Se uma transcrição deve ser mantida em sigilo, por força de lei, cabe às autoridades manter o segredo. Se a imprensa obtiver este documento de maneira lícita, deve publicá-lo. Mas, se correr o risco de ser usada em benefício de alguma parte, deve manter o compromisso da publicação a qualquer custo?
Aparentemente, foi o que aconteceu no caso das caixas-pretas do avião da TAM. Alguém liberou as informações para a imprensa – e, ao que tudo indica, com o objetivo de jogar a culpa nos pilotos, que morreram e não podem protestar. Os meios de comunicação engoliram a isca.
Tudo teria dado certo se este país não fosse o Brasil. Aquela incrível reunião da CPI, que liberou geral todos os documentos e informações que, por força de tratados internacionais, deveriam ser mantidos em segredo, mostrou trechos da caixa-preta que não haviam sido transmitidos à imprensa. Mostrou, por exemplo, que o ‘spoiler’ (aquela chapa de cima da asa, que se levanta no momento do pouso, e que é importante peça no sistema de frenagem), não estava funcionando naquele momento. Se o ‘spoiler’ não funciona, o problema não é dos pilotos, é da manutenção da aeronave. Se o ‘spoiler’ não funciona porque o computador, enganado pela turbina acelerada, rejeita o comando do piloto, há um problema de projeto no aparelho.
E, principalmente, a CPI acabou mostrando que a imprensa, quando confia num dos lados e se contenta com a parte das informações que lhe houverem por bem liberar, pode acabar ficando a serviço não do leitor, mas de quem quer influenciar o leitor. A propósito, é isso também que acontece quando repórteres se deixam envolver por acusadores e publicam, a conta-gotas, trechos de denúncias ou de eventuais gravações. Quem garante que, nos trechos não-liberados, não haverá detalhes que desmontem toda a história criada pelos acusadores?
Os parlamentares sem dúvida violaram dispositivos legais. Mas isso acabou sendo bom: tornou possível desmontar uma horrível manobra para culpar as vítimas.
Nosso Air Force One
A coisa está passando meio batida, mas é sempre bom lembrar que o avião do presidente Lula é um Airbus A-319, muito parecido com o A-320, embora um pouco menor. E quem faz a manutenção do AeroLula é a TAM.
Erro essencial de pessoa
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), brincou com o brigadeiro José Carlos Pereira, que ainda era presidente da Infraero: ‘Brigadeiro, o senhor será o último (a depor). Por isso, vou-lhe dar um conselho supliciano: relaxa!’
No veículo de comunicação que publicou a notícia, saiu que Torres fazia uma referência ao senador Eduardo Suplicy, do PT paulista. Errado: Torres se referia à ministra Marta Suplicy e a seu famoso conselho aos passageiros aéreos.
A lei, ora a lei
Este colunista é corintiano. E, portanto, leu com avidez as notícias sobre as denúncias de um grupo de promotores contra o presidente do Corinthians, Alberto Dualib. As denúncias são pesadas: formação de quadrilha, roubo sistemático de dinheiro do clube etc. A quantia desviada, de pouco menos de 500 mil reais (sendo que Dualib está no caso há 14 anos), é um pouco estranha: a quadrilha roubou algo como 30 mil reais por ano? Pelos padrões a que o noticiário nos acostumou, é pouco. Outra coisa estranha é que a quantia citada na acusação é precisa, até mesmo nos centavos. Mais esquisita ainda é a declaração de um dos acusadores, de que o presidente do Corinthians não foi ouvido durante as investigações, porque visivelmente não tinha vontade de depor.
Tudo bem, tudo bem: vai ver que é assim mesmo. A reportagem não se deu ao trabalho de levantar qualquer dúvida: acusou, está acusado – deve ser verdade. Mas, no último parágrafo, bem discretamente, informa-se que o juiz rejeitou o inquérito e determinou que a polícia o refaça.
Como é que uma denúncia vazia acaba virando manchete?
Lula e eu
Este colunista gosta de futebol, não de política futebolística. O que conhece da política interna corintiana é semelhante ao que o presidente Lula diz que sabia da crise do apagão aéreo. Admite, portanto, que todas as acusações podem ser verdadeiras. Podem – mas só vão valer notícia (ainda mais manchete!) quando a Justiça pelo menos decidir aceitá-las.
Tem nego bebo aí?
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, disse que muitos jogadores da seleção que disputaram a Copa de 2006 chegavam à concentração de madrugada, completamente bêbados. E, por algum motivo, ele não apenas deixou de botar ordem na casa como levou um ano para divulgar a notícia (depois, desmentiu-a).
Acontece que havia repórteres por lá, muitos repórteres. Se a notícia é falsa, devem desmenti-la; se é verdadeira e não a viram, precisam explicar o que houve. E, se é verdadeira e eles a viram, têm o dever de confirmá-la e de dar nomes aos bebuns (além de contar para a gente, logo depois, por que sonegaram a informação).
Mas, se Teixeira mentiu (alguém compraria um carro usado dele?), cabe processo. Os dirigentes da seleção, o técnico Carlos Alberto Parreira, o preparador físico Moracy Santana, todos deveriam ir à Justiça, porque sua competência foi colocada publicamente em dúvida. E os meios de comunicação têm obrigação de relembrar os fatos e mostrar que mentira tem perna curta.
Rachando o país – 1
Atacar os outros é ótimo; ser atacado é antidemocrático. No fundo, este é o significado da nota da Executiva Nacional do PT contra jornais e emissoras de rádio e TV, acusados de liderar ‘a mais nova ofensiva da direita contra o PT e o governo Lula’.
O PT, na oposição, chamou o presidente José Sarney de ladrão (agora tem Sarney a seu lado). No dia seguinte à posse de Fernando Henrique, eleito no primeiro turno (contra Lula), lançou a campanha ‘Fora FHC’. Disse o diabo de seus hoje aliados Orestes Quércia, Paulo Maluf e Jader Barbalho. O guru máximo do partido, Lula, disse que no Congresso havia 300 picaretas.
Isso não era antidemocrático. Antidemocrático é levar chumbo por causa do mensalão, do caos aéreo, de dossiês falsos. Algo no estilo ‘contra os inimigos vale tudo, contra nós nada vale’. E o pior é que há jornalistas que encamparam este tipo de comportamento – e chegam ao extremo de dizer que um movimento como o ‘Cansei’ é formado exclusivamente por paulistas. O hiperbaiano Nizan Guanaes, sócio majoritário da agência África, terá virado paulistano da gema?
Rachando o país – 2
O presidente Lula, ao protestar contra os movimentos que se opõem a ele, queixou-se dos ricos, que, segundo disse, ganharam muito mais que os pobres em seu governo. Assumiu um slogan antes atribuído a Getúlio Vargas, que se intitulava ‘pai dos pobres’ (e, segundo os adversários, ‘mãe dos ricos’). A tese de Lula é que ‘as elite’ não admitem um metalúrgico no poder – embora ele esteja no poder há anos; embora, conforme disse, ‘as elite’ nunca tenham ganho tanto.
A argumentação de Lula é ecoada por alguns de seus partidários e sai na imprensa à vontade – embora a imprensa, segundo os petistas mais radicais, esteja articulando um golpe de direita. O presidente da CUT paulista, Edílson de Paula, chegou a dizer que quanto mais pobre mais é brasileiro. A imprensa publica esta bobagem de forma acrítica – sem lembrar ao entrevistado que, levando o raciocínio ao limite, o presidente Lula já foi muito pobre (e, portanto, muito brasileiro) e hoje está longe de ser pobre (e, portanto, está longe de ser brasileiro).
A guerra das contas
Em princípio, jornalista não sabe fazer contas. Se soubesse, estaria ganhando dinheiro com isso, em vez de encher de besteira a tela do computador. Mas não precisa exagerar: outro dia saiu uma nota informando que a ministra da Defesa da Argentina autorizou a exportação de material militar com subfaturamento de até 500%.
Considerando-se que o subfaturamento de 100% transforma qualquer preço em zero, como é que se faz para subfaturar mais de 100%? Será que a Argentina, ao exportar material militar, ainda dava uma grana para os importadores?
Professor ataca metalúrgico
Pois é: de repente, nossa imprensa decidiu cassar o nome de um monte de gente. Especialmente quando há alguma desgraça, o cavalheiro normalmente conhecido como José, João ou Pedro passa a ser ‘aposentado’, ‘gerente’ ou coisa parecida. Sai a notícia como ‘bala perdida encontra aposentado’.
Há dias saiu algo parecido: um ator da Globo atropelou uma senhora (a propósito, comportou-se com toda a correção: socorreu-a imediatamente, chamou médico, essas coisas de gente civilizada). Mas o título foi:
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‘Ator da Globo atropela idosa’Será que as pessoas têm de ser identificadas somente pela profissão e idade?
O velho Estadão
Houve época em que O Estado de S.Paulo tinha uma série de peculiaridades ao tratar adversários políticos. O governador Adhemar de Barros, por exemplo, era Adhemar para todos; para o Estadão, era o sr. A. de Barros. O Parque Fernando Costa podia ser Parque Fernando Costa para o mundo, mas para o Estadão era o Parque da Água Branca. E a deputada estadual Conceição da Costa Neves, importante parlamentar da época, não tinha o nome citado: era ‘uma parlamentar do PSD’. Acabou o PSD, ela passou a ser ‘uma parlamentar do ex-PSD’. Criado o MDB, transformou-se em ‘uma parlamentar do MDB’.
Um dia, o deputado Luciano Nogueira Filho, se não falha a memória deste colunista, deu um tapa na deputada Conceição da Costa Neves. Como dar o título? Luciano Nogueira Filho também era conhecido no jornal como ‘um parlamentar do PSD’, depois ‘um parlamentar do ex-PSD’, finalmente um ‘parlamentar do MDB’. E o título era curtíssimo. A solução, depois de muito brainstorming, acabou sendo do tipo ‘Parlamentar bate em parlamentar’.
Depois de tantos anos, de tanta evolução jornalística, estaremos voltando a tratar as pessoas como parte da imprensa de cinqüenta anos atrás?
E eu com isso?
Não podemos nos descuidar: no tumulto de notícias sobre o desastre da TAM, o caos aéreo, a troca de ministro da Defesa, o Evo Morales querendo tirar mais uma casquinha, jornalistas ideologizados chamando uns aos outros de vendidos, podemos deixar passar informações das mais importantes. De repente, imagine se não formos informados de que…
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‘Decotada, Marina Mantega apresenta namorado em festa’**
‘Vanessa Lóes faz compras para o filho no Rio’**
‘Débora Falabella faz compras com marido no Rio’O grande título
Nesta semana, há um excelente:
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‘Athina Onassis acaba com prova de 1,55 m’Não é o que parece: a herdeira bilionária não decidiu eliminar de vez a prova de 1,55 m. O Athina Onassis, aqui, é o nome do torneio de hipismo. E o título significa que ele se encerra triunfalmente com a prova citada.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados