Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Show de bola do presidente

Que ninguém mais pergunte ao presidente Lula por que levou 28 meses para dar uma entrevista coletiva. É porque não precisava.

Numa coletiva, os repórteres trabalham juntos, raciocinam juntos, aproveitam ganchos deixados pela resposta anterior. Mesmo numa entrevista engessada como a de Lula, em que não havia direito a réplica, seria possível obter informações. Mas, com 178 repórteres presentes, 14 dos quais fazendo uma pergunta cada, não aconteceu nada disso: cada repórter levava sua própria pergunta, sem qualquer conexão com o que quer que estivesse sendo perguntado ou respondido.

Lula disse que Romero Jucá, alvo de pesadas denúncias, continuaria no cargo até a conclusão de uma investigação pelo Supremo Tribunal Federal (a propósito, o STF mudou de função? Agora faz investigações?) Nenhum repórter lhe lembrou que Fernando Collor sofreu impeachment, com o voto do PT e o apoio de Lula, sem ter sido condenado pela Justiça. Lula disse que o Unibanco reduziu os juros e desistiu da iniciativa por não ter ganho novos clientes (a propósito, o Unibanco desmente as duas informações). Ninguém lhe perguntou se já deu ordem ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, ambos controlados pelo governo, para cobrar o mínimo possível de seus clientes (e, se deu a ordem, não foi obedecido: no ranking dos juros baixos, o Banco do Brasil está em 32º lugar).

Se é para falar essas coisas, sem vê-las contestadas, é melhor ficar calado. Para que novas entrevistas coletivas?

Chama o Antoninho!

Por falar em mudança de funções, a imprensa noticiou que a prefeitura paulistana havia convidado o Banco Mundial a fazer uma auditoria da gestão anterior. Gente, o Banco Mundial pode até auditar a aplicação de seus empréstimos, pode verificar se uma administração tem condições de pedir financiamento, mas não pode ser contratado por um prefeito numa tentativa de desmoralizar sua antecessora. Quem faz auditoria é a Trevisan, é a KPMG, é a Andersen, empresas altamente especializadas. O Banco Mundial é outra coisa.

Olha o preconceito!

Preste atenção: quando alguém, no rádio do Sul-Sudeste, se refere ao presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, normalmente diz um debochado ‘Sé-vé-rino’. É preconceito, gente! Quem tiver algo contra o presidente da Câmara que abra fogo. Mas desfazer do sotaque nordestino não pode. E, se o principal argumento contra o deputado for sua origem, Severino está bem no filme.

Última flor…

Depois dizem que essa língua esquisita de MSN não deturpa cabeça de ninguém (é claro que deturpa: se você está acostumado a escrever uma palavra de determinada maneira, ou a lê-la freqüentemente, acabará considerando-a correta). Mas a nota brilhante está num portal oficial de internet, que transcreve um diálogo de Gilberto Dimenstein e Milton Jung na CBN. Veja a transcrição:

GD: ‘Já falei com pessoas do Governo passado, que negão isso aí (…)’

MJ: ‘Negão que tenham comprado (…)?

GD: ‘Não, negão o que vão falar agora (…)’

Pois é: na verdade, nenhum deles se refere a um crioulo grande. O ‘negão’ é o jeito que o responsável pela transcrição usa para escrever ‘negam’.

…do Lácio…

Esta é também de um portal da internet: na notícia sobre a demissão do técnico Péricles Chamusca, diz que, em quatro jogos contra um rival, o Goiás ‘conquistou duas derrotas e dois empates’. Não é curioso considerar que a derrota é também uma conquista?

…inculta…

No mesmo estilo, falou-se de uma cerimônia de comemoração da morte do papa João Paulo II. A rigor, a rigor, indo buscar as raízes etimológicas da língua, não está errado: ‘comemorar’ significa ‘lembrar junto’. Só que, com o passar dos anos e a evolução da língua portuguesa, ‘comemorar’ ganhou o sentido de ‘festejar’. Uma data triste se rememora, se relembra; uma data alegre se festeja, se comemora. Comemorar morte, nem se for de gente muito ruim, daquela que não tem conserto – ou, nesse caso, quem sabe não caberia uma exceção?

…e bela

Esta é bonita: numa manifestação ocorrida em Ajaccio, na Córsega, houve ‘dois córsegos’ feridos. Numa frase posterior, são ‘dois córsicos’. Certamente o redator queria dizer ‘dois corsos’.

De acordo com Sérgio Andrade, o Arapuã, humorista que fez enorme sucesso escrevendo na Última Hora paulista (e depois largou o jornalismo para fazer sucesso como publicitário), quem falava desse jeito era o então presidente da Federação Paulista de Futebol, João Mendonça Falcão. Diz Arapuã que Mendonça Falcão, quando comandou a delegação brasileira numa excursão à Europa, disse que o nosso jogo mais difícil seria ‘contra os belgicanos’.

Função

Parece incrível, mas está cheio, por aí, de gente que não lê o que sai nos outros jornais (e, com freqüência, não lê também o que sai no próprio). A notícia de que a Anhembi Turismo iria trocar de nome para SPTuris saiu no Maxpress, um excelente portal para jornalistas, numa quarta-feira (20/4). E foi publicada nos jornais da quinta da semana seguinte, com oito dias de atraso, como se fosse novidade.

Há muitos anos, um repórter de um grande veículo respondendo ao chefe que o criticava por não ter lido o jornal do dia, explicou:

‘Eu não sou pago para ler bobagem. Eu sou pago para escrever bobagem’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados