As imagens de abusos cometidos por soldados americanos contra prisioneiros iraquianos pareceu vir num rompante, como uma grande e histórica revelação da mídia. Não foi bem assim. Em maio de 2003, o New York Times já havia noticiado que duas dúzias de detidos reclamaram de maus tratos das tropas da coalizão. Em outubro, o Los Angeles Times noticiou as acusações contra dois marines de homicídio negligente de um prisioneiro, e seis outros soldados de agressões físicas. No mesmo mês, o Washington Post revelou acusações contra um comandante americano que disparou sua pistola próximo à cabeça de um detido. Surpreendentemente, em janeiro, a CNN reportou que, segundo um funcionário do Pentágono, ‘soldados americanos posaram para fotografias com prisioneiros iraquianos parcialmente despidos’ – e a reportagem não teve suíte, caindo inexplicavelmente no esquecimento. Além disso, várias organizações noticiosas disseram, em março, que seis soldados estavam sendo acusados de abuso e violência sexual de cerca de 20 detidos.
Por que nenhuma dessas reportagens recebeu o que estrategistas políticos chamam de ‘tração’? Segundo Howard Kurtz [The Washington Post, 10/5/04], não foram exibidas, nessas coberturas, as imagens horripilantes que apareceram no 60 Minutes II e, depois, no Washington Post. É difícil acreditar que essas práticas eram tão corriqueiras, enquanto a imprensa estava mais preocupada com as vítimas americanas.
Apenas 10 fotos
Apesar de ter mais de mil fotos tiradas por soldados americanos da rotina de abusos na prisão de Abu Ghraib, o Washington Post publicou apenas 10. O editor-executivo Leonard Downie Jr. afirmou que a seleção deve-se a informações incompletas sobre as imagens e a ‘dignidade daqueles [nus] nas fotos’. ‘Temos outras imagens de pessoas feridas e não sabemos o que são esses ferimentos. Não fazemos idéia se os machucados são resultado de abusos ou não, quem são as pessoas ou como foram feridas’.
Downie não quis dizer como ou quando obteve as fotos. Afirmou apenas que as publicou pela primeira vez no início da semana passada, em alguns casos apenas 24 horas após o jornal recebê-las. De acordo com Joe Strupp [Editor & Publisher, 11/5], Downie também elogiou a cooperação entre os jornais e revistas cobrindo o escândalo, como The New York Times e The New Yorker, por compartilhar imagens.
Agente da ativa
Além da dúvida se deve mostrar as fotos dos abusos no Iraque, a mídia também se vê dividida sobre o que mostrar. Prova disso é o intenso debate dentro da mídia, que acabou virando notícia junto com os próprios abusos. Alguns críticos têm acusado os meios de comunicação americanos de possuir uma agenda antiguerra e pôr em perigo as tropas da coalizão ao mostrar imagens tão chocantes.
Nos jornais, o local onde são dispostas reportagens e fotografias indica sua importância. Mas, devido à nudez e à humilhação exibidas nesse caso, muitos veículos optaram por pôr os artigos na capa, mas as fotos nas páginas internas. The Daily News e The New York Times foram exceção. No dia 10/5, saíram com uma imagem na primeira página, publicada pela primeira vez pela revista The New Yorker, de um prisioneiro iraquiano nu sendo ameaçado por cães do Exército. O Washington Post pôs a mesma foto na página 19 do primeiro caderno.
Na TV, a maioria das emissoras abertas e a cabo mostraram muitas das imagens. A Fox News Channel, de acordo com David Carr [The New York Times, 11/5], usa-as cada vez menos. Ao transmitir, muitas organizações noticiosas mancharam partes da imagem – em geral nudez – considerada intragável para muitos leitores e espectadores.
Inicialmente, o Washington Post decidiu colocar na capa a fotografia de uma soldada segurando um prisioneiro iraquiano por uma coleira. ‘Decidimos que a importância da notícia era o que mais se devia considerar’, disse Downie. ‘Agora, já publicamos tantas fotos chocantes que não há problemas em colocá-las dentro do jornal, e não na capa’. Bill Keller, editor-executivo do New York Times, disse que a imagem publicada na capa do jornalão ‘é nova e adiciona uma dimensão a uma grande história’. Já Bill Shine, produtor-executivo da Fox News, disse que não está mais dando destaque às últimas notícias do escândalo porque o público já entendeu o que aconteceu.