A Constituição de 1988, a Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães, veda expressamente a censura prévia aos meios de comunicação. Mas já quebraram o galho em um ou outro setor: há quem interfira nos horários da programação da TV, por exemplo, ou quem se recuse a liberar um processo público solicitado pela imprensa. Agora alcançamos um novo patamar de falta de liberdade: no Ceará da família Gomes, Cid e Ciro, a Assembléia acaba de aprovar por unanimidade um projeto do PT que cria um Conselho Estadual de Comunicação Social, para ‘orientar, fiscalizar, monitorar e produzir relatórios’ sobre a imprensa local. É a versão estadual do Confecom, aquela série de medidas restritivas à liberdade de expressão que a turma do ‘sim, senhor’ não conseguiu implantar.
A Secretaria da Verdade Absoluta do Ceará, caso o projeto da Assembléia seja aprovado pelo governador Cid Gomes, será subordinada à Casa Civil do governo do estado. A ela caberá ‘orientar e fiscalizar’ os meios de comunicação – aquilo que pessoas mais toscas, menos requintadas, chamariam de ‘censurar’.
E que não se coloque a culpa no PT: todos os partidos representados na Assembléia cearense se reuniram para combater a liberdade de expressão. O petista Nelson Martins, líder do governo, foi o mais veemente: ‘Temos uma cultura de denuncismo. Isso não é culpa do profissional, mas dos donos das empresas de comunicação’. Mas todos os nobres parlamentares concordaram com ele.
Questão de família
Os Gomes, que hoje controlam o Ceará, foram durante mais de um século os senhores da cidade de Sobral. Expandiram-se para todo o estado durante o período de domínio do ‘coronel’ Tasso Jereissati, o ‘galeguinho dos zóio azul’, que se aliou a Ciro Gomes – e não estiveram muito longe de levar Ciro à presidência da República e crescer pelo país. Hoje, romperam com o padrinho Tasso Jereissati e conseguiram derrotá-lo em sua tentativa de se reeleger senador. O poderoso padrinho já não é padrinho nem tão poderoso.
A família Gomes tem motivos para não gostar da imprensa. Foram os meios de comunicação, por exemplo, que noticiaram o ‘tour da sogra’, em que o governador e família, inclusive a mãe da esposa, foram de jatinho particular para Nova York, e lá fizeram longas viagens de compras em limusine alugada. Essa mania dos meios de comunicação de querer saber quem paga a conta é irritante!
Talvez por isso o Ceará seja o pioneiro na tentativa de calar a imprensa. E é na Justiça cearense que a primeira batalha irá se travar.
Errando os nomes
Há alguns anos, o repórter Ricardo Kotscho, num bilhete a amigos, escreveu deliberadamente errado o nome de um determinado jornalista. Quando o corrigiram, explicou: ‘É que eu nunca vi o nome dele assinando uma matéria’.
O que mais incomoda nessa tentativa de calar a imprensa, para os jornalistas que fazem jornalismo, é ler o nome dos mais ferozes adversários da liberdade de expressão. É raríssimo encontrá-los assinando matérias.
O repórter da resistência
Guarde este nome: Paulo Beringhs, da TV Brasil Central de Goiânia. Beringhs é um excelente jornalista, apresentador de muita força, uma referência importante no cenário televisivo de Goiás. Este colunista o conhece há muitos anos, da época em que ambos tinham mais cabelo, e nunca soube de nada que o desabonasse. O problema começou quando o governador Cidinho Rodrigues, do PP, que foi vice de Marconi Perillo e se elegeu com seu apoio, mudou de lado nessas eleições, e passou a apoiar Iris Rezende. Como governador, Cidinho comanda a Agecom, que controla a TV Brasil Central. Beringhs, como sempre fez, manteve a postura jornalística: convidou os dois candidatos ao governo, Perillo e Iris Rezende, para entrevistas separadas, com tempos iguais. Perillo aceitou, Íris refugou. Beringhs recebeu ordens, então, para suspender a entrevista de Perillo. E, como não podia descumpri-las, preferiu revelar que estava sendo censurado e pedir demissão no ar, ao vivo.
Veja a cena completa (o que inclui a inesquecível cara de tacho do chefe de Beringhs, negando o que não tinha como negar) no blog de Marcelo Tas.
Gre-Nal
Qual a diferença entre um torcedor do Grêmio e do Internacional? Tirando a paixão, nenhuma: um torcedor do Grêmio poderia perfeitamente torcer pelo Internacional, sem que nenhuma regra fosse violada. Torcedores dos dois times podem ser negros, brancos, mulatos, católicos, ateus, protestantes, altos, baixos, gordos, magros, descendentes de europeus, descendentes de povos indígenas, ricos, pobres, heterossexuais, homossexuais, homens, mulheres, crianças. Isso não impede que briguem em campo e fora dele. E, em todo o país, torcidas podem brigar, podem até matar, sem que se possa apontar – fora a paixão – as inconciliáveis diferenças entre elas.
Campanha eleitoral pode ser assim – como esta, em que é difícil apontar as diferenças entre uma e outra candidatura. O problema é quando boa parte da imprensa entra na mesma guerra. O episódio do ‘bem na careca’, quando algo foi atirado na cabeça de José Serra, deixou a imprensa muito mal com seu público.
Parte da imprensa bateu bumbo, tão logo o episódio aconteceu, com a violência dos manifestantes petistas (que ocorreu) e o arremesso de um objeto, que depois se apurou ser uma bolinha de papel, na cabeça de Serra. Logo depois, outra parte da imprensa bateu o seu bumbo, acusando Serra de simular um trauma para se fazer de vítima. Até parecia que tinham razão: a bolinha bate na cabeça de Serra, ele nem se preocupa, continua andando normalmente. Quando recebe um telefonema, imediatamente leva as mãos à cabeça, com expressão de dor, e vai apressado para um hospital, onde faz tomografia. Como escreveu um tuiteiro, com muito humor, ‘Serra é a primeira pessoa a ser avisada por telefone de que está com dor de cabeça’.
Só que uma parte da informação havia sido sonegada: a de que outro objeto, bem mais pesado, tinha sido atirado na cabeça de Serra, levando-o à expressão de dor. Quem transmitiu a informação incompleta foi, no mínimo, afoito. E quem reagiu à divulgação do filme completo, com os dois arremessos no alvo, ou está irritado por ter sido desmentido publicamente ou tinha posição firmada em favor de um dos lados da questão.
Como diria a candidata Dilma, ‘no que se refere’ à tomografia, este colunista acha que foi um exagero. Mas voltemos ao calor dos fatos: um candidato aparece no hospital depois de levar uma pancada na cabeça, com objeto ignorado. Para o médico, é muito mais seguro ir ao limite de sua capacidade técnica: é melhor pecar pelo exagero do que pela falta. E se ele diagnostica que não houve nada e, pouco depois, o candidato sofre um desmaio – ainda mais Serra, reconhecido hipocondríaco?
História esquisita
A imprensa noticiou o fato como se fosse um caso comum, um evento de rotina: a Rota, Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a letal unidade de combate da PM paulista, comemorou 40 anos homenageando um seleto grupo de pessoas e empresas. Todos receberam o título ‘Amigo da Rota’, pelas ‘contribuições dadas ao grupo’. Entre os homenageados, quatro cervejarias: Ambev (Brahma, Antarctica e Skol), Schincariol (Nova Schin, Devassa), Femsa (Kaiser) e Heineken.
Ninguém da imprensa perguntou, por incrível que pareça, quais as ‘contribuições dadas’ à Rota pelas cervejarias. Refrigerantes com certeza não são; nem cerveja. Primeiro, porque não ficaria bem; segundo, porque homenagear doadores de cerveja é vulgarizar demais a homenagem. Dinheiro, talvez? Equipamentos? O governo paulista, o mais rico do país, terá necessidade de colaboração de empresas cervejeiras para equipar sua polícia?
Admitindo que a contribuição fosse de dinheiro ou equipamentos, estaria registrada? Onde? E o possível conflito de interesses? Pelo menos uma dessas empresas já foi invadida pela polícia, que cercou a casa do proprietário, de madrugada, e ameaçou derrubar as portas com bombas. Depois de considerar que a empresa é ‘amiga da Rota’, haverá clima para investigá-la, se necessário, ou para invadi-la, cumprindo ordens judiciais?
Há muito a explicar nesse caso – a menos que aceitemos como boa a explicação de um jornalista, segundo a qual, sem a maciça produção, propaganda e venda de álcool, o mercado de trabalho do policial seria bem menor.
Galhardamente
Alberto Gallardo, um dos 33 mineiros que há poucos dias foram retirados do fundo da terra, depois de mais de dois meses, está emocionadíssimo: soube que sua esposa está grávida de cinco semanas de seu primeiro filho.
Como é mesmo? Um médico, amicíssimo da família, explicou-lhe que o espermatozóide é muito resistente, sobrevive por muito tempo e, na primeira oportunidade que se lhe apresenta, fecunda o óvulo. Gallardo acreditou. E ainda disse aos jornalistas que ‘é um espermatozóide guerreiro, um sobrevivente como o pai’.
E, para quem acha que todo jornalista é malvado, a imprensa chilena se limitou a registrar o fato, sem comentários.
Como é mesmo?
De um grande jornal, referindo-se à pretensão (rejeitada) do São Paulo de mudar o horário do jogo contra o Ceará das 16 para as 18h30, por causa do calor:
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‘O clube pediu para mudar o horário da partida, passando das 16 horas (15 horas no local, já que o Ceará não tem horário de verão) para as 18h30 (17h30 no horário local)’.Só que, se o Ceará não tem horário de verão, 18h30 lá são 18h30 mesmo. Pura questão de lógica.
Mundo, mundo…
Do jornal Rolling Stone, de Uganda (não tem qualquer ligação com a revista americana, nem com a publicação brasileira), depois de publicar uma lista de cem pessoas apontadas como homossexuais e uma faixa amarela com a palavra ‘Enforquem-nos!’: ‘Nosso objetivo’, diz o editor do jornal, Gilles Muahme, ‘é expor gays e lésbicas, para que as autoridades possam prendê-los’. Em Uganda, o homossexualismo é crime e pode acarretar pena de morte.
Pior ainda, com a colaboração de parte da imprensa.
…vasto mundo
O ministro do Interior da França, Brice Hortefeux, cometeu um equívoco num debate transmitido pela TV e pelo rádio: ‘Existem dois arquivos maiores: o arquivo de impressões genéticas e o arquivo de impressões genitais’. Pelo jeito, queria dizer ‘impressões digitais’.
Os políticos franceses, aliás, andam meio descuidados. Há poucos dias, a ex-ministra da Justiça, Rachida Dati, em entrevista à TV, falando sobre fundos de investimentos estrangeiros, usou a expressão ‘felação quase nula’. Queria referir-se à inflação.
E eu com isso?
Os famosos também têm manias; também têm contratempos; também enfrentam problemas com a imprensa, como se famosos não fossem. Pode parecer incrível, mas são gente como a gente. Ou, nesse primeiro título abaixo, dispõem no mínimo de fundos mais abundantes.
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‘Mulher Melancia se recusa a colocar bumbum no seguro’**
‘Hillary Duff conta que seu dente caiu no dia do casamento’**
‘Taís Araújo e Lázaro Ramos passeiam agarradinhos no Leblon’**
‘Katy Perry contrata 13 carros para convidados conhecerem pontos turísticos da Índia’**
‘Depois de gravar programa vestida de aranha, Fernanda Lima surge de galinha’**
‘Silvia Furmanovich lança série de anéis ‘porco espinho’’**
‘Carolina Ferraz é fotogradada com novo corte de cabelo’Só uma pessoa muito conhecida pode ser fotogradada, em vez de fotografada.
Mas os não-famosos têm mais problemas:
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‘Casal de foragidos chama polícia para separar briga e acaba preso em Minas’**
‘Mulher nega sexo e marido tenta anular casamento no interior de SP’
O grande título
Dois títulos seguem o estilo clássico: como não cabiam, foram enfiados na marra e acabaram deixando muito de fora.
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‘Filipino é visto levando cão de em scooter’(O título inteiro, que consta das páginas internas, é ‘Filipino é visto levando cão de estimação em scooter’.)
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‘Americano é preso ato sexual com égua’O sujeito foi preso, o caso foi divulgado, ainda por cima com título errado. E o maior problema ele terá quando deixar a cadeia: égua fica viciada. E, quando encontra casualmente seu grande amor, vai-se encostando e levando-o para o barranco mais próximo.
Mas o grande título desta semana é político, do Diário de S.Paulo. No mesmo dia, saiu uma pesquisa altamente desfavorável a José Serra, e ele levou aquela pancada na careca. Manchete do jornal:
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‘Serra toma na cabeça’Mais preciso, impossível.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados