Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Todos iguais, alguns mais iguais

Um juiz de Direito ganha mal, considerando-se suas responsabilidades. Um juiz de Direito ganha bem, considerando-se a média de salários do país. Este colunista acha que um juiz deveria ganhar muito mais do que ganha hoje: com a carga de trabalho que suporta, a tensão sempre presente de decidir quem fica solto e quem fica preso, os estudos permanentes que são parte de sua profissão, a multiplicidade de assuntos que é obrigado a enfrentar e compreender para que possa decidi-los, os riscos a que está sujeito (temos juízes que, em regiões de crime organizado, têm de dormir no escritório e viver sob vigilância constante), não pode, não deve, ficar sujeito às questões financeiras domésticas. Não se espera dele que administre o cheque especial: espera-se que ministre a Justiça.

Mas que ganhe bem de maneira transparente. Certas coisas custam caro, não aliviam a situação dos magistrados e, embora os meios de comunicação sempre procurem tratar determinados assuntos com a máxima delicadeza – afinal de contas, quem os julga são os juízes – pegam mal para a opinião pública. Aquela frota de bons carros estacionados em frente ao antigo Hotel Hilton, por tantos anos o mais luxuoso de São Paulo e hoje destinado à Magistratura, não chega a ser algo republicano: tem mais a ver com a nomenklatura do que com qualquer outro valor. E para que servem esses carros? A família do juiz pode usá-los para levar as crianças à escola, para fazer compras, para viajar nos fins de semana? Não, não podem: servem apenas para levar os magistrados e trazê-los – duas viagens por dia, casa-tribunal, nada que bons táxis de luxo não pudessem fazer tão bem ou melhor, sem a ostentação das frotas, com custo muito mais baixo.

Os magistrados têm direito a almoço – e ali, no antigo Hilton, o restaurante fica no último andar, com vista privilegiada. À tarde, há o famoso lanchinho, muito bem servido, cuidado por firmas especializadas, supervisionadas por dois magistrados, escolhidos por seus pares. A imprensa se mantém num perfil convenientemente baixo – alguém já leu alguma reportagem sobre o lanche da Magistratura? Nem jornais, nem revistas, nem TV, nem rádio, nem internet. Silêncio, apenas.

Haverá necessidade, caro colega, de auxílio-alimentação para os magistrados? Pois o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acaba de aprová-lo. Saíram notícias a esse respeito, notícias discretíssimas. E a explicação é ótima: o Ministério Público já dispõe desse tipo de regalia, logo os juízes também devem tê-lo, já que a Constituição lhes garante os mesmos direitos concedidos ao Ministério Público.

Dúvida pertinente: a Lei Orgânica do MP prevê esses direitos. Mas, do mesmo modo como houve movimentação para estendê-los aos juízes, não poderia havê-la para reduzir os penduricalhos nos vencimentos da outra categoria?

Poderia, claro. Mas dá trabalho. E a recompensa de um trabalho bem sucedido desse tipo vai para o público em geral, para o país, para o Tesouro. Já trabalhar pela extensão das mordomias tem, em caso de êxito, um sabor mais agradável.

 

A dança dos números

Houve época em que a Folha de S.Paulo inovou, usando critérios técnicos para avaliar multidões. Com base em fotos e medições, sabia-se com grande precisão quantas pessoas estiveram em determinadas manifestações.

Hoje mudou: na Marcha para Jesus, que lotou várias avenidas e praças de São Paulo no dia de Corpus Christi, a Folha diz que o número de fiéis “ficou entre 1 milhão e 5 milhões, de acordo com estimativas”.

É uma variação, de acordo com a estimativa, de 80 a 400%.

 

Os limites da internet

A história circulava há muitos anos, mas sempre como fofoca: como o hoje governador de Pernambuco, Eduardo Campos, tem certa semelhança com o compositor Chico Buarque de Holanda, comentava-se que seria filho dele. Como a história nunca foi publicada, era tratada como lenda urbana. Havia até, imagina-se, quem acreditasse nela.

Mas agora a coisa esquentou: um site editado em Taquaritinga do Norte, Pernambuco, publicou a fofoca como se fosse comprovadamente verdadeira. E a mãe de Eduardo Campos, a deputada federal Ana Arraes, do PSB pernambucano, reagiu duro: desmentiu a história, confirmou que Campos é filho dela e de seu falecido marido, o escritor Maximiano Campos, e deu queixa à polícia. Três dos responsáveis pelo site, segundo a polícia, já foram identificados, mas sua identidade não foi revelada. O advogado Antônio Campos, filho de Ana Arraes e irmão de Eduardo Campos, levanta a possibilidade de processá-los por calúnia, injúria e difamação. O Google foi notificado para retirar do ar as referências ao caso. Chico Buarque não quis comentar a notícia. Segundo sua assessoria, não deu importância ao caso, considerando-o “uma piada de internet”.

É um acontecimento importante: “território livre da internet” não significa que na web se possa escrever qualquer coisa, sem qualquer embasamento, apenas pelo prazer de ferir outra pessoa. Como em qualquer meio de comunicação, quem relata um fato deve estar em condições de responsabilizar-se por ele.

 

Requinte

A nota do site pernambucano traz uma referência cruzada: é assinada por Jarbinhas d’Adelaide. “Jarbinhas” é uma referência ao senador Jarbas Vasconcelos, do PMDB, adversário político de Campos; e “d'’delaide” lembra Julinho da Adelaide, pseudônimo que Chico Buarque adotou quando o regime militar decidiu censurar todas as suas composições.

 

Por falar em liberdade

O juiz Régis Bonvicino, da 1ª Vara Cível de Pinheiros, em São Paulo, concedeu direito de resposta a um grupo de ateus contra o apresentador José Luiz Datena e a Rede Bandeirantes, onde trabalhava na época (hoje, está na Rede Record). Datena costumava referir-se a criminosos como “pessoas sem Deus no coração”, ou “gente que não acredita em Deus”.

O juiz Bonvicino, que foi jornalista (e dos bons), que é poeta de ótima reputação, é um defensor permanente da liberdade de imprensa. Mas não concorda com discriminações. Em sua sentença, lembra ateus que “deram contribuição inestimável à Humanidade”: Voltaire, Galileu Galilei, Charles Chaplin, Albert Einstein, entre outros. Cita Thomas Edison: “E o próprio inventor da lâmpada elétrica, sem o qual o imprudente apresentador não teria existência”.

 

O crack em foco

A foto de um cavalheiro de terno e gravata comprando e usando crack é tema de um grande debate na Folha de S.Paulo: leitores e a ombudsman Suzana Singer protestam contra a foto, a Secretaria de Redação diz que não é porque o craqueiro está de gravata que será privilegiado com o sumiço de sua imagem (ver, neste Observatório, “Alguém como nós na Cracolândia”).

Todos têm razão – até porque a questão foi colocada de modo errado. Entre as maneiras de encarar o consumo da droga, alguns o consideram um problema de saúde – ou seja, o viciado tem de receber tratamento, não punições; outros o consideram um problema policial – ou seja, não pode uma única transação comercial ser considerada ilegal para quem vende e legal para quem compra. O viciado, no caso, seria tão criminoso quanto o vendedor, já que um não existe sem o outro e ambos participam da mesma transação comercial.

Ambas as teses têm defensores com bons argumentos, mas não é este o debate, agora. O fato é que a Folha, em editorial, tomou posição: o consumo de droga é um problema de saúde pública. O jornal não deveria, portanto, publicar a foto do consumidor de maneira a que ele pudesse ser identificado (por que não apagar seu rosto, por exemplo?). Da mesma forma, o jornal não publicaria a foto de uma vítima do vírus Ebola, ou de um portador de mal de Hansen avançado. E o argumento de que o craqueiro engravatado não deve merecer privilégios é, no caso, invertido: errado é identificar os craqueiros mal vestidos, já que estes, de acordo com a opinião do jornal, são tão vítimas quanto o engravatado.

 

O Rei em Jerusalém

No show que apresentará em Jerusalém no dia 7 de setembro, Roberto Carlos receberá uma homenagem especial: o lançamento mundial do livro Rei, a maior pesquisa fotográfica já feita sobre ele. É a primeira obra sobre um cantor e compositor em formato de livro de arte, 34×49 cm, em papel especial de alto luxo, com 600 páginas, mais de 35 quilos e preço acima de R$ 5 mil. Veja algumas das imagens aqui.

 

O grande Lacerda

A opinião deste colunista é, certamente, influenciada por uma amizade de mais de 40 anos com o editor e apresentador do programa, Marco Lacerda. Então, que venha a opinião de gente neutra: o jornalista Lucas Mendes, no Manhattan Connection, da Globonews, apontou o programa FrenteVerso, da rádio Inconfidência 100,9 FM, de Belo Horizonte, como o melhor na área de entrevistas do rádio brasileiro. Lucas Mendes acha que FrenteVerso deveria ir para a TV.

O programa é apresentado aos domingos, às 21h, pela rádio e pela internet. Os entrevistados são ótimos; e o entrevistador Marcos Lacerda é um dos melhores da imprensa brasileira.

 

Alô, amigos!

Tem gente que não entende o mundo longe dos holofotes. O general De Gaulle, herói de guerra, conseguiu passar oito anos longe da política, até que foram buscá-lo para mais uma vez salvar a França (o que fez com grande competência). Mas nem todos são o general De Gaulle.

O ex-governador paulista José Serra tem espaço para falar: é muito bem-visto nos meios de comunicação. Mas, derrotado pela segunda vez na disputa pela Presidência, empurrado para um canto do PSDB nacional pelo governador mineiro Aécio Neves, desidratado ao máximo no PSDB paulista pelo governador Geraldo Alckmin, sem ter ainda decidido o que fará no futuro, Serra não tem o que dizer. Mas, já que a imprensa lhe dá espaço, vai falando. De tudo!

Há dias, cobrou do presidente do Palmeiras, Arnaldo Tirone, a permanência no time do atacante Kleber. OK, torcedor gosta de opinar. A última opinião de Serra sobre o Palmeiras, quando era ministro da Saúde, foi recomendar a demissão de Luís Felipe Scolari (que foi campeão, foi vice, depois passou a treinar a Seleção brasileira e ganhou o Campeonato do Mundo). Estava errado, claro; e ainda tomou uma resposta devastadora de Felipão, que lhe disse, claramente, que cuidasse de sua área, a Saúde, que continuava mal das pernas.

E na política? Na política, diz Serra, a respeito da semana de Corpus Christi e do Dia de São João: “Este feriado prolongado e o período das festas juninas nos lembram que estamos patinando num setor da economia para o qual, sem trocadilho, somos naturalmente talhados: o turismo”.

Alguém poderia informar a este colunista a qual trocadilho Serra se refere?

 

Livro quente

Atenção para Operação Hurricane, de Carreira Alvim, da Geração Editorial: o autor, desembargador preso em 2007 pela Polícia Federal, com transmissão direta pela TV, apesar do “sigilo de Justiça”, abre fogo contra gente importante e revela bastidores dos tribunais brasileiros. Segundo conta, foi punido por crimes que não cometeu, conforme comprovaram as investigações; mas sua carreira já tinha sido prejudicada e sua imagem destruída. Ele conta quem e por que o transformou em alvo. Divulga todos os nomes. É um livro polêmico, narra coisas de assustar. Já nas livrarias.

 

A música e o voto

Lembre, mesmo que você não seja daquele tempo: “Varre, varre, vassourinha (…)”. Ou, mais recente, “Lula-lá, brilha uma estrela (…)” Ou, simples e grudenta, daquelas que até adversários se surpreendem de repente ao perceber-se cantando: “O Sol nasceu pra todos e também para você/ Vote em Quércia, vote em Quércia/ PMDB (…)”

Está tudo no livro Jingles eleitorais e marketing político, de Carlos Manhanelli. Lançamento dia 2/7, 18h30, na Livraria Cultura da Avenida Paulista, em São Paulo (SP).

 

Pega os livro do nóis vem!

Pois é: gastou-se tempo malhando o livro do Ministério da Educação a respeito da gramática cumpanhêra, e quem malhou está caprichando nos seus, digamos, “encinamentos”. Esta é de um grande jornal, tradicionalíssimo:

** “(…) um mini-tornado derrubou a tenda de banho e a arremeçou 20 metros do local de apoio.”

Caprichado, né? Não se deram nem ao trabalho de “arremeçar” “a 20 metros”, ou, pior, “há 20 metros”. Não: “arremeçaram 20 metros”.

Há outra, também de um grande jornal nacional, dos mais tradicionais. Num texto da editoria econômica, aparece um “estudo fiscal” que não faz sentido. Mas, se mudarmos para “escudo fiscal”, não é que dá para entender?

 

Como…

De um grande jornal:

** “Sob Dilma, Advocacia-Geral mantém anistia a crimes de tortura.”

Só que a Advocacia-Geral não tem poder para manter ou mudar coisa nenhuma. Nem com Dilma, nem com Lula, nem com Fernando Henrique. Não faz leis.

 

…é…

De um grande portal noticioso:

** “(…) transmite ao vivo debate sobre homofobia cordial nesta terça-feira.”

Alguém poderia explicar o que é “homofobia cordial”? Seria, talvez, mandar prender os homossexuais, mas recebê-los gentilmente na porta da cela?

 

…mesmo?

Veja como um portal noticioso identifica seu personagem:

** “Filho do cantor do Biquíni Cavadão está entre vítimas”

 

Comunicação

É um button – um meio de comunicação, sem dúvida. Mas procura ao máximo não comunicar. No meio, na horizontal, está escrito “Trans”. Na borda redonda, “Pela despatologização das identidades”.

Como a frase circunda o button, é difícil lê-la. Mas não faz diferença: quando alguém a lê, consegue traduzi-la?

 

Mundo, mundo

Uma história fantástica (especialmente como é narrada pela imprensa):

** “Em Cajazeiras, na Paraíba, o estudante José Iarley Lopes de Souza matou (…) o estudante Renato Souza de Oliveira, de 20 anos. Ele tirou uma faca da mochila e enfiou no amigo. Os dois já tinham sido amigos, mas iniciaram uma desavença porque Renato começou a namorar com uma ex-namorada de José Iarley.”

Dúvida: ainda eram amigos, conforme a frase “tirou uma faca da mochila e enfiou no amigo”, ou “já tinham sido amigos”, conforme a frase seguinte?

O segundo parágrafo da notícia é bem Brasil:

** “O agressor foi ouvido pela polícia e liberado, pois não houve flagrante.”

O sujeito mata outro por ciúme, confessa e é liberado pois não houve flagrante? E se quiser matar mais alguém, por ter colaborado com o namoro do outro?

 

E eu com isso?

A sentença do juiz Régis Bonvicino, na nota “Por falar em liberdade”, cita Thomas Edison, o criador da lâmpada elétrica. Sem Edison, as notícias que virão em seguida nem seriam possíveis. Já imaginou alguém se dando ao trabalho, sem eletricidade, de contar que o príncipe Williams fez aniversário e não tirou folga do serviço? Mas Edison existiu – ainda bem. E podemos saber o que ocorre no mundo das celebridades, dos famosos, dos fashionables. Vamos lá:

** “Sonia Braga diz que usa sabonete na falta de xampu”

** “Sylvester Stallone estaciona carro de luxo e compra relógio”

Imaginemos: se ele não estacionasse o carro, como faria para escolher e receber o relógio? Um drive-through de Patek Philippe?

** “Daniel de Oliveira faz tratamento contra flacidez facial”

** “Heidi Klum posa de topless para capa de revista”

** “Betty Gofman passeia com as filhas gêmeas no Rio”

** “Lady Gaga faz compras em Tóquio”

** “Kelly Key escorrega em piscina e cancela shows, diz jornal”

** “Com raio-X do bumbum, Kim Kardashian prova que não tem silicone”

** “Katy Perry está ruiva”

** “Veado invade igreja e causa correria entre fiéis”

Não, nada a ver com algum debate atual no Brasil. Aconteceu nos Estados Unidos. Ninguém se feriu, mas os lustres da igreja provavelmente terão de ser substituídos.

 

O grande título

O primeiro título é duplo: bom mesmo é combinar os dois. Aconteceu há dias, quando uma jovem foi ao banheiro de uma casa noturna e acusou o segurança de tê-la estuprado. A gerente tentou contemporizar, mas não deu certo. O primeiro título:

** “Gerente relativiza estupro e boate de SP demite empresa de segurança”

Aí alguém percebeu que a gerente tinha feito uma bobagem (e outro alguém talvez tenha percebido que “relativizar estupro” é uma expressão pra lá de rebarbativa). Aí veio a correção:

** “Boate de SP dispensa empresa de segurança após caso de estupro”

O título supremo vem agora:

** “Grupo (…) propõe ressignificação da relação do homem com o seu entorno”

Deve ter algum significado.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]