A notícia de que o procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, determinou a elaboração de um Código de Conduta do Ministério Público, vedando, entre outras coisas, a concessão de privilégios à imprensa e manifestações sobre processos submetidos a segredo de Justiça, pode mudar muito nossa imprensa.
Hoje, há entre alguns promotores e alguns repórteres uma estranha simbiose – estranha porque, quando a ditadura processava jornalistas, nunca faltou promotor para fazer a acusação. Um promotor vaza uma notícia para um jornalista de confiança – de sua confiança, não do leitor; e, com base na publicação desta notícia, inicia uma investigação. Alguns jornalistas selecionados recebem o material; e o publicam como se fosse a verdade, não apenas a versão do acusador.
Com freqüência, o repórter amestrado recebe as informações no início da tarde, mas só procura os acusados, para cumprir a formalidade de ‘ouvir o outro lado’, depois das 18 horas, quando a maior parte das empresas já está fechada. Com isso, pode publicar só a acusação e dizer que o acusado foi procurado, sem êxito. Quando o acusado é encontrado, perca as esperanças de saber do que o acusam: o repórter lhe faz algumas perguntas e não lhe fala da acusação inteira.
Se o código for aprovado e aplicado, a imprensa só terá a ganhar: os repórteres investigativos de verdade terão reconhecido seu valor, e os repórteres que investigam apenas os dossiês prontinhos que recebem de alguns promotores vão ter de trabalhar se quiserem manter sua posição.
Denúncia vazia
O noticiário esportivo enlouqueceu: boa parte do que se escreve refere-se aos investimentos da MSI no Corinthians, numa busca persistente de sinais de irregularidades. Veja um título: ‘MSI instalou-se no Brasil com dinheiro da Georgia’. E daí? E se fosse com dinheiro dos Estados Unidos, seria mais legítimo? O remetente é ora identificado como ‘lobista político’, ora como ‘político’. São coisas diferentes, claro.
Do mesmo país!
Mas aí vem a bomba, no sublead da matéria:
‘Toidze [o tal político, ou lobista] é da terra de Badri Patarkatsishvili, acusado de crimes como lavagem de dinheiro, a principal suspeita dos órgãos do governo brasileiro em relação à MSI.’
Bom, pesquise no Google: Badri aparece como empresário influente na imprensa e nos negócios, presidente do Comitê Olímpico da Georgia, não como criminoso. Mas imaginemos que o seja: qual é o crime ser da mesma terra dele? Por acaso os repórteres não são da mesma terra de Fogoió, o assassino da missionária Dorothy Stang? Ou de Sua Excelência o novo presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti? E por que não dizer que tanto Badri quanto Toidze são da mesma terra de Stalin – o mais conhecido dos filhos da Georgia?
Esquisitices
Completando, um dos promotores que investigam o caso acha estranhíssimo que alguma empresa queira investir num clube brasileiro cuja dívida, segundo ele, ‘ultrapassa os US$ 20 milhões’. Pois é: e existem investidores que aplicam no Brasil, que deve algumas centenas de bilhões, não é mesmo? E mais investidores ainda escolhem os Estados Unidos, que devem mais de 1 trilhão de dólares.
Esses investidores devem ser burros.
Rir, rir, rir
1.
O senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL baiano, é o novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça.2.
O senador Luiz Otávio, do PMDB paraense, é o novo presidente da Comissão de Assuntos Econômicos.3.
Carlos Bolsonaro, filho do deputado federal Jair Bolsonaro, é o novo vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia do Rio de Janeiro. Suas principais bandeiras: redução da maioridade penal e pena de morte.4.
O secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, vai trocar experiências sobre o tema com a China Comunista.5.
O chefe da Abin, delegado Mauro Marcelo, foi a Cuba para trocar idéias sobre ‘técnicas de inteligência’.Não dá, gente: paredão aqui é coisa de programa de TV.
Inculta, mas não bela
A polícia encontrou em São Paulo um cilindro desses de carro a gás, pertinho do Cadeião de Pinheiros. Inicialmente, dizia o noticiário, era uma bomba poderosíssima, capaz de derrubar o muro da cadeia; depois, no noticiário que veio mais tarde, era uma bomba fraquinha, com um pouquinho de pólvora.
A bomba, ainda bem, não explodiu. Mas o jornal poderia ter-nos poupado da destruição da língua: disse que o cilindro tinha um ‘pavil’.
Será pavio?
Falem bem…
Os laboratórios Roche estão oferecendo um prêmio para reportagens sobre obesidade. Responda rápido: alguém que fale mal do Xenical, um dos principais produtos do laboratório, terá alguma chance de ganhar o prêmio?
Pois é: a diferença entre esse monte de prêmios e o tradicional Prêmio Esso é que a Esso não visa convencer os jornalistas a publicar reportagens dizendo que só Esso dá a seu carro o máximo. Outros prêmios talvez até não tenham objetivos utilitários, mas é difícil acreditar nisso, já que os temas têm tudo a ver com seus produtos e serviços. Seria interessante abrir uma discussão interna sobre a validade de participar da disputa desse tipo de prêmio.
…de mim
A Câmara de Comércio Brasil-China também lançou seu prêmio: Um Olhar Brasileiro sobre a China, ‘que premiará trabalhos jornalísticos produzidos na imprensa do Brasil cujo tema seja a China ou as relações sino-brasileiras’.
OK, uma reportagem sobre as execuções na China, recordista mundial na aplicação da pena de morte, terá alguma oportunidade de vitória? E matéria sobre o trabalho infantil? Terão melhor sorte reportagens sobre trabalhos forçados de prisioneiros?
Este colunista, sempre cético, acha que quem tiver esse tipo de reportagem não deve nem tentar se inscrever. Só perderá a chance de ganhar o prêmio: uma viagem à China, com hospedagem, alimentação e transporte. O regulamento não deixa claro, mas parece que o segundo prêmio é duas viagens dessas.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação