que o texto não é assinado. Com efeito, as fotos dizem uma coisa, o texto diz outra.
Exemplo: as fotos do cantor, de Woody Allen e do jogador Ronaldo, todos acompanhados de mulheres sem nomes, mas identificadas pelos rostos! ‘Tá na cara’ que as mulheres cujos nomes são omitidos são conhecidas! Por que a omissão? Dos homens são dados nomes e rostos; das mulheres, os nomes, não!
O machismo brasileiro é cheio de sutis complexidades. E qual é a profissão das acompanhantes? Modelo, bela, morena etc, assim como estamos cansados de ver no carnaval, quando as ‘mulatas’ são contratadas com cantoras, atrizes, jornalistas, escritoras. Mas para elas, uma profissão apenas: mulatas! Mulata é profissão no Brasil! As outras desempenham seus respectivos ofícios. A mulata é apenas mulata. Aliás, ainda assim só se for bonita!
Assimilação perigosa
Adiante, novo preconceito. Desta vez o da idade. A mulher que fazia companhia a Chico Buarque é descrita como ‘uma jovem morena muito bonita, por sinal, prova de que mesmo sessentões, os olhos verdes ainda arrasam corações’.
Como se sabe, jornalistas onipotentes podem determinar também a exata estação de amores e paixões. Poderiam ao menos ler Memoria de mis putas tristes (Mondadori/Editorial Norma, Barcelona e Bogotá, 2004, 109pp.), de ninguém menos do que o prêmio Nobel Gabriel García Márquez. Ou observar um pouco a vida de Vera Fischer, sobre cujo sobrenome nenhum deles ainda fez qualquer trocadilho. A atriz catarinense segue pescando os amores onde bem entende. Faz muito bem! E na idade que, se seguisse os conselhos embutidos no estilo do tipo ‘olhos verdes sessentões’, deveria se recolher ao seio da família, quem sabe. Não é lá o seu lugar?
Em seguida, Veja faz uma estranha recomendação, embutida em forma de conselho esquisito, próprio de quem não deve conhecer o calvário que percorre um cidadão que precise ir a uma delegacia de polícia fazer um boletim de ocorrência. A outra opção, ‘refugiar-se em Paris, onde mantém um apartamento’, não disfarça o ressentimento. O bom é que cantores, escritores, compositores e artistas em geral JAMAIS pudessem ter apartamento em Paris. Daí, sim, as coisas estariam nos seus devidos lugares!
Em nossa imprensa vicejam preconceitos para todos: pobres, ricos, cultos, incultos etc.
Em resumo, Veja acertou ao levantar, a partir de um fato que realmente era notícia, apesar de espelhar a vida privada de uma figura pública, a questão de como são produzidas as notícias na imprensa brasileira; mas incorreu em preconceitos que freqüentemente passam ignorados conscientemente pelos leitores, que os assimilam inconscientemente, como sói ocorrer com preconceitos – como conceitos!
Crítica do avesso
Marinilda Carvalho
Estranha a crítica da Veja a quem deixou de cobrir o affair de Chico Buarque na praia. Segundo a revista, Ronaldinho não foi poupado em seu casamento, portanto não havia por que poupar o Chico.
Mas não seria o caso de a revista condenar quem caçou notícia a qualquer preço no tal casamento? Quer dizer que o negócio é nivelar por baixo?
Pensando bem, não foi estranho não. Parafraseando o Ancelmo Goes, faz sentido.