1 – A Fenaj cobrará do Governo Federal, independente do governante de
plantão, a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação Social, aberta
à sociedade, com o objetivo de formular uma Lei das Comunicações Sociais no
Brasil que, por exemplo, regulamente os artigos da Constituição Brasileira que
proíbem os monopólios e oligopólios da comunicação, especialmente a existência
da propriedade cruzada dos meios de comunicação, a complementaridade entre os
sistemas público, privado e estatal e o modelo de concessão de canais de rádio e
tv, passando pelo controle público;
2 – A Fenaj lutará pela mudança na lei que regulamenta o funcionamento das
rádios comunitárias, visando sua desburocratização e a diminuição de seu caráter
restritivo; e pela criação de medidas que garantam às novas mídias ou mídias
alternativas uma participação significativa na divisão das verbas de publicidade
de governos, órgãos e empresas públicas.
3 – A Fenaj lutará para que o Governo Federal envie para o
Congresso Nacional um projeto de lei criando o Fundo Nacional de Apoio às Rádios
e TVs Comunitárias e Universitárias Públicas, nos termos aprovados no Congresso
Nacional dos Jornalistas de João Pessoa (PB).
4 – A Fenaj montará um Grupo de Trabalho para estudar e propor a implantação
e regulamentação da criação de veículos de natureza pública e comunitária,
especialmente focando na pluralidade e regionalização do conteúdo;
5 – A Fenaj deve propor, mobilizar e exigir que os sinais da TV Senado e
Câmara dos Deputados e das TVs das Assembléias Legislativas Estaduais e
Municipais, hoje restrito as pessoas que pagam por assinatura, sejam abertos,
afinal essas Tvs são públicas, custeadas por recursos de todos os contribuintes.
No caso das pessoas que pagam para ter acesso a suas programações, pode-se até
considerar bi-tributação;
6 – A Federação Nacional dos Jornalistas assumirá o comando de uma campanha
nacional de mobilização da sociedade para monitorar os veículos de comunicação,
denunciando publicamente os grupos políticos que atentam contra a Constituição
praticando o oligopólio da mídia. Os sindicatos podem e devem contribuir com o
mapeamento do oligopólio da mídia no Brasil;
7 – A Fenaj deve ingressar no Tribunal Superior Eleitoral contra todos os
políticos e/ou seus familiares que possuam concessões públicas de rádio e tv, o
que é proibido pela Constituição. Esta ação faz parte também da campanha
nacional de mobilização pela democratização da comunicação;
8 – A Federação Nacional dos Jornalistas deve exigir que o Governo Federal do
Brasil se insira, com participação ativa na gestão, produção e divulgação
(irradiação), na Telesur, instrumento extraordinário de unidade latino-americana
contrária à política neoliberal e imperialista norte-americana;
9 – A Fenaj mobilizará os trabalhadores e a sociedade civil na luta pelo
controle social dos meios de comunicação de massa, para monitorar e dar
visibilidade à estrutura e ao modo de atuação das redes de televisão e rádio,
bem como à influência do capital estrangeiro sobre elas, formulando proposições
que combatam a concentração e os conglomerados de mídia.
10 – Os sindicatos associados à Fenaj e os jornalistas brasileiros se
mobilizarão para, ao lado do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC), conter a invasão cultural de conglomerados transnacionais de mídia e
telecomunicações, como a permitida no Brasil com a concentração econômica gerada
pela fusão das operadoras de TV paga por satélite Sky e DirecTV. Especificamente
sobre este caso, a Fenaj já assinou manifesto do FNDC onde fica evidente os
equívocos cometidos pela liberação deste negócio (monopólio privado, sustentado
por normas frágeis, que ameaça não só a produção cultural brasileira como a
própria soberania nacional e o processo de digitalização das comunicações) e
onde se incita o Estado brasileiro ‘a encaminhar medidas que inibam a expansão
cultural e econômica deste conglomerado de mídia, que se constitui em um braço
de propaganda do Pentágono sobre as demais Nações do mundo livre. Mais do que
uma ameaça à competitividade dos mercados de comunicação locais, o que está em
jogo é a própria idéia de segurança e soberania nacional, ou seja, os alicerces
que sustentam estes mercados. Barrar já esta ofensiva ideológica é assegurar que
num futuro próximo não estejamos reféns de um monopólio privado também nas
nossas consciências’.
11 – A Fenaj orientará, incentivará e proporá aos governos a criação de
Conselhos Municipais e Estaduais de Comunicação Social com participação da
sociedade civil, com o objetivo do controle social da mídia sobre o fundamento
do interesse público;
12 – A Fenaj e seus sindicatos associados articularão um movimento nacional
que busque incluir disciplinas ou conteúdos programáticos de alfabetização para
as mídias (media literacy) e de produção de veículos editoriais no currículo
básico e na formação de professores das redes de ensino fundamental e médio. A
entidade também irá lutar para que a rede pública de ensino garanta o
aproveitamento de jornalistas, radialistas e demais profissionais de comunicação
possam ministrar esse tipo de disciplina como mais uma alternativa para a crise
do mercado de trabalho nas redações. De forma complementar, os sindicatos de
jornalistas organizarão e manterão, com apoio dos comitês pela democratização da
comunicação, um calendário de oficinas e cursos de capacitação buscando a
formação de comunicadores populares e monitores de mídias alternativas em todos
os segmentos (rádio, TV, cinema, publicações impressas e de internet).
13 – Atuando com o mote ‘Comunicar, educar, produzir’, a Fenaj e seus
sindicatos associados trabalharão de forma a elaborar projetos e captar recursos
para, em convênio com instituições de ensino e pesquisa, e com apoio do Fórum
Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), realizarem a estruturação da Rede
de Laboratórios Interdisciplinares em Ambiente Virtual (Relav), criando pólos de
inteligência distribuída em várias cidades brasileiras interligados por uma rede
de fibra óptica ou banda larga de alta velocidade. Os mesmos serão constituídos
de equipamentos de videoconferência e sistemas digitais audiovisuais montados em
um espaço cedido por uma universidade ou entidade associada à Fenaj, FNDC, FNPJ
ou outro parceiro. Os laboratórios serão usados exclusivamente para a realização
de cursos e oficinas de formação na área da democratização da comunicação,
reuniões de trabalho e videoconferências das coordenações das entidades
parceiras com o objetivo de formar quadros capacitados, base de sustentação e
base de apoio para a luta pela democratização da comunicação no Brasil. Para
implementar a Relav, fica a Fenaj autorizada a firmar convênios com
universidades e instituições de pesquisa, a fim de participar de editais e
chamadas públicas de órgãos como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ou no
intuito de apresentar projetos de captação para fundações privadas nacionais ou
internacionais.
14 – A Fenaj e seus sindicatos associados se engajarão no projeto ‘Mutirões
Digitais’, do FNDC, estimulando e contribuindo para organizar os mais variados
tipos de comunidades para a implantação de redes comunitárias sem-fio,
permitindo o acesso dos cidadãos e de entidades da sociedade civil a conexões de
internet em alta velocidade de forma gratuita ou mediante o pagamento de uma
taxa pública única, nos moldes daquelas cobradas no abastecimento de água e
energia elétrica. Por meio dos comitês pela democratização da comunicação nos
estados, os sindicatos auxiliarão as comunidades no diálogo com as autoridades
públicas locais ou empresas estatais e privadas da área de telecomunicações e
informática para o estabelecimento de parcerias que viabilizem a inclusão
digital dos brasileiros assegurando acesso e direito à informação e
comunicação.
15 – A Fenaj e seus sindicatos filiados participarão da campanha pelo
software livre.
16 – A exemplo do que foi feito em anos anteriores, a Fenaj apresentará aos
candidatos às eleições presidenciais sugestões para seus programas de governo em
torno da áreas das comunicações, a fim de que os mesmos assumam um compromisso
público com uma plataforma de políticas públicas voltadas para a democratização
da comunicação no Brasil. Os sindicatos estaduais e municipais associados à
Fenaj terão ao seu dispor programa semelhante para apresentarem aos candidatos
aos cargos majoritários nos estados. Tais formulações poderão receber adendos
das entidades associadas ao FNDC durante a XIII Plenária da entidade, prevista
para ocorrer de 1º a 3 de setembro de 2006.
17 – A Fenaj e seus sindicatos associados irão se empenhar para exercer papel
de protagonismo na implantação e manutenção dos comitês pela democratização da
comunicação do FNDC nos estados, e também nos municípios onde existirem núcleos
ou delegacias de sindicatos, como forma dos jornalistas liderarem a luta pela
democratização da comunicação, bem como dividirem com outras entidades o papel
de organizadores da mobilização e da aglutinação do movimento social no nível
local.
18 – A Fenaj deve posicionar-se publicamente em favor da introdução de
instrumentos que possibilitem à sociedade a discussão – baseada no Decreto
4.901/03 – dos princípios e soluções que devem reger o reordenamento do sistema
de rádio e TV do Brasil;
19 – A Fenaj deve reivindicar que haja espaço de representação da sociedade
civil no grupo de trabalho criado para regulamentar o decreto presidencial
5.820/2006 e cobrar do governo federal a publicização das pesquisas feitas no
Brasil sobre as tecnologias de TV Digital.
20 – Em conjunto com as entidades que compõem o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), a Fenaj defenderá junto ao Congresso
Nacional, ao governo federal e à sociedade civil a criação de uma instituição
pública não-governamental, voltada para garantir, entre outras funções, a
organização, o planejamento e a implementação e suporte aos serviços digitais de
comunicação social e da infra-estrutura utilizada para a distribuição dos
mesmos. Esta instituição será responsável pelo recolhimento e distribuição de
taxas, assinaturas ou quaisquer outros valores devidos pelas entidades da cadeia
de valor que a integrarem ou pelos usuários que receberem os serviços digitais
de comunicação social. A Fenaj também promoverá uma articulação com países da
América do Sul visando a criação de uma instituição pública não-estatal para
operar um sistema integrado de comunicações digitais em âmbito supranacional,
preservadas a soberania de cada Nação.
21 – Ao lado das demais entidades que compõem a Frente Nacional por um
Sistema Democrático de Rádio e Televisão Digital, a Fenaj e o FNDC lutarão para
que a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre incorpore
não só as inovações tecnológicas desenvolvidas no País como as demandas de
conteúdo da população brasileira. A Federação Nacional dos Jornalistas deve
lembrar ao Governo Federal que foram investidos mais de R$ 30 milhões pela
própria União em pesquisas de tecnologia de Tv Digital nas universidades
públicas brasileiras, e portanto, é imprescindível que essas pesquisas sejam
levadas em conta nesse processo de definição do modelo de Tv Digital no
País.
22 – Em conjunto com a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e
TV Digital, da qual a Fenaj já faz parte através do FNDC, a Fenaj deve ingressar
com uma representação junto ao Ministério Público Federal apresentando os pontos
do decreto que ferem o interesse público e a legislação vigente. Caso o
Ministério Público não aja juridicamente diante de tal provocação, a Fenaj deve
analisar, em conjunto com a Frente, a possibilidade de uma ação jurídica.
23 – A Fenaj e o FNDC devem se incorporar de imediato à luta pelo
estabelecimento de um processo democrático e de desenvolvimento da inteligência
nacional também em relação à digitalização da radiodifusão sonora, para que
sejam evitados equívocos semelhantes como os que ocorreram no processo de
decisão em torno da televisão digital.
Posicionamento sobre a digitalização das comunicações
No momento em que nós, jornalistas brasileiros, estamos reunidos em Ouro
Preto, o Brasil vive um dos principais momentos na história da comunicação
social. Em esferas distintas e setores diversos, trabalhadores, profissionais
liberais, empresários, legisladores e os demais cidadãos testemunham a indução
de fenômenos que apontam para a construção de um novo paradigma para a área das
comunicações.
A introdução da tecnologia digital na comunicação social é um processo de
decisiva importância para a determinação da cultura nacional, da produção
audiovisual, da democratização da comunicação, da cidadania e do desenvolvimento
sustentado. Trata-se de uma oportunidade histórica de, em virtude da inovação
científica e tecnológica, todos os Países alcançarem um grau de equiparação
semelhante.
A TV Digital já é debatida no País há mais de dez anos. Com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, a definição sobre a TV digital saiu do âmbito da Anatel,
onde estava até então, e foi para a pasta das Comunicações. Em novembro de 2003,
foi publicado o Decreto 4.901, que institui o Sistema Brasileiro de TV Digital
(SBTVD), a estrutura de dois comitês (um gestor e um de desenvolvimento) e um
Conselho Consultivo com participação da sociedade civil. O governo demonstrou
então uma relativa abertura ao debate e acertou ao verificar junto às
universidades que pesquisavam o tema a possibilidade de desenvolver componentes
que formassem um sistema brasileiro. A partir dos subsídios do CPqD, crescia o
debate nas instâncias governamentais e no Conselho Consultivo acerca dos rumos
do SBTVD.
Com a entrada do ministro Hélio Costa, em julho de 2005, o que se verificou
foi um esvaziamento do debate com a sociedade e uma identificação exclusiva com
os interesses dos radiodifusores, especialmente com os das Organizações Globo.
Em apenas alguns meses, Costa incorporou à sua pasta a pauta da Abert, negociou
incentivos fiscais com o Ministério da Fazenda e vem disputando dentro do
governo a adoção de um sistema caracterizado por ser uma levíssima adaptação do
ISDB, que não permite a entrada imediata de novos atores no universo da
radiodifusão.
Além disso, o atual ministro esvaziou a discussão com a sociedade no Conselho
Consultivo e criou um comitê ad hoc com a participação das emissoras. O
deslocamento do espaço real de decisão contrariou o próprio Decreto 4.901, com o
ministro ignorando as posições da sociedade civil e, inclusive, as contribuições
do CPqD, órgão responsável pela produção de documentos de subsídio à construção
do SBTVD, passando a buscar apoio para a posição das emissoras que defendem a
manutenção da estrutura concentrada de propriedade. Acreditamos que esta
oportunidade histórica de transformação no cenário de concentração da mídia no
país não pode ser desperdiçada, nem ser encaminhada sem a participação da
sociedade civil.
Da mesma forma, ou talvez pior que no caso da TV, o processo de digitalização
do rádio no Brasil está sendo feito à margem da sociedade brasileira. Quatorze
emissoras de seis capitais do país estão realizando testes com equipamentos
digitais, a partir de um acordo feito entre o governo e apenas os empresários da
radiodifusão comercial. O processo também exclui as rádios comunitárias,
educativas, universitárias, os movimentos organizados e entidades sociais.
A implantação e o desenvolvimento da tecnologia digital é uma oportunidade
única para não apenas melhorar a definição e dar maior robustez ao sinal dos
serviços de comunicação social e telecomunicações que chegam aos mais de 51
milhões de domicílios, mas também para incluir socialmente a população por meio
do acesso a uma gama inimaginável de serviços interativos e outras aplicações
para um meio que até hoje mantinha o cidadão como consumidor passivo de uma
programação cuja produção é concentrada no eixo Rio-São Paulo e cuja
distribuição é dominada por seis redes privadas comerciais.
Nas escolhas feitas pelo Estado brasileiro a partir de agora reside parte do
futuro das mídias audiovisuais do país. Decidiremos, por exemplo, como
exemplificado no documento ‘TV Digital: princípios e propostas para uma
transição baseada no interesse público’, do Intervozes – Coletivo Brasil de
Comunicação Social, se queremos democratizar as mídias, com a otimização do
espectro por onde trafegam os sinais da radiodifusão; se queremos um marco
regulatório que prepare a nação para os desafios da convergência tecnológica em
curso; se queremos que milhões de famílias tenham acesso aos elementos básicos
de inclusão digital; se queremos impulsionar uma indústria audiovisual,
garantindo a isonomia concorrencial e a representação na mídia da diversidade
cultural e regional brasileira; se queremos desenvolver a indústria nacional e,
juntamente com o incremento da produção de conteúdo, gerar empregos e ajudar o
país a superar o desafio da inclusão social; se queremos, em resumo, garantir
direitos fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988 e nos pactos
internacionais ratificados pelo Brasil.
No entanto, contrariando a lógica dos argumentos e dos fatos, dias antes do
início deste 32º Congresso Nacional dos Jornalistas o governo brasileiro tomou
uma decisão equivocada ao optar por uma transição tecnológica para os sistemas
de radiodifusão de sons e imagens que deu ao Brasil menores chances de atender
às demandas sociais por conteúdo da população brasileira e a inserir-se de forma
autônoma no cenário econômico e cultural mundial.
O decreto 5820, promulgado pela Presidência da República em 30 de junho de
2006, adota como base o padrão ISDB-T para a transição do sistema de transmissão
analógica para o digital na TV aberta brasileira, instituindo o Sistema
Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T). O texto também incide sobre o
marco regulatório do campo das comunicações, definindo diretrizes para o início
das transmissões, competências das instâncias governamentais e prazos para a
conclusão da transição das plataformas analógicas para as digitais.
O assinar tal decreto, o governo brasileiro descumpre o disposto no decreto
anterior (4.901/2003), não revogado, tanto pela não realização dos princípios
expostos para o SBTVD quanto pelo não cumprimento dos procedimentos ali
definidos, que objetivam a transparência, a impessoalidade, a publicidade e a
participação dos diferentes segmentos no processo de definições técnicas e
regulatórias do SBTVD.
Ao avançar em seara regulatória que não de sua competência, o texto
presidencial extrapola os limites do Poder Executivo na consecução dos objetivos
da República, assumindo competências da Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) e invadindo competências do Congresso Nacional, definidos na
Constituição Federal e em legislações complementares. O decreto utiliza a figura
da ‘consignação’ de ‘faixa extra’ do espectro – instituto não previsto na
legislação vigente – para que as emissoras transmitam simultaneamente, em
formato digital, a programação hoje veiculada analogicamente. No entanto, esta
‘faixa extra’ transmitirá em alta definição e para recepção móvel, podendo
transmitir várias programações simultaneamente e com serviços interativos.
Claramente, o decreto abre margem para a criação de um serviço até então não
prestado pela radiodifusão analógica. Se é um novo serviço, demandaria novas
outorgas, que só podem ser concedidas pelo Congresso Nacional.
Além disso, o novo decreto sepulta o potencial de inclusão social previsto no
decreto 4.901/2003 ao determinar que tanto a recepção móvel quanto a
interatividade do SBTVD-T seja livre e gratuita. Desta forma, na prática, ele
restringe o acesso do público somente à característica da interatividade local,
uma vez que outros níveis de interatividade só seriam possíveis com o
estabelecimento de um canal de retorno e da conseqüente cobrança pelo seu uso.
O não cumprimento da legislação vigente e dos princípios constitucionais é
agravado pelo desperdício de recursos públicos a partir da não incorporação das
tecnologias nacionais desenvolvidas no âmbito do SBTVD. O decreto não define
quais serão as inovações tecnológicas brasileiras a serem incorporadas pelo
SBTVD-T e nem quando elas serão adotadas. Isso significa que o Ministério das
Comunicações pode iniciar as transmissões sem a incorporação de qualquer das
inovações produzidas no âmbito do SBTVD.
Tão grave quanto a fragilidade jurídica e as contradições detectadas no
decreto presidencial é o conteúdo do termo de implementação assinado pelo
governo Lula e o governo do Japão na mesma data. Ao mesmo tempo em que o texto
manifesta o interesse brasileiro na incorporação das tecnologias desenvolvidas
pelos pesquisadores nacionais, não define objetivos claros para que isso
aconteça. Do lado do Japão, não há um compromisso expresso com esta intenção.
Por fim, a adoção deste modelo compromete, contraditoriamente, a intenção de
‘latinizar’ o chamado padrão ‘nipo-brasileiro’ e pode levar a um isolamento
regional do Brasil na introdução da tecnologia digital nas comunicações, uma vez
que o restante dos países da América do Sul já deixaram claro que a adoção do
padrão japonês pelo Brasil os levaria para uma outra opção.
Portanto, ao subordinar-se aos interesses privados dos radiodifusores e aos
interesses comerciais das indústrias japonesas, ao mesmo tempo em que dá aval à
invasão dos grandes conglomerados transnacionais de comunicação, o governo
brasileiro optou por criar um isolamento político e econômico que dificilmente
colaborará para a democratização da comunicação e, muito menos, para a inclusão
social do povo brasileiro.
Nenhum acordo bilateral, por mais vantajoso que fosse ao Brasil, poderia
garantir maior estímulo à revitalização de nossa indústria microeletrônica, ao
desenvolvimento científico-tecnológico e ao amadurecimento da indústria
audiovisual brasileira que a opção por uma transição mediada pelo interesse
público e que mantivesse o centro de decisão da economia nacional em solo
brasileiro.
A FENAJ e o FNDC tiveram a iniciativa de alertar que a digitalização das
comunicações possui também uma função estratégica ‘indireta’: a aquisição de
tecnologia para produção de semicondutores e o domínio do processo de
beneficiamento do silício. O risco da desindustrialização, pela falta de domínio
da tecnologia, do sucateamento do parque industrial (com o colapso insuportável
do nível de emprego e renda) e a elevação a patamares proibitivos do consumo de
alta tecnologia por parte da indústria são ameaças que fazem da necessidade do
controle público da digitalização, uma questão de segurança nacional e
soberania, também por este viés indireto.
Oportunidade que infelizmente o governo Brasileiro desprezou ao insistir em
privilegiar o modelo tecnológico, em detrimento dos objetivos sociais da
digitalização. Desconsidera-se a possibilidade de, neste e em outros setores da
economia, o Brasil passar a competir de igual para igual com os países
desenvolvidos e, ainda, suprimir as deficiências em estágios anteriores do
desenvolvimento econômico.
A definição do governo ignorou a janela de oportunidade histórica cujo
caráter estratégico só tem paralelo na luta dos brasileiros pela manutenção dos
centros de decisão da produção de aço, do petróleo e da química fina no século
passado. Ignorou opções que podem estabelecer uma nova plataforma industrial,
assentada na microeletrônica e na convergência dos setores de telecomunicações,
radiodifusão e informática, bem como assegurar a inserção autônoma da cultura,
da economia e da ciência do País no cenário internacional. Ou, de outro lado,
condenar as próximas gerações de brasileiros a permanecerem dependentes dos
centros de decisão localizados no Hemisfério Norte.
Mais do que isso, o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre que
passará a ser implementado nos próximos dez anos se estabelece sobre uma frágil
rede de proteção jurídica e, principalmente, dentro de um ambiente regulatório
disperso e fragmentado, cujo marco data de 1962.
Sob o prisma do interesse público, não havia qualquer razão que justificasse
pressa nas decisões acerca do SBTVD. Alguns meses a mais – para que o debate
fosse feito com a devida propriedade – não fariam com que o país ficasse para
trás em relação às nações que já estão em processo de migração de seus sistemas
de radiodifusão. Ao contrário, uma definição mais criteriosa, que contasse com a
participação dos diversos setores envolvidos no processo faria com que o Brasil
tivesse reais condições de se inserir de maneira independente em âmbito global e
daria ao país a oportunidade real de desenvolver um sistema de comunicações que
fosse plural, diverso e verdadeiramente democrático.
Assim, o governo desprezou uma possibilidade inédita de serem reorganizados
os sistemas privado-comercial, público e estatal, bem como os mercados de
radiodifusão – inconstitucionalmente oligopolizados no Brasil –, abrindo uma
fase extremamente dinâmica para a competição e o estabelecimento de novos
prestadores desses serviços em todas as regiões do País. A base objetiva para
esse avanço da democratização é fornecida pela confluência tecnológica, e pela
possibilidade de interatividade entre emissor e receptor nela embutida. Para
cumprir seu papel sócio-cultural, porém, observando as definições estabelecidas
pela Constituição Federal, a digitalização da comunicação social deve ser
planejada e implementada de modo a atender as seguintes demandas de conteúdo da
população brasileira:
a) Entretenimento e Lazer – programação que proporciona condições para
que os indivíduos tenham opções de divertimento e de ocupação em seus momentos
não-produtivos, de acordo com seus interesses, concepções e valores;
b) Formação Cultural – programação que cria condições de acesso às
fontes, presentes e passadas da cultura nacional e ao patrimônio cultural da
humanidade;
c) Educação e Capacitação – programação que disponibiliza,
sistematicamente ou não, informação destinada a contribuir para que os
indivíduos compreendam a realidade social e natural ou orientada que estes
tenham acesso a conhecimento relevante para o desenvolvimento de capacidade para
o exercício de funções determinadas ou para a aquisição de habilidades
específicas.
d) Promoção da Cidadania – programação que disponibiliza informação e
interpretação sobre os mais variados aspectos da atualidade da vida social e dos
negócios públicos, com estímulo à capacidade crítica, ao desenvolvimento da
autonomia intelectual e ao exercício dos direitos e deveres inerentes à
cidadania.
Nos próximos anos, a tarefa histórica dos jornalistas e dos cidadãos
brasileiros de democratizar a comunicação para se ter democracia na sociedade
passará pela necessária revisão desta decisão unilateral, contraditoriamente de
igual pendor estatizante e patrimonialista.
Acompanhamento dos demais temas da área das comunicações
Comunicação Comunitária
Inserida no espectro dos movimentos sociais a Federação Nacional dos
Jornalistas deve ter papel de liderança pró-ativa no debate sobre a
democratização da comunicação, denunciando publicamente o oligopólio da mídia,
propondo e exigindo e participando da implantação de políticas públicas que
garantam uma comunicação mais plural e que atue sob o prisma do interesse
público.
Lamentavelmente nem nós e nem Governo Lula atuamos no sentido da busca por
uma comunicação mais democrática. Nós, sociedade e entidades, por falta de
articulação, de organização, de compreensão de um projeto claro para o setor que
dialogasse com a população, fomos engolidos pela força do oligopólio e pelo
Governo que cedeu às pressões do capital da mídia.
O pior desse quadro não foi à omissão do Governo Federal em agir no setor da
comunicação, mas foi a ação, por exemplo, de perseguição contra rádios e tvs
comunitárias, colocando a Anatel e a Polícia Federal sobre elas, isto é,
criminalizando-as. Vale citar o caso da TV Comunitária de Brasília, que chegou a
ser procurada por agentes da Anatel para ter acesso as fitas de conteúdo da
programação da emissora.
Sobrevivendo aos obstáculos burocráticos para sua legalização – algumas
rádios esperam outorga para funcionamento há mais de oito anos – essas emissoras
se tornaram, em muitos locais, a mídia preferida das populações de municípios do
interior do país ou de bairros da periferia das grandes cidades. Mesmo assim, há
um estrangulamento da comunicação comunitária, regional, municipal, cooperativa,
sindical brasileira. No caso da imprensa escrita, a comunicação estrangulada
defronta-se com um obstáculo insuperável, sem mudanças sociais que introduzam
milhões de milhões de brasileiros no mercado de consumo de bens essenciais,
entre eles, bens culturais, jornais, revistas e livros. Basta citar que, após
crescimento de 70% na circulação de revistas, entre 98 e 99, atualmente o
brasileiro lê em média apenas duas revistas por ano, o que revela, uma vez mais,
nossa indigência cultural-informativa. No caso dos jornais diários, apenas nove
deles têm tiragem acima de 100 mil, sete, localizados no eixo Rio-São Paulo,
também evidenciando um forte desequilíbrio regional.
Uma mudança radical precisa ser buscada. Um Programa de Massificação da
Imprensa Escrita, no Brasil, deve ser assumido pelos jornalistas brasileiros a
partir deste Congresso. Esse programa poderá ser operacionalizado pelo Governo
com o apoio da Fenaj, por meio de abertura de uma linha de crédito subsidiado
para jornais de cooperativas, de sindicatos, associações de moradores, tornando
o preço do produto acessível aos consumidores ou mesmo gratuito. Lembramos que
os grandes conglomerados receberam todo tipo de financiamentos e facilidades
para abastecer um mercado restrito e de elite com seus produtos caros, com papel
subsidiado, com publicidade oficial etc.
Somente um movimento massificado, envolvendo sindicatos e movimentos sociais,
poderia criar situações de fato, instalando rádios e procurando o enraizamento
nas comunidades, com o objetivo de tirar as rádios comunitárias do impasse em
que se encontram. Grande parte dos Sindicatos de Jornalistas, e a própria Fenaj,
contribuem com esse estágio, por falta de iniciativas. Poderíamos constituir
núcleos de assessoramento aos movimentos populares para capacitar os
comunicadores e estabelecer critérios para o funcionamento desses veículos, com
a exigência de pelo menos um profissional responsável para cada um deles. Os
Sindicatos dos Jornalistas podem cooperar com assentamentos de sem-terra, com
comunidades carentes nas cidades, ministrando cursos para comunicadores
populares, realizando campanhas para compra de equipamentos de rádio e sua
instalação.
Regionalização da produção jornalística, artística e educativa
Está parado no Senado Federal o projeto de lei de autoria da deputada federal
Jandira Feghalli (PCdoB-RJ). A FENAJ e seus sindicatos filiados devem pressionar
os senadores para que aprovem o projeto em regime de urgência-urgentíssima e o
governo federal para que colabore com a sua aprovação.
Despejo dos canais básicos da TV a Cabo
Nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, as empresas de tevê
a cabo estão despejando os canais básicos, deixando de oferecê-los aos seus
assinantes por causa da digitalização. O receptor digital da NET, por exemplo,
não oferece os canais básicos: TV Justiça, TV Senado, TV Câmara, canais
comunitários, universitários e legislativos, bem como o canal NBR do governo
federal. Os mesmos canais deixaram de ser veiculados pela TVA em São Paulo. A
empresa comunicou a mudança de seu sistema para digital e solicitou ao canal
comunitário de São Paulo que envie o sinal da tevê por meio da tecnologia
digital MPEG 2.
Em reunião com o diretor geral de Serviços da NET, Fernando Magalhães, na
noite de sexta-feira, dia 9 de junho, em São Paulo, os canais comunitários foram
informados que a digitalização crescente da NET vai demorar de 2 a 3 anos e que,
até lá, os canais estarão despejados. Na opinião dele, a empresa precisa cumprir
os acordos com os canais internacionais que continuam a ser oferecidos,
menosprezando a Lei 8.977, de 6 de janeiro de 1995, mais conhecida por Lei do
Cabo, ainda em vigor, que diz apenas que as emissoras devem entregar os seus
sinais no cabeçal da empresa.
Diante disso, a FENAJ e seus sindicatos filiados devem procurar imediatamente
uma ação comum com a ASTRAL, a ABTU, as Assembléias Legislativas, a Radiobrás e
a ABCCOM em defesa dos canais básicos e em defesa dos consumidores brasileiros.
Deve também atuar com firmeza contra tal afronta à sociedade brasileira, ao
Congresso Nacional, aos poderes legislativos estaduais, ao Poder Judiciário e às
universidades brasileiras.
Fundo Nacional de Apoio e Desenvolvimento da Mídia Comunitária e
Pública
Já que está legalizada, é preciso que os jornalistas, junto a outros setores
sociais, desenvolvam luta para que também as rádios comunitárias possam receber
recursos públicos – a exemplo das generosas verbas com que são premiadas rádios
privadas – a começar pela retribuição na veiculação de anúncios de utilidade
pública. Caso contrário, serão rádios sempre confinadas à penúria, sem
capacidade de elevar e manter a qualidade de sua programação e de sua
transmissão.
A idéia é utilizar esse Fundo Nacional de Apoio e Desenvolvimento da Mídia
Comunitária e Pública também para alavancar os canais comunitários e
universitários públicos. Atualmente são 203 empresas de tevê a cabo por
assinatura no país, o que, por lei, nos dá o direito de termos no Brasil 203
canais comunitários e 203 canais universitários, o que geraria milhares de
empregos e renda, além de um grande incremento na produção audiovisual. São
vários os projetos criando fundo em tramitação no Congresso Nacional. A FENAJ e
seus sindicatos filiados precisam, com urgência, afirmar o que querem perante o
Congresso Nacional e mostrar isso em seus boletins, jornais, mensagens
eletrônicas e por meio de banners em suas páginas eletrônicas na web.
Telesur
O canal multiestatal Telesur conta hoje com mais de 10 milhões de
telespectadores. Financiado por cinco países – Venezuela, Cuba, Argentina,
Uruguai e Bolívia -, a Telesur vem mostrando a América Latina para os
latino-americanos. A FENAJ e seus sindicatos filiados devem defender a
participação do Brasil no consórcio de países que compõem a multiestatal
Telesur, inclusive na sua programação.
Devemos também defender a presença dos telejornais da Telesur nos canais
comunitários do Brasil por conter informações sobre os povos latino-americanos.
Além disso, todos os sindicatos filiados, inclusive a FENAJ, devem se esforçar
para possuir, em suas sedes, condições técnicas para captar a Telesur e dar
visibilidade a um canal que tem estreita parceria com os movimentos sociais
latino-americanos e produtores independentes. Devemos também privilegiar canais
estatais da Argentina, Cuba, Uruguai, Bolívia e Venezuela, assim como a TV
Brasil – canal integración.
Diagnóstico da área das comunicações no Brasil
Não se pode falar em sociedade democrática sem que os meios de comunicação de
massa, privados e estatais também sejam plurais e abertos, em seu acesso e
produção, para todas as manifestações e atores sociais. É preciso reafirmar a
comunicação como um direito humano, imprescindível à vida em sociedade.
Nesse sentido, os movimentos sociais, do campo e da cidade, devem se
envolver, como já começam a fazer com mais visibilidade, no debate sobre o tema.
A tarefa compreendida por todos é lutar concretamente para reverter um quadro de
profunda concentração dos meios de comunicação que compromete profundamente os
fundamentos da democracia e afeta o âmago da profissão dos trabalhadores da
Comunicação.
Os sistemas e mercados de comunicação do Brasil passaram a viver, nos últimos
anos, um esgotamento de seus modelos de negócios e financiamento que vem
impactando de forma determinante a produção, distribuição e recepção de
conteúdo, seja audiovisual ou impresso, artístico, jornalístico, cultural ou
educativo. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias de informação e comunicação
tornaram possível a criação de novos veículos de mídia, principalmente de
natureza pública e estatal, que encontram dificuldades de sustentação financeira
ou institucional. Somada a uma relativa estagnação dos mercados de comunicação
torna-se difícil a promoção de uma alteração do quadro de concentração da
propriedade, verticalização dos processos produtivos e agendamento do discurso
social exercido pelas seis principais redes comerciais de comunicação de
abragência nacional [por ordem de faturamento as maiores redes de comunicação
são Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV! e CNT]
.
O parágrafo § 5º do artigo 220 da Constituição Federal determina que ‘os
meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de
monopólio ou oligopólio’. Tal artigo, no entanto, assim como a imensa maioria
dos relacionados às comunicações na Constituição ainda não foi regulamentado,
mesmo depois de 18 anos de promulgação da Carta Magna. O resultado foi o que,
assim como tantos outros espaços públicos, também o espaço das comunicações
continuou privatizado no Brasil.
O estudo ‘Os Donos da Mídia’, realizado em 2002 pelo Epcom – Instituto de
Estudos e Pesquisa em Comunicação, revelou que seis organizações empresariais
detêm a propriedade de 667 veículos de comunicação, entre emissoras de TV,
rádios e jornais. As Organizações Globo detêm 32 concessões de TV e possuem 113
afiliadas no país, obtendo 54% da audiência e da verba publicitária (R$ 1,59
bilhão em 2002). O SBT possui 10 emissoras e 100 afiliadas, atingindo 24% da
audiência. Somados, os dois conglomerados controlam 75% da audiência nacional. O
restante é dividido entre a Igreja Universal do Reino de Deus (21 concessões
distribuídas entre as emissoras Record, Rede Mulher e Rede Família), TV
Bandeirantes (12 concessões próprias e 57 afiliadas) e Rede TV! (43 concessões).
Pesquisa Anual de Serviços realizada pelo IBGE em 2000 apontou que 79,6% das
receitas do setor estão concentradas em apenas 3,5% das corporações.
Conforme publicação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, por
meio dos aliados locais as redes geram um vasto campo de influência, em escala
de massas, que se capilariza por 294 emissoras em VHF (90% do total de emissoras
do País), 15 em UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 de FM e duas rádios em Onda
Tropical (OT), além de 50 jornais diários. Todos ajudam a sustentar e amplificar
a programação e a ideologia das chamadas ‘cabeças-de-rede’ — os sistemas Globo,
SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV! e CNT.
‘É a partir desta estrutura vertical que a concentração da propriedade na
comunicação começa a minar a democracia’, afirma o documento do FNDC. Os grupos
cabeças-de-rede, que geram a programação de televisão, buscam nos afiliados
sustentação regional e presença no mercado. Em troca, dão fôlego econômico e uma
face institucional a projetos empresariais e políticos regionais. O
comprometimento das afiliadas com a multiplicação do conteúdo gerado pelas
cabeças-de-rede reproduz em âmbito local valores morais, culturais e políticos
defendidos pelo grupo-mãe. Também garante às empresas associadas a influência
nacional detida pelo conglomerado que as lidera.
Um outro levantamento realizado em maio de 2006 pelo Epcom, com base no
Sistema de Controle de Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel), revela a existência de um grande número de outorgas e autorizações de
serviços de radiodifusão e TV por assinatura nas regiões Sul e Sudeste do
Brasil. Juntos, os sete estados abrigam, em média, mais de 60% das operações de
comunicação nos cinco segmentos analisados pelo estudo: emissoras e
retransmissoras de televisão (10.514 no total), emissoras de rádio AM e FM
comerciais e educativas (4.392), rádios comunitárias (2.513) e operadoras de TV
paga nas modalidades MMDS (336) e cabo (298).
Os dados revelam que quanto mais rica a região do Brasil, maior o número de
operadores de comunicação atuando em seus estados. Não é equivocado supor,
portanto, que a desigualdade na produção de riquezas alimenta a concentração da
propriedade dos meios de comunicação nas regiões de menor Produto Interno Bruto
(PIB). Em outras palavras, quanto mais pobre o estado, mais sua comunicação está
na mão de poucos.
A tabela abaixo mostra como estão distribuídos pelos estados brasileiros
estes sistemas de comunicação social.
Emissoras de Radiodifusão e Operadoras de TV por assinatura | ||||||||||
(existentes no Brasil por Unidade da Federação) | ||||||||||
Estado | TV | RTV | FM | AM | OT | OC | Radcom | CABO | MMDS | DTH* |
ACRE | 5 | 98 | 13 | 9 | 5 | 0 | 3 | 1 | 0 | |
ALAGOAS | 6 | 112 | 34 | 18 | 0 | 0 | 39 | 2 | 8 | |
AMAZONAS | 9 | 249 | 27 | 25 | 10 | 2 | 33 | 1 | 3 | |
AMAPÁ | 4 | 39 | 12 | 5 | 2 | 0 | 8 | 1 | 0 | |
BAHIA | 16 | 707 | 119 | 103 | 1 | 0 | 177 | 9 | 18 | |
CEARÁ | 15 | 357 | 101 | 118 | 0 | 0 | 150 | 3 | 10 | |
DISTRITO FEDERAL | 13 | 25 | 28 | 9 | 0 | 5 | 16 | 1 | 1 | |
ESPÍRITO SANTO | 14 | 201 | 53 | 22 | 1 | 0 | 39 | 11 | 11 | |
GOIÁS | 25 | 537 | 112 | 62 | 4 | 3 | 125 | 4 | 12 | |
MARANHÃO | 12 | 314 | 43 | 46 | 3 | 1 | 107 | 2 | 5 | |
MINAS GERAIS | 65 | 1389 | 368 | 213 | 5 | 4 | 467 | 36 | 28 | |
MATO GROSSO DO SUL | 14 | 255 | 57 | 58 | 5 | 0 | 62 | 3 | 5 | |
MATO GROSSO | 11 | 307 | 48 | 55 | 5 | 0 | 51 | 4 | 3 | |
PARÁ | 11 | 335 | 49 | 36 | 9 | 0 | 49 | 2 | 5 | |
PARAÍBA | 8 | 93 | 42 | 35 | 0 | 0 | 104 | 1 | 17 | |
PERNAMBUCO | 14 | 150 | 84 | 45 | 1 | 0 | 130 | 5 | 13 | |
PIAUÍ | 9 | 94 | 31 | 59 | 2 | 0 | 47 | 1 | 1 | |
PARANÁ | 42 | 479 | 171 | 213 | 2 | 14 | 168 | 39 | 33 | |
RIO DE JANEIRO | 23 | 401 | 112 | 75 | 1 | 7 | 66 | 19 | 11 | |
RIO GRANDE DO NORTE | 9 | 101 | 28 | 37 | 0 | 0 | 79 | 3 | 6 | |
RONDÔNIA | 6 | 153 | 32 | 22 | 5 | 0 | 22 | 2 | 1 | |
RORAIMA | 2 | 47 | 8 | 5 | 1 | 0 | 3 | 0 | 1 | |
RIO GRANDE DO SUL | 32 | 811 | 209 | 214 | 0 | 10 | 130 | 27 | 20 | |
SANTA CATARINA | 27 | 747 | 131 | 139 | 0 | 4 | 82 | 20 | 25 | |
SERGIPE | 6 | 62 | 25 | 16 | 0 | 0 | 12 | 1 | 8 | |
SÃO PAULO | 81 | 1795 | 451 | 332 | 17 | 23 | 326 | 98 | 90 | |
TOCANTINS | 7 | 170 | 20 | 13 | 1 | 0 | 18 | 2 | 1 | |
TOTAL | 486 | 10.028 | 2.408 | 1.984 | 80 | 73 | 2.513 | 298 | 336 | 10 |
Fonte: Siscom – Anatel – Acesso em 17/5/2006 * Uma licença de DTH garante cobertura em 100% do território nacional | ||||||||||
Emissoras e retransmissoras de TV com licença ou outorga 10.513 | ||||||||||
Emissoras de rádio com licença ou outorga 7.058 | ||||||||||
Operadoras de TV por assinatura em operação ou em instalação 644 |
Com um PIB estimado em R$ 858,7 bilhões – conforme o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2000/2003–, São Paulo,
Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais possuem quase 4 mil emissoras e
retransmissoras de TV, 1,6 mil rádios comerciais e quase 900 comunitárias.
Em relação ao número de TVs a cabo, a região Sudeste concentra também mais da
metade das 298 operações existentes no Brasil. Conforme o gráfico abaixo, 55%
delas estão concentradas nos quatro estados:
A região com o menor PIB – R$ 77,4 bilhões – é também a que possui o menor
número de emissoras e operadoras em comunicação. O Norte do País é a menos
favorecida de todas as demais regiões. Com relação ao número de operadoras de TV
por MMDS, por exemplo, representa só 3% do total:
A ordem direta maior PIB-maior pluralidade encontra sua exceção quando se
analisa o fenômeno da radiodifusão comunitária. O Nordeste do Brasil possui uma
expressiva porcentagem na relação do quadro nacional. Compreendendo 845
emissoras, está apenas dois pontos percentuais atrás da região Sudeste. Veja o
gráfico:
Na lista de emissoras de rádio AM e FM com fins comerciais ou educativos, as
três maiores regiões do Brasil quase dividem os mesmos percentuais. Neste caso,
o Nordeste fica apenas três pontos percentuais atrás da região Sul,
compreendendo um total de 984 emissoras.
No caso da mídia impressa, a distribuição geográfica repete o fenômeno da
comunicação social eletrônica. Dos 2.993 jornais existentes no Brasil em 2003,
2.622 eram editados nas regiões Sul e Sudeste, ou seja, quase 90% do total.
Periodicidade | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 |
ACRE | ||||
Diário | 491 | 523 | 529 | 532 |
Semanal | 937 | 1.221 | 1.405 | 1.399 |
Quinzenal | 249 | 377 | 395 | 397 |
Mensal | 176 | 380 | 396 | 424 |
Bissemanal | 93 | 113 | 125 | 131 |
Trissemanal | 34 | 39 | 35 | 35 |
Outros | 31 | 108 | 86 | |
TOTAL | 1.980 | 2.684 | 2.994 | 3.004 |
Fonte: Site da Associação Nacional de Jornais com
dados da ABRE, ADJORI/SC, ADJORI/RS, ADI/RS e Mídia Dados
Graças a esta situação (e com o objetivo de mantê-la) o coronelismo
eletrônico tem sobrevivido com a aliança anti-republicana celebrada entre
concessionárias e os setores da burocracia encarregados de zelar pela
organização do espaço. De acordo com estudo feito pelo professor do Núcleo de
Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília, Venício de Lima, 10%
dos deputados federais da atual legislatura são controladores de empresas de
radiodifusão, o que contraria norma constitucional expressa [art. 54, inciso
II, ‘a’, da Constituição]
. Segundo o mesmo estudo, no ano de 2004, a Comissão da Câmara com atribuição
para examinar as outorgas e renovações do serviço era composta por 33 deputados.
Destes, nada menos que 15 figuravam na lista do Ministério das Comunicações como
concessionários de 26 emissoras de rádio e três canais de televisão. O próprio
ministro das Comunicações, Hélio Costa, não esconde que é proprietário de uma
rádio FM, em Minas Gerais.
Em 2001, um estudo do engenheiro Israel Bayma revelou que das 3.315
concessões de rádio e TV distribuídas pelo governo federal, 37,5% pertenciam a
políticos (deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos e vereadores)
filiados ao PFL, PMDB (17,5%), PPB (12,5%), PSDB (6,3%) e PDT (3,8%). Constatou
ainda que cinco governadores de Estado e 47 dos 513 deputados federais eram
oficialmente proprietários de emissoras de rádio e/ou TV. Em 2004, o
levantamento do Epcom revelou que essa influência também se estendia ao Senado
Federal, onde 38,3% dos senadores possuíam relação direta ou indireta com
veículos de comunicação. O percentual chegava a 58,8% do total de senadores do
PFL, 54,5% do PSDB, 50% do PPS, 39,1% do PMDB, 33,3% do PL, 33,3% do PSB, 33,3%
do PTB e 15,4% do PT.
Além disso, atualmente, todos os sistemas de comunicação social (TV aberta e
por assinatura, rádio, jornal, revista, internet, mídia exterior e cinema)
distribuídos pelos mercados regionais no País disputam o mesmo montante de
investimentos publicitários, cujo valor acumulado no ano passado, conforme o
Projeto Inter-Meios, foi de R$ 15,96 bilhões (veja o gráfico na página 5). Deste
total, cerca de 70% é destinado a um mesmo conglomerado de mídia e seus grupos
de comunicação afiliados e quase 60% é investido em campanhas publicitárias para
o meio televisão. Enquanto os jornais e revistas recebem juntos cerca de 25% do
bolo publicitário, o rádio fica com pouco mais de 4% e a internet com menos de
2%.
Fonte: Projeto Inter-Meios 2005
Neste quadro, fica fácil entender a ineficácia do princípio da
complementaridade entre os subsistemas público, comercial e estatal, também
previsto na Constituição, no artigo 223 (‘Compete ao Poder Executivo outorgar e
renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora
e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas
privado, público e estatal’).
Ocorre que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) e o
processo de digitalização de suas redes e equipamentos proporcionaram o
surgimento de uma série de novos serviços que estão competindo econômica e
culturalmente com a mídia tradicional. Seja por conta do aumento dos custos
fixos na aquisição de equipamentos e contratação de mão-de-obra qualificada ou
devido à concorrência pela renda do usuário, os sistemas de comunicação no
Brasil passarão por uma reestruturação de seus mercados que ocasionará uma
inevitável reacomodação de forças, impactando profundamente toda a cultura
brasileira nos próximos anos.
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