Depois de um ano sem jogar, Ronaldo Fenômeno voltou aos campos. Ainda está fora de forma, sem ritmo de jogo; é provável que tenha excesso de peso – ou pelo menos aparenta tê-lo.
Mas, entre outras críticas dos meios de comunicação, apontou-se um problema crucial: Ronaldo estava suado. Ronaldo e todos os outros jogadores, claro. Naquele calor intenso, até Pelé iria suar. Mas o suor de Ronaldo foi usado como argumento para provar aquilo que não precisa ser provado: que quem passa um ano sem exercer a profissão perde a prática e só irá recuperá-la com o tempo.
Na saída do campo, enquanto a torcida gritava o nome de Ronaldo, os jornalistas o cercaram e, por duas vezes, o machucaram: uma com um microfone no olho, outra com uma câmera na bochecha. Claro, o público queria ouvir a palavra do ídolo. Mas não poderia ter sido no vestiário, numa sala grande, sem bater nele? Por que o amontoamento, a agressividade? Este, aliás, é um problema recorrente no Brasil (e não se vê na Europa): foi aqui que, há muitos anos, um repórter feriu com o microfone os calejados lábios de Louis Armstrong, prejudicando seriamente sua capacidade de fazer o que sabia como ninguém, arrancar sons maravilhosos, únicos, de seu trompete.
Só isso? Não: na ânsia de prejudicar o presidente do Corinthians, clube de Ronaldo Fenômeno, um repórter se enfiou no baixo mundo do interior paulista para acusar nominalmente uma série de homens casados de relacionar-se com prostitutas. Isso não é jornalismo decente: é jornalismo marrom – aquele que o mestre Alberto Dines desmontou no Rio, quando dirigia o Diário da Noite e mostrou o submundo de chantagens e extorsões de jornais e revistas de escândalo.
A função dos meios de comunicação é cobrir a vida pública dos personagens das notícias e limitar-se a ela, exceto quando sua vida privada interfere no interesse público. Se há um escândalo público, é preciso acompanhá-lo; mas não deflagrá-lo. Se alguém tem amantes, ou é gay, ou gosta de praticar sexo com carneiros assados, o problema não é da imprensa. Tivemos políticos que, da janela, apontavam prostitutas para seus ajudantes de ordens e mandavam buscá-las; tivemos importantes enviados internacionais que informavam ser impossível passar uma noite sem companhia, e ninguém foi fuxicar sua vida. Há a história clássica de um líder esquerdista estrangeiro que conheceu a mulher de um banqueiro e tentou sair com ela, discretamente, da festa onde estavam – só que os batedores não sabiam que era preciso ser discreto e ligaram as motos ao mesmo tempo. Na festa, havia inimigos políticos do líder estrangeiro, todos sabiam da história e ninguém a contou, nem mesmo o corno. Tivemos um político que precisou sair de um prédio no porta-malas de um imenso automóvel Nash, porque não tinha nada que estar naquele prédio, naquela hora.
E, melhor que todas, um personagem que se tornou conhecido rapidamente em todo o país era apontado, por jornais, programas de rádio, mesas-redondas, como frequentador habitual de boates, sempre em companhia de belíssimas mulheres. Só que não era verdade: ligadíssimo à namorada, costumava passar todas as noites na casa dela, que se divertia ao ser informada pela imprensa das travessuras noturnas do cavalheiro que passara a noite a seu lado.
É para isso que o jornalista se prepara?
O novo O Dia
No domingo (8/3), O Dia, um dos ícones da imprensa carioca, passa a circular em formato tablóide, e volta a usar um de seus tradicionais símbolos: o logotipo amarelo-solar. A mudança, informa o colunista Aziz Ahmed, do Jornal do Commercio, foi sugerida por Jorge de Miranda Jordão, o lendário jornalista que comandou O Dia nos tempos de Ary Carvalho, e depois transformou o então decadente Diário Popular num dos jornais de maior circulação em São Paulo.
O amarelo tem história: Ary Carvalho, assistindo ao amanhecer no Arpoador, determinou que aquele amarelo do Sol nascente seria a cor do logotipo de O Dia. Depois da morte de Ary Carvalho, o amarelo foi abandonado, o jornal perdeu força e agora busca recuperar-se – com o amarelo, sua bela cor da sorte.
Cozinha econômica
Informa o The New York Times que, diante da crise, as revistas de gastronomia trocaram boa parte dos artigos sobre culinária requintada por dicas a respeito do aproveitamento de sobras. Excelente idéia – mas nem sempre. Há alguns anos, um jornal tradicional publicou, na primeira página de seu caderno do lar, o imortal título ‘O que fazer com as sobras de caviar’.
E o cidadão sem asas?
A Agência Nacional de Aviação Civil, ANAC, quer liberar os aeroportos de Santos Dumont, no centro do Rio, e Pampulha, no centro de Belo Horizonte, para um grande número de voos; os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e de Minas, Aécio Neves, protestam, ameaçam elevar impostos, ameaçam fechar os aeroportos. Por eles, é preferível utilizar os aeroportos maiores e mais distantes, Galeão e Confins, que querem privatizar (Rio) ou onde já fizeram investimentos pesados (Belo Horizonte). O ministro da Defesa é do mesmo PMDB que Cabral e já entrou na parada, a Aeronáutica não quer o Galeão privatizado porque ali tem uma importante base aérea – enfim, sabemos tudo da briga política.
E nós, consumidores de notícias? E nós, que compramos passagens e somos tratados descuidadamente nos aeroportos e prensados nos aviões? Os meios de comunicação não tratam do assunto: o passageiro simplesmente é ignorado no noticiário. Não se discute nem aquela promessa do ministro Nelson Jobim, ao assumir a Defesa, de obrigar as empresas aéreas a abrir espaço para as pernas dos passageiros-sardinhas. Isso foi esquecido. Para as empresas é bom que o noticiário esqueça os passageiros, para a ANAC também deve ser bom. E para os passageiros, que esperavam ter nos meios de comunicação algum tipo de apoio?
É bom para nós?
As empresas aéreas utilizam no Brasil o modelo hub, ou seja, transformaram alguns aeroportos em pontos geradores de tráfego para o restante do país. Com isso, levam vantagem os aeroportos maiores, situados mais longe das cidades; e levam desvantagem os passageiros, que têm de perder tempo em longos percursos, com trânsito pesado e riscos elevados em certas capitais para pegar os voos.
Governo x Tribuna
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, acabou com a discussão: determinou ao governo que indenize a Tribuna da Imprensa, soterrada pela censura, pelas perseguições, pela pressão sobre anunciantes de 1969 a 1979. Tão logo receba a indenização (o valor exato está sendo calculado), o jornalista Hélio Fernandes, diretor da Tribuna da Imprensa, pretende pagar os credores e restabelecer a circulação normal do jornal.
Sem rabo preso
Lembra do caso de Marcelo Lefevre, da publicação Pega pelo rabo, especializada em turfe? Teve uma divergência com o presidente do Jockey de São Paulo e acabou proibido de entrar no clube. Moveu ação contra o Jockey e ganhou: é proibido proibi-lo de frequentar o Jockey Club paulistano. Há outras ações correndo, mas aquela que interessava a esta coluna – o cerceamento da liberdade de um colunista, em virtude de suas opiniões – já terminou. E terminou com a derrota de quem queria censurá-lo.
Faltou dizer
O presidente Lula defendeu a estatização dos bancos em outros países, disse que a concessão de financiamentos públicos deve estar condicionada à manutenção de empregos, estimulou as centrais sindicais a pedir redução da jornada de trabalho exatamente no meio da crise, louvou o Brasil por não ter cedido à política de redução de gastos públicos.
Bem que os meios de comunicação poderiam ter lembrado uma frase antiga de Thomas Jefferson, um dos patriarcas dos Estados Unidos e seu terceiro presidente: ‘Um governo grande o suficiente para dar-lhe tudo o que você quiser é suficientemente grande para tomar-lhe tudo o que você tem’.
Ainda o handicap
O leitor Alfredo Spinola de Mello Netto, advogado, escreve para dizer que a palavra ‘handicap’ significa em inglês, a um só tempo, ‘vantagem’ e ‘desvantagem’. Cita o Webster eletrônico. Registrado.
Spinola se refere à entrevista que o ministro Tarso Genro concedeu ao jornal espanhol El País, na qual, ao usar termos em inglês, levou o entrevistador a concluir erradamente que considerava o apoio do presidente Lula ‘um obstáculo’ à candidatura de Dilma Rousseff. Só que, caro leitor, tanto o ministro Genro se expressou mal que o entrevistador entendeu mal o que ele pretendia dizer.
Como é…
Esse pessoal morto a tiros e que a polícia classifica como bandidos anda com um comportamento muito estranho para quem já não está entre nós. Veja dois títulos magníficos, ambos publicados em bons meios de comunicação. No primeiro, os falecidos desempenham atividades perigosas:
**
‘Polícia encontra mortos suspeitos de assassinar fotógrafo de O Dia‘Já no segundo, o falecido demonstrou grande placidez e serenidade:
**
‘Moradora diz que bandido morto não reagiu’E pensar que este colunista é do tempo em que, quando o morto se mexia, não ficava ninguém por perto!
…mesmo?
De um importante portal noticioso, sob a foto de um galpão destruído por uma tremenda explosão de gás:
**
‘Equipe de resgate trabalha no local onde houve uma suposta explosão de gás que matou seis pessoas e feriu sete na Rússia’‘Suposta’ explosão – não é uma delícia? Assim, como nos garantem os especialistas, a explosão não poderá nos processar.
E eu com isso?
Um estudo da ONU demonstrou que o Brasil é um dos países onde a internet banda larga é mais cara. E a qualidade, cá entre nós, ainda não é lá essas coisas. Mas mesmo assim, que diferença dos velhos tempos! Este colunista, tão jovem (pelo menos é o que disse minha tia de noventa e poucos anos, e ela tem a sabedoria da idade) já passou pela terrível fase telex. Nas viagens, a gente andava com um cartão de crédito especial para telex (no Brasil não era permitido ter cartão de crédito internacional) e ia ao Correio para gravar a matéria. Nem sempre chegava a tempo. Nem sempre chegava. Uma vez, a reportagem foi parar, sabe-se lá por que motivo, numa grande empresa perfuradora de poços artesianos. Eles, gentilmente, procuraram o jornal e mandaram a matéria inteira. Pena que só no dia seguinte, quando as notícias já estavam velhas. Lá, como nas empresas que se prezam, não havia expediente à noite, exatamente na hora em que a gente mandava as reportagens.
Hoje a coisa é maravilhosa – mesmo mais cara, mesmo com menos qualidade que nos outros países. Hoje, online, real time, ou outras expressões inglesas para dizer ‘na hora’, sabemos que:
**
‘Drew Barrymore é clicada chamegando seu cachorro’**
‘Gisele Bündchen toma caipirinha na Sapucaí’**
‘Amy Winehouse se diverte em passeio a cavalo no Caribe’**
‘Grazi e Cauã pedalam em orla carioca’**
‘Cameron Diaz sai de casa carregando o laptop’**
‘Cachorro de Obama deve chegar só em abril’**
‘Kate Moss é vista com look exausto depois de noite de festa em Londres’
O grande título
A disputa é feroz:
**
‘Zeca Pagodinho toma chope na praia da Barra da Tijuca’Justo ele, que não bebe e faz campanha em favor dos Alcoólicos Anônimos!
**
‘Gisele Bündchen é flagrada de biquíni em piscina’Está desmontado um dos mais persistentes mitos sobre a vida das modelos: a de que elas costumavam nadar, na piscina ou no mar, com apertados vestidos Kenzo e Chanel. Outro mito também caiu: o de que, na intimidade, em vez de biquínis as modelos usam cuecas samba-canção.
São grandes títulos. Mas há uma frase imbatível – não exatamente um título, e sim um pequeno texto. O pessoal da Segurança Pública de São Paulo, comentando um grande roubo de armas, informou que os bandidos mentiram para entrar no arsenal da Polícia.
Que gente horrorosa! Nem informou os guardas de que queria entrar só para roubar as armas!
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados