Elio Gaspari costuma dizer que, nas redações, a notícia chega devagarzinho, abre a porta de leve, põe a cabeça para dentro e entra correndo para esconder-se. Se alguém a notar, será imediatamente chutada para fora.
E, se a notícia for boa, suas chances de sobrevivência são ainda menores. Notícia que o pessoal gosta é corrupção, é escândalo, é miséria, é tudo aquilo que deu errado. Nas ocasiões em que o Brasil dá certo, aí não é notícia (e não vale nem a regra de que boa notícia é o inusitado). Lugar de notícia boa é a cesta do lixo.
Jundiaí, no interior de São Paulo, atingiu 100% no fornecimento de água tratada e chegou muito perto disso no tratamento de esgotos (só não atingiu 100% por um problema judicial). Notícias? Só nos jornais da região, e olhe lá. A capital de São Paulo, onde o programa de água e esgotos caminha bem mas ainda está longe da universalização, ignorou o tema. O Brasil, onde água tratada e esgoto são coisas de gente rica, preferiu investigar se tem ministro comendo tapioca com cartão corporativo (tema que até vale investigação, mas não pode substituir outros assuntos de importância, que se referem à vida e à morte dos cidadãos).
São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, é um exemplo ainda mais claro de que as boas notícias são desprezadas pelos meios de comunicação. De acordo com os números da respeitadíssima Fundação Seade, o índice de mortalidade infantil de São Caetano é o menor do país; equipara-se aos da Bélgica e do Japão, quatro mortes por mil nascimentos. É índice que ocorre no Primeiro Mundo.
A derrubada dos índices de mortalidade infantil não ocorre, em lugar nenhum, apenas pela boa atenção à saúde: exige tempo, trabalho coordenado, que envolve planejamento, engenharia (tratamento de esgotos e água), meio ambiente (plantio de árvores, limpeza de rios e córregos), coleta de lixo, de preferência seletiva, assistência social (há em São Caetano um programa tipo bolsa-família, mais completo que o federal, mantido com recursos municipais), aleitamento materno, cuidados com as gestantes, educação em sentido amplo, higiene, empregos. E envolve, o que é raro, continuidade administrativa: não é porque um prefeito é adversário do antecessor que deve abandonar seus planos. O atual prefeito, José Auricchio, reeleito com 70% dos votos, tem na oposição boa parte do grupo político de seu antecessor. E daí? Neste processo todo, a cidade de 150 mil habitantes atingiu o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. E, fora da região do Grande ABC, o fato foi olimpicamente ignorado pelos meios de comunicação.
Dizem que Ribeirão Preto vai muito bem na área social (mas como encontrar dados, se não há reportagens?) E, o que aparece às vezes na TV (mas rarissimamente na imprensa escrita), a cidade se transformou em área de tecnologia de ponta no uso do raio laser em auxílio a transplantes. Há belas experiências de sustentabilidade ambiental no Rio Grande do Sul, há o hospital de referência no tratamento de câncer de Barretos, há as experiências em Campinas da Unicamp em energia alternativa e cirurgia para diabetes, há excelentes pesquisas em Campina Grande, na Paraíba, há um belo trabalho da Embrapa e da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, há a agricultura irrigada de ótima qualidade no semi-árido nordestino. E quem sabe, por ter sido informado pelos meios de comunicação, que as hélices dos geradores de vento da Europa são, em grande parte, fabricadas no Brasil?
Vale matéria? De vez em quando, a TV mostra, em horários alternativos, em programas especializados, alguns aspectos dessas experiências positivas. De muita coisa este colunista tomou conhecimento ao integrar o júri do último Prêmio Esso de Jornalismo, com belíssimas matérias nos jornais da região sobre os bons fatos que também ocorrem.
Vale matéria? Deveria valer. Mas, além da volúpia por más notícias, há um problema extra, que assusta pauteiros e repórteres: o medo da patrulha. Fazer matéria a favor pode dar a impressão de que há alguma coisa esquisita além da reportagem. Mas é preciso vencer também este preconceito – ou ficaremos restritos ao noticiário policial fingindo que é cobertura política.
A exceção
É raro, mas às vezes acontece. O Globo fez uma série de reportagens sobre a nova vida das favelas cariocas em que a PM desalojou traficantes e milicianos, restituindo aos cidadãos o direito e ir e vir. Belíssimas matérias, matérias comoventes: a volta de moradores que haviam sido expulsos pelo crime organizado, o fim das restrições que impediam o acesso dos cidadãos a certas áreas, o medo que ainda persiste (ninguém quer se identificar, ninguém quer falar sobre vantagens e desvantagens da ocupação policial). É uma boa leitura. A série Democracia nas Favelas está em aqui.
Globo x Record
A guerra entre Record e Globo é feia: está claro que, além da notícia dos processos contra a Igreja Universal do Reino de Deus, a Globo bate na concorrente, que está longe dela em termos de Ibope mas que tem mostrado fôlego para crescer. E está claro que a Record bate na Globo não apenas para atingir a concorrente maior, mas também para transformar a guerra das tevês na notícia em foco.
A guerra entre Record e Globo é ótima: abre campo para que cada rede aponte seus holofotes para o que considera falhas éticas da concorrente, trazendo ao conhecimento público aquilo que, antes, era sabido por poucos. Com a guerra, cresce a transparência, e aparece claramente o recado, para os empresários do ramo, de que as escorregadas legais de hoje podem ser notícia amanhã. Melhor uma boa briga do que uma cooperação que mine a concorrência entre ambas.
Não é demais lembrar que foi uma guerra deste tipo, nos anos 1960, movida pelos Diários e Emissoras Associados, que levou a Rede Globo a desistir de sua associação com o Grupo Time-Life e a procurar crescer como grupo nacional.
Velhos tempos
Brigas de imprensa, aliás, não são coisas novas – embora tenham andado em desuso por muito tempo. Alberto Dines, no Diário da Noite do Rio, liderou memorável campanha contra a imprensa marrom, jornais e revistas que se dedicavam à busca de escândalos e descambavam para a chantagem pura e simples. A Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, manteve longa guerra contra a Última Hora, de Samuel Wainer. Dois grandes jornalistas, uma luta a ser lembrada. Uma briga bem mais antiga, da família Mesquita contra o grupo A Gazeta, manteve o nome de Casper Líbero, por muitos e muitos anos, fora do Estadão.
Como em todos os setores de atividade, a concorrência faz bem à imprensa. E, como a imprensa lida com opinião, é normal que essa concorrência se transforme em luta campal. Mesmo assim, continua sendo saudável.
O sucesso de Políbio
A divulgação na íntegra do inquérito sobre desvio de recursos no Detran gaúcho tem nome e sobrenome: Políbio Braga. Durante um ano, o inquérito correu em sigilo. Recentemente, os procuradores que comandaram a investigação deram entrevista coletiva para comunicar que haviam entrado com ação civil pública, mas seguraram os detalhes, por causa do sigilo judiciário. A OAB divulgou 40 páginas, que segundo informou não seriam sigilosas. Polibio Braga, em seu blog, escancarou tudo: publicou todo o processo de mais de mil páginas. Quem quiser acompanhar o caso, veja aqui.
Dizem que, certa vez, um político procurou o então deputado Tancredo Neves para contar-lhe um caso, mas pediu segredo. Tancredo recusou: ‘Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, como é que pede a mim que o guarde?’
É o caso: se os responsáveis pela manutenção do sigilo não conseguiram guardá-lo, não peçam a um jornalista de verdade que o faça. Parabéns, Políbio Braga!
Gente fina 1
A acusação é grave e inusitada: o apresentador de programas policiais Wallace Souza, também deputado, é investigado pela polícia amazonense sob a suspeita de ordenar homicídios para poder noticiá-los com exclusividade. O chefe da Inteligência da polícia amazonense, Thomaz Vasconcelos, disse que, além dos homicídios, há outros dois crimes sob investigação: narcotráfico e formação de quadrilha. O advogado de Souza, Francisco Baleeiro, diz que as acusações são falsas, criadas pelos inimigos políticos do deputado.
Sejam ou não verdadeiras, as acusações são as mais graves já feitas a um jornalista no país. Não que a ‘criação de notícias’ seja algo inédito: em certas áreas, é comum que uma autoridade dê uma informação a um jornalista, que a divulga, e com base na notícia publicada a autoridade inicia um processo contra alguém. Já houve jornalistas que simularam entrevistas com bandidos, fazendo perguntas extremamente agressivas, só que enxertadas posteriormente.
Mas nunca se falou em assassínio. É um caso cuja investigação precisa ser minuciosa e amplamente divulgada; talvez até entregue a investigadores de fora da região, para evitar a possibilidade de envolvimento político nas denúncias. O que não pode é um caso como este ficar restrito a uma área geográfica, com tão pouca cobertura da imprensa nacional.
Gente fina 2
Do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, sobre o colunista Roberto Pompeu de Toledo, de Veja: ‘Ele é mentiroso e salafrário. Venho obrando, obrando, obrando em sua cabeça, para que alguma graxa possa melhorar seus neurônios’. Collor diz que, quando era presidente, Pompeu de Toledo ofereceu a um ministro do Supremo a capa de Veja para que o condenasse. Pompeu de Toledo nega a acusação e lembra que nunca teve o poder de decidir a capa da revista.
OK, Collor tem o direito de fazer acusações, tem o direito de pedir que as acusações sejam apuradas. Mas, ao dizer o que disse, como o disse, está sendo mal-educado; e fere o decoro não apenas parlamentar, mas qualquer tipo de decoro. Quem irá pedir à Comissão de Ética do Senado que analise o caso?
Jornalismo e publicidade
Um caso a debater: o New York Times demitiu Ben Stein, seu colunista de negócios, por ter gravado um comercial da Freescore, empresa de serviços financeiros. De acordo com o jornal, Stein violou seu código de ética, que proíbe os funcionários de participar de anúncios. Stein alega que, além de colunista do NYT, da Fox News, do Yahoo!, da CBS e CNBC, tem uma carreira paralela de ator, e foi nessa condição que aceitou gravar o comercial.
É uma questão interessante a debater: até que ponto o anúncio, ou o merchandising, deve ser proibido aos jornalistas? E um locutor de rádio, quando empresta sua voz a um comercial, estará na mesma situação de um jornalista que faça um anúncio? E uma matéria já publicada, pode ilustrar um comercial? Neste caso, o jornal pode ganhar e o jornalista que fez a matéria não pode?
Obrigatório
Humberto Werneck, jornalista de texto brilhante e caráter impecável, dono de humor corrosivo (embora seja falso dizer que escova os dentes no Instituto Butantã: isso quem faz é outro jornalista, Fernando Portela), lança no dia 25/8, às 18h30, seu novo livro, O Pai dos Burros, na Livraria Cultura da Avenida Paulista. É um dicionário, mas um dicionário especial, como todos os livros de Werneck: seus verbetes são expressões que, de tão repetidas, perderam o sentido, como ‘abraçar uma causa’, ou ‘a escola da vida’. São anotações de quase 40 anos de trabalho, desde os tempos do bom e velho Jornal da Tarde. É livro para ler com calma e ter em casa.
Um grande livro
O atraso é grande: o livro foi lançado em outubro do ano passado e ficou na estante durante alguns meses. Só agora este colunista terminou a leitura. E não deveria ter deixado passar este tempo. Suicídio, de Paula Fontenelle (Geração Editorial), é um livro excepcional, de qualidade rara. Não é leve, não faz concessões: é uma paulada, um texto que dói. Mas não se pode deixar de lê-lo.
Paula Fontenelle, jornalista, foi levada a escrever este livro pelo suicídio de seu pai. Mergulhou no passado, tentando entender por que alguém coloca fim à própria vida. Buscou com outras pessoas experiências semelhantes. Foi difícil: mergulhar nas próprias raízes é uma experiência angustiante. Enquanto escrevia, teve de fazer um tratamento para depressão. Pensou em parar, mas insistiu. Doeu nela, como vai doer em quem o ler. Mas é uma dor necessária. Vale enfrentá-la.
Como…
De um grande portal de notícias:
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‘Sarney e Virgílio são gêmeos xipófagos, a diferença é o bigode, diz peemedebista Wellington Salgado’O senador é dono de universidade. Deve ter dito ‘xifópagos’, aqueles irmãos que têm o corpo unido pelo peito. ‘Xipófago’ é quem come xipó.
…é…
De uma rádio noticiosa das mais importantes:
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‘Libertado o cineasta Pedro Buarque de Hollanda, filho do compositor Chico Buarque de Hollanda’.Tudo estaria correto, inclusive a notícia, se não fosse um detalhe: Chico tem três filhas e nenhum filho. De qualquer forma, Pedro e Chico são parentes.
…mesmo?
De um portal noticioso ligado a um grande grupo jornalístico:
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‘Mortes causadas pelo mau tempo no nordeste asiático já matou mais de 50 pessoas’Devem ser mortes extremamente mortais.
E um extra
De uma grande revista:
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‘(…) o que de certa forma isolou seu maior crítico, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que queria uma sansão’.Aliás, queria mais: uma sansão e dois dalilas.
E eu com isso?
Poucos devem lembrar-se da coluna original, publicada em jornais e revistas: ‘Acredite se Quiser’, de Frank Ripley (que virou uma série de TV, estrelada por Jack Halley). Mas hoje temos notícias que caberiam perfeitamente no formato original de Ripley. Veja os títulos e acredite se quiser!
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‘Porco é acusado de `roubo´ de diamante de R$ 3 mil’**
‘Peixe cai do céu e destrói parabrisas de carro de americana’**
‘Burros se casam para acalmar deuses da chuva’**
‘Ladrão usa cartão de vítima e assina o próprio nome’E temos também aquelas notícias que não podem passar em branco:
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‘Urso é flagrado vagando pelos arredores de Los Angeles’**
‘Keanu Reeves surge barbudo nas ruas de Hollywood’**
‘Antonio Banderas passeia de moto com a filha’
O grande título
A concorrência é grande. Temos de tudo: do título tipo obra aberta, que permite imaginar o final, até aqueles que despertam a malícia em cérebros mais depravados.
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‘Excesso de química pode deixar atriz’É como novela: escolha o final!
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‘Ex-ator Mark Lester acredita ser pai da filha de Michael Jackson’Paris Jackson será filha de Michael Jackson com Mark Lester?
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‘Murer se conforma com estigma da `atleta que perdeu a vara´’Não, não sejam maliciosos: a notícia é sobre a nossa grande Fabiana Murer, que teve problemas numa competição porque algum idiota guardou sua vara de salto em lugar incerto e não sabido.
E, agora, o grande título:
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‘Sob críticas, Brasil estreita elo com Peru’Como disse um brilhante jornalista, entre os mais lidos colaboradores deste Observatório, ele não quer estreitar elo com Peru nenhum.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados