Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Só a verdade nos libertará

Algum jornalista foi pago para defender Daniel Dantas, ou para atacá-lo? Algum órgão de divulgação recebeu ou recebe favores para defender Daniel Dantas, ou para atacá-lo? A resposta é urgente: os inquéritos sobre o caso Opportunity indicam gastos de R$ 18 milhões, só em 2008, para subornar juízes, políticos e jornalistas (o dado foi fornecido pelo delegado Carlos Eduardo Magro, participante da Operação Satiagraha). Enquanto isso não for apurado – primeiro, se é verdade ou mentira; segundo, se o mesmo fato também ocorre com os adversários do banqueiro; terceiro, quem foram os subornados – todos ficarão sob suspeita. E nenhuma instituição pode funcionar sob suspeita permanente.

Nas investigações do delegado Protógenes Queiroz, houve coisas inaceitáveis: por exemplo, confundir uma repórter que deu um furo de reportagem (e absolutamente correto, como se soube mais tarde) com alguém a serviço de um dos lados é uma tremenda impropriedade. Confundir um repórter escalado para acompanhar um suspeito com alguém a seu serviço é também uma impropriedade. Mas às vezes acontece: quando alguém está muito próximo de uma fonte, relações incorretas tendem a ocorrer.

Como, durante muitos anos, a impunidade foi a regra, os envolvidos em escândalos nunca tomaram muitas precauções (houve gente que ia pessoalmente ao banco buscar a mesada, ou enviava parentes próximos; houve gente que combinava os pagamentos por telefone, correndo o risco do monitoramento). Isso facilita uma investigação bem-feita, capaz de responder às questões aqui propostas. E a busca da verdade não precisa ficar a cargo exclusivamente da Polícia: é uma boa hora para o jornalismo investigativo tentar se antecipar aos inquéritos policiais e reviver a boa prática dos furos de reportagem, contando quem é quem no Brasil.

Mas não sejamos ingênuos: o jornalismo investigativo, por melhor que seja, não terá condições de apontar empresas de comunicação que eventualmente tenham tido comportamento irregular e recebido benefícios, muitas vezes mascarado como publicidade. Há coisas que só as autoridades podem fazer. Mas, mesmo nesses casos, os jornalistas podem manter-se alertas, acompanhando as investigações oficiais, cobrando resultados e mantendo uma postura crítica – por exemplo, ninguém é culpado só porque alguma pessoa, num telefonema gravado, citou seu nome.

É difícil trabalhar quando todos são suspeitos e os que receberam se protegem por trás do corporativismo.



Pequenas guerras

É importante, também, ressaltar que muitos jornalistas precisam não apenas de autocontrole, mas também do acompanhamento crítico de outros jornalistas que conheçam seus afetos e desafetos. Porque esta é uma ocasião de ouro para descontar velhas pinimbas e colocar no pelourinho seus inimigos jurados. Quem já foi demitido de um veículo de comunicação precisa de muita força interior – ou de gente que mostre aos leitores, em outros veículos, o que está acontecendo – para resistir à tentação de jogá-lo às feras, juntamente com os ex-colegas responsáveis pela demissão.



Como se faz?

Uma empresa importadora de carros de luxo informa, em anúncios de página inteira, que recebeu recursos subsidiados do governo brasileiro e está vendendo com juros ainda menores do que antes.

O caso já foi narrado aqui: a empresa vendia seus carros (e isso constava em destaque nos anúncios) com juro zero – exatamente, 0% ao mês. Agora, está cobrando 0,99% ao mês. Todos os meios de comunicação têm uma ampla seção automobilística: ninguém vai perguntar a essa empresa como é que consegue fazer com que 0,99% ao mês sejam mais baixos do que 0%?



O dólar bom

Primeiro, toda a imprensa se preocupava com a baixa do dólar. Se caísse abaixo de R$ 2,30, os exportadores quebrariam. Depois, houve a barreira dos R$ 2,00. Abaixo de R$ 2,00, jamais! No fim, o dólar se estabilizou entre R$ 1,60 e R$ 1,70, e a imprensa reclamava. O Banco Central gastou muito comprando dólares para, segundo a imprensa informava, segurar a queda.

Agora o dólar subiu e está a R$ 2,40 (ou algo parecido, porque se mexe a cada momento). E a imprensa reclama que o dólar está alto, que vai repercutir na inflação, que o preço dos insumos agrícolas vai jogar o preço das commodities para cima e dificultar as exportações, essas coisas. O Banco Central, segundo a imprensa, já gastou US$ 50 bilhões, agora para tentar segurar a alta.

Este colunista entende o suficiente de economia para saber que, se o dólar baixo é ruim, é bom que suba um pouco. Mas, se o dólar baixo é ruim, se o dólar alto é ruim, que é que se propõe? Que o Brasil passe a negociar internacionalmente com aquela moeda do Mercosul?



Apareça lá em casa

Em sua primeira conversa por telefone, o presidente Lula convidou o presidente eleito americano, Barack Obama, a visitar o Brasil. Obama, protocolarmente, disse que teria o maior prazer em vir. Resultado: todos os meios de comunicação informaram que Obama tinha aceito o convite para vir ao Brasil. Parecia até que só faltava decidir o roteiro.

Na verdade, foi como aquela conversa com um conhecido que não se vê há muito tempo: ‘Apareça lá em casa!’ Ele concorda, claro. Mas, se aparecer de verdade, vai provocar uma tremenda surpresa.



Lá e cá

E falavam dos jornais soviéticos, tadinhos! Só porque, a cada mudança nos humores do poder, o Pravda e o Izvestia modificavam as fotos antigas, tirando gente que tinha deixado de ser conveniente. E falam dos jornais e revistas brasileiros, que também falsificam fotos, mas em geral para ocultar imperfeições femininas.

Pois isso acontece também na França: o tradicionalíssimo Le Figaro apagou um belíssimo anel de ouro e brilhantes da ministra da Justiça, Rachida Dati. Pelo que dizem, o anel custa algo como R$ 50 mil – e a ministra se apresenta como oriunda de família pobre. Como o dono do Figaro é Serge Dassault, dono também de boa parte da indústria bélica francesa (e que, portanto, precisa manter boas relações com o poder), o anel foi extirpado. Le Figaro assumiu a modificação da foto: ‘Não queríamos provocar polêmica em torno deste anel’.

Quem desmontou a farsa foi a revista L´Express, que publicou a foto original, com anel e tudo. E o jornal Liberation bateu duro: ‘Pravda, o retorno’.



Como…

Trechos extraídos de um pedido de entrevista encaminhado ao diretor de uma empresa estatal:

** ‘As obras que liga (…) ao (…) ira deixar os trens mais vazios?

** ‘Quanto relacionado ao publico um dos resultados é a insatisfação o que o senhor tem a dizer sobre a insatisfação do público quanto ao valor da passagem e aos transportes tão lotados?

** ‘O que o (…) tem haver com esses problemas?

** ‘Qual o grande acontecido? O que esta acontecendo para tudo isso acontecer?’



…é…

Tirado de um jornal dos grandes:

** ‘Homem ataca namorada com sanduíche nos EUA’



…mesmo?

De um importante portal de notícias:

** ‘Angelina Jolie confessa que amamenta gêmeos ao mesmo tempo’

Terá sido habilmente interrogada antes de fazer essa confissão?



E eu com isso?

No salão de beleza, são assuntos imbatíveis. São temas democráticos: você pode conversar sobre eles com qualquer pessoa, seja qual for seu nível de instrução ou renda. No ônibus, no metrô, no táxi, pode puxar conversa: todo mundo está a par. Mãos à obra, pois! Informemo-nos!

** ‘KLB estréia quadro em programa da Record’

** ‘Camila Pitanga leva filha ao médico no Rio’

** ‘Lavínia Vlasak faz compras para filho no Rio’

** ‘Preta Gil viaja para encomendar alianças de casamento’

** ‘Príncipe William flagrado fazendo xixi na cerca em jogo de pólo’



O grande título

Títulos bons de verdade, poucos; mas bem interessantes. Comecemos com Sarah Palin, que perdeu as eleições mas continua nas manchetes:

** ‘Sarah Palin comete gafe com peru em entrevista’

Dá para explicar: nas vésperas do Dia de Ação de Graças, em que é hábito americano servir peru na ceia, muitas autoridades chamam a imprensa e ‘indultam’ o peru, salvando-o da panela. Sarah Palin fez isso – só que, enquanto dava a entrevista em que comunicava o indulto, algum idiota aparecia às suas costas cortando o pescoço do bicho. Só não disseram se o peru abatido era o mesmo que seria indultado.

E agora o grande título:

** ‘Obama promete dar prioridade à redução da emissão de gases’

Quanto os propagandistas de Luftal não pagariam por um merchandising como este?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados