Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um contra o outro, ambos contra o espectador

A briga de veículos de comunicação é saudável: é a oportunidade de mostrar aqueles fatos que normalmente ficam escondidos por debaixo dos panos. Mas há um equilíbrio que precisa ser mantido: a briga, por si só, pode ser interessantíssima para as empresas envolvidas, pode ser vital para elas, mas o consumidor de notícias e de entretenimento não tem nada com isso. Aqueles cidadãos e cidadãs que o sábio Octavio Frias de Oliveira chamava de ‘Sua Excelência, o leitor’ são esquecidos, enquanto os protagonistas da briga se esmeram em chateá-los.

E o duelo Globo vs. Record está chatíssimo. Não se trata de discutir quem tem razão, mas a incessante insistência em notícias que já foram inúmeras vezes ao ar. Informações novas, sem dúvida; acompanhar o caso, claro. Mas não abusar da disponibilidade de tempo e de paciência do telespectador; pois repetir histórias apenas para manter o episódio em evidência é um desrespeito ao cliente.

E há novidades, tantos dias depois das primeiras notícias? Há – embora, às vezes, as novidades só sejam novas para nós, brasileiros. A Record acaba de dar uma bela tacada na disputa com a Globo: comprou os direitos do documentário Muito além do Cidadão Kane (Beyond Citizen Kane), cujo título remete ao clássico Cidadão Kane, filme de Orson Welles que retrata um barão das comunicações muito semelhante a William Randolph Hearst, lendário por seu poder, que no final do século 19 e início do século 20 foi dono de 28 jornais e 18 revistas nos Estados Unidos. Hearst levou para a Califórnia um castelo europeu, pedra por pedra, para nele morar com a namorada, a estrela de cinema Marion Davies (estava separado da esposa, mas ela não lhe dava o divórcio). Ele e seu concorrente Joseph Pulitzer provocaram uma guerra dos Estados Unidos com a Espanha, que culminou com a expulsão dos espanhóis de Cuba, Porto Rico e Filipinas.

Mas voltemos ao documentário da Record, que retrata o empresário Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo, como símbolo da concentração da propriedade dos veículos de comunicação no Brasil. Em 1993, Beyond Citizen Kane foi exibido pela primeira vez na Inglaterra, no Channel 4. Segundo seu produtor, John Ellis, a Record já havia tentado comprar o filme, mas desistiu por problemas jurídicos: ali há muitas cenas exibidas pela Globo, e outra emissora só poderia divulgá-las com autorização. Mas, de qualquer forma, o filme pode ser preparado para exibição: há nele depoimentos do hoje presidente Lula (na época, candidato derrotado à Presidência da República), do senador Antônio Carlos Magalhães, de Chico Buarque de Hollanda. Chico Buarque diz que, no Brasil, nada se fazia sem consultar Roberto Marinho. É obra para ser vista, mesmo tanto tempo depois.

 

O sim e o não

O produtor John Ellis, que vendeu o filme à Record, é crítico do envolvimento de uma rede de TV com uma igreja, no caso a Universal. Mas aí caberá à Globo buscá-lo para gravar entrevista sobre o tema.

 

Censura na moda

Estadão? Sim, censurado pela Justiça, a pedido da família Sarney. E já há outro jornal, também do Maranhão, também a pedido da família Sarney, sob censura imposta por um juiz. Agora é o Jornal Pequeno, tradicional veículo da oposição maranhense, dirigido por Lourival Bogéa, obrigado a retirar de sua versão eletrônica uma reportagem de 8 de março sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. O jornal sofre ainda processo por danos morais movido pelo filho do ex-presidente, Fernando Sarney; Teresa Murad Sarney, sua esposa, irmã de Jorge Murad, casado com a governadora Roseana Sarney; e sua filha, Ana Clara Murad Sarney. Bogéa alega que apenas repercutiu o relatório do Ministério Público e que o jornal está sofrendo uma tentativa de intimidação.

Sem entrar no mérito do caso específico, a Constituição proíbe censura prévia. Cada jornal deve publicar o que considerar conveniente e enfrentar as consequências, se houver. Mas proibir a divulgação de notícias é censura. Isso não vai contra a Constituição?

 

Os rumos do preconceito

Uma coisa espantosa está acontecendo, com a omissão (e, às vezes, conivência) dos meios de comunicação: continua-se discutindo, ano após ano, a opção sexual do jogador são-paulino Richarlysson, como se isso tivesse alguma importância para seu futebol (que, a propósito é bom, de muito empenho e técnica acima da média). É claro que, conforme a opção do craque, ele se transformará em alvo de gozação das torcidas adversárias, mas isso faz parte do jogo. E Armando Marques foi durante muitos anos uma referência entre os juízes de futebol ouvindo zombarias a cada partida que apitava. O problema é a imprensa estimular o preconceito, ora fazendo trocadilhos com o nome do jogador, ora abrindo espaço a leitores, especialmente na internet, para que manifestem opiniões discriminatórias.

Fechar o espaço para a discriminação não é censura, não: é a mesma coisa que impedir palavrões, insultos, agressões verbais, palavras de ordem racistas. A manifestação dos leitores deve ser livre, mas também educada, civilizada, responsável. Críticas a opções sexuais, tudo bem – desde que dentro da urbanidade, evitando incitações e pretextos para agressão. Questão de nível.

Chega, gente! Se o rapaz joga bem, pode gostar de mulheres ou fazer sexo com ovelhas assadas que ninguém tem nada com isso. Se prefere homens, ótimo para quem tem outra opção: é um homem a menos e uma mulher a mais na praça. Se prefere passar o tempo fazendo palavras cruzadas, desdenhando do sexo, problema dele – e só dele.

No meio do futebol, comenta-se, há fartura de opções sexuais. Houve um caso famoso nos bastidores, em que um bom meia-atacante foi flagrado no vestiário executando com um ponta-esquerda bem menos talentoso aquilo que torcedores mais fanáticos costumam gritar quando o adversário é vencido. E daí? Daí, nada.

E há os coleguinhas que nunca se cansam de louvar, admirados e talvez desejosos, determinada qualidades de certos jogadores, que nos vestiários podem ser vistas sem maiores problemas. Foi assim que um craque famoso ganhou o apelido de Chulapa; e foi assim que um repórter de jornal e TV, feliz e sôfrego com sua descoberta, tentou aplicar o mesmo apelido em outro jogador bem menos famoso, mas sem êxito. Como quase diria O Sombra, imortal herói dos quadrinhos, quem sabe as ânsias que se escondem nos corações humanos?

 

A raiz da impunidade

Há nove anos, completados no último dia 20, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves matou, segundo seu próprio relato, a também jornalista Sandra Gomide, sua ex-namorada. Pimenta se apresentou, confessou, entregou a arma do crime, foi julgado e condenado. E continua solto até hoje.

Está solto porque é rico? Não: Pimenta ganhou bem durante toda a sua vida profissional, mas sempre viveu de salário. Está longe de ser rico. Será então a decisão do Supremo Tribunal Federal, de só encarcerar uma pessoa depois de condenada em última instância? Também não, embora ele esteja livre por aguardar julgamento de recursos.

Na verdade, o problema é outro, e os meios de comunicação têm deixado essa questão de lado. A Justiça funciona pouco tempo, com muitos feriados, muitas férias. Um juiz manda citar alguém, a citação demora uns 90 dias. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, também presidente do Conselho Nacional de Justiça, diz que a morosidade do Judiciário ajuda a desmoralizar a presunção de inocência (pela qual o réu só é preso depois de definitivamente condenado) e o instituto do direito de defesa (coloca-se no ‘excesso de recursos’ a culpa da demora da Justiça no julgamento dos acusados). Mendes lembra outro caso: o assassínio dos fiscais do trabalho em Unaí, Minas Gerais, em 2004. Até hoje os acusados não foram sequer levados a júri.

Quantos dias por ano funciona a Justiça? Poucos. Nas cidades do interior, este número é ainda menor: mesmo em cidades grandes e desenvolvidas, em estados ricos, há rodízio informal nas sextas-feiras, com um só juiz cuidando de várias Varas. Os advogados cansam de reclamar – mas que fazer quando um juiz chega às três da tarde e vai embora às cinco?

Vale matéria. É melhor do que ficar apenas xingando os réus que estão soltos.

 

Livro dos bons

Roberto Hirao reúne todas as qualidades: é bom jornalista, experiente, tranquilo, de ampla cultura e caráter a toda prova. Está no jornalismo desde os tempos em que notícia era notícia, comentário era comentário, rumor era rumor e anúncio era anúncio – sem mistura. Foi, por um bom tempo, ombudsman da Folha da Tarde, de São Paulo. E é de seus tempos de ombudsman que tirou o livro 70 Lições de Jornalismo, que lança no sábado, 29, às 11 da manhã, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.

Tudo o que Roberto Hirao escreve é para ser sorvido com prazer. O livro, que teve tempo de lapidar, tem tudo para ser ainda melhor. Para jornalistas, para estudantes de jornalismo, para quem gosta de um bom texto, artigo cada vez mais raro.

 

Como…

Da Folha de S.Paulo de 11/8, dando a data de uma foto de arquivo do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus: 27.set.09

 

…é…

Do Diário de S. Paulo de 12/8, com a data de uma foto de Mariana Ximenes e Pedro Buarque de Hollanda: 08-09-2009

É a imprensa, enfim, fotografando o futuro.

 

…mesmo?

De um importante jornal regional:

** ‘Juíza manda que hospitais operem 1,3 mil’

Ah, essas frases que não couberam na tela!

 

E eu com isso?

Não reclame: há certas notícias que talvez não tenham lá muita importância, mas são de leitura muito mais agradável do que o discurso do senador Mercadante de quinta ou de sexta, tanto faz, embora um diga o contrário do outro.

** ‘Parque britânico proíbe levantar braços em montanha-russa após queixas de mau cheiro’

** ‘Alessandra Negrini leva a filha e seu cachorrinho a pet-shop’

** ‘Julia Roberts circula de cara fechada pelas ruas de Nova York’

** ‘Ângela Vieira se protege da chuva no Rio de Janeiro’

** ‘Justin Timberlake joga golf na Califórnia’

** ‘Raimunda consegue autorização para mudar nome para Mariana’

O pior do nome que a moça trocou, ao contrário do que parece, não é a gozação. O pior é que fazem sempre a mesma piada.

 

O grande título

Há coisas caprichadíssimas; algumas, dependendo da maldade de mentes maliciosas, podem até sugerir significados outros.

De um grande portal de notícias:

** ‘`Day after´ mostrará que Senado segue murcho’

Com uma crise dessas, Suas Excelências, muitas delas em idade avançada, se cansam, desanimam. Devem estar meditabundos e cabisbaixos.

De todos os jornais e portais, transcrevendo declaração do presidente de um grande clube:

** ‘Vamos para o pau com tudo porque somos assim’

E nem é o clube em que você está pensando.

O melhor título (e, no duelo com o título anterior, ganhou por uma fração) é internacional:

** ‘Fotógrafa ensina ratos a posarem com instrumentos musicais’

Esses gringos não sabem de nada. Nossos ratos são capazes de posar de patriotas. São capazes até de produzir atos secretos.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação