Na sua apaixonada defesa do Opus Dei (O Globo, 21/22, pág. 7), o jornalista Ali Kamel esqueceu de explicar por que razão o seu jornal publicava semanalmente, ao longo de alguns meses, os artigos de Carlos Alberto di Franco, o porta-voz do Opus Dei sobre assuntos de mídia e crítico da imprensa do Estado de S.Paulo.
Publicava mas deixou de publicar: a reação da redação foi intensa e a direção recuou. E fez bem em recuar. O espírito conciliador e tolerante de Roberto Marinho felizmente prevaleceu. O Globo tem em seus quadros profissionais verdadeiramente credenciados para discutir o desempenho da mídia brasileira. Inclusive o próprio Ali Kamel, que freqüentemente desempenha o papel de media-watcher com a acuidade que lhe é habitual.
Os artigos midiáticos de Di Franco deixaram de ser semanais e passaram a ser publicados apenas uma vez por mês, sempre sincronizados com o do jornalão paulista que não esconde suas preferências pela teologia midiática do Opus Dei.
Mesmo assim ainda não ficou claro por que um jornal do porte do Globo insiste em colocar na sua nobilíssima página de opinião, e pontificando sobre a atividade-fim da empresa que edita o jornal, um – digamos –consultor que jamais pisou numa redação, alheio à práxis e aos desafios que surgem cotidianamente.
Ali Kamel passou ao largo do episódio que, ao menos para este Observador, evidencia a força do Opus Dei junto ao establishment jornalístico brasileiro.
Palavras esclarecedoras
Sincero e cândido como sempre, Ali Kamel não conseguiu disfarçar a reprimenda pública que passava nos colegas do semanário Época, agora sob nova direção. Como se sabe, em ousada reportagem de capa, Época (nº 400, de 16/1/06) revelou em entrevista com o próprio di Franco o relacionamento do Opus Dei com a mídia brasileira. O atrasado pito atende ao chamado ‘publico interno’ que viu na matéria de capa do semanário uma rebeldia ao centralismo que deveria prevalecer no grupo.
É curioso que Kamel animou-se a sair em defesa do Opus Dei no exato momento em que a prelazia começa a organizar uma reação mundial ao filme O Código Da Vinci, que deve estrear em maio nos EUA [ver aqui uma nota sobre o assunto].
Enquanto guardião de uma doutrina religiosa, o Opus Dei tem todo o direito de espernear contra o que considera mitos difundidos por Dan Brown em seu best-seller. Mas enquanto zeloso e qualificado defensor do jornalismo responsável, Ali Kamel fica devendo à sua legião de leitores e admiradores algumas palavras esclarecedoras não apenas no tocante às questões ‘domésticas’ relativas ao Opus Dei, como também à estranha e antiga preferência da ANJ (Associação Nacional dos Jornais) pelos diferentes braços midiáticos da Obra.