A abertura de inquérito pela Polícia Federal contra Daniel Dantas, pelo falso dossiê sobre as contas de petistas no exterior, traz à tona um outro fato relevate: e o papel da revista Veja? E o papel do jornalista Márcio Aith e dos diretores de redação?
Foi passado o dossiê para a revista. No próprio levantamento feito por Aith (que a Carta de Redação diz que levou meses para ser apurado, o que não deve ser verdade) constatou-se que o dossiê era falso. Se falso, o correto seria uma capa denunciando o novo ‘dossiê Cayman’.
Em vez disso houve uma longa ginástica para, de um lado, se proteger, e informar que o dossiê era falso e, de outro, para salvar a cara da fonte. Inclusive com afirmações tipo ‘se ele disser o que sabe, o governo cai’. Além de colocar um parajornalista para entrevistar Dantas, a entrevista sair no mesmo espaço da reportagem. Isso na mesma matéria em que se comprovava que seu dossiê era falso.
Por isso, aquele samba do crioulo doido, sem pé nem cabeça, em que o acusado de dossiê falso era apresentado como dono de dossiês verdadeiros, um nonsense completo. Na época, participei de um programa Observatório da Imprensa, com Luiz Garcia, de O Globo. Garcia observava que as semanais tinham desaprendido de fazer reportagem. Também. Mas o ‘imbróglio’ era outro: era livrar a cara perante a Abril e, ao mesmo tempo, proteger Dantas.
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FALSO DOSSIÊ
PF indicia Daniel Dantas sob acusação de calúnia
Reproduzido do Consultor Jurídico, 15/12/2007
Investigação conduzida pela Polícia Federal desde maio de 2006 concluiu nesta semana tratar-se de uma ‘armação’ o conjunto de documentos que apresentam autoridades brasileiras, entre as quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como donas de vultosas contas bancárias no exterior.
Ao fechar o inquérito relacionado ao caso, a PF indiciou sob a acusação de crime de calúnia, enquadrado na Lei de Imprensa, o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e o executivo Frank Holder, ex-diretor da Kroll, multinacional que atua na área de investigação.
Caluniar, nos termos da lei, é atribuir a alguém falsamente fato definido na legislação como crime. Em caso de condenação, a pena prevista é de prisão de seis meses a três anos, além de multa. Caberá agora ao Ministério Público Federal decidir se acusa ou não, diante da Justiça, os investigados pela PF.
A investigação foi aberta por conta de reportagem publicada na revista Veja em maio de 2006, na qual foram reproduzidas partes de documentos que listavam autoridades, suas supostas contas bancárias e saldos de que dispunham. Os correntistas seriam, além de Lula, os ex-ministros Márcio Thomaz Bastos, Luiz Gushiken, Antonio Palocci e José Dirceu, além do senador Romeu Tuma (DEM-SP) e do ex-diretor da PF Paulo Lacerda, hoje comandando a Abin.
Para a PF, Dantas foi o mentor da ‘armação’. E teria usado Frank Holder para materializar a farsa. Os objetivos seriam dois, pelo menos. No caso de Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, e de Lacerda, uma possível vingança pela Operação Chacal, investigação da PF que levou Dantas a responder a Ação Penal, na qual hoje defende-se pela suposta prática dos crimes de violação de sigilo e corrupção.
Quanto às demais autoridades, teriam sido incluídas no dossiê como forma de pressioná-las, já que, na ocasião, Dantas, pelo Opportunity, disputava o controle da Brasil Telecom com o Citibank, fundos de pensão, cujos diretores são nomeados pelo governo, e a Telecom Italia. Em março de 2005, os fundos fecharam um acordo com o Citibank e passaram a ter o controle da empresa, destituindo Dantas. Mas a disputa seguiu pelas vias judiciais. Em 30 de setembro de 2005, o Opportunity saiu do comando da Brasil Telecom.
O relatório do inquérito informa à Justiça Federal que o pedido de quebra internacional de sigilo para verificar a existência das supostas contas acabou frustrado por esbarrar em falta de fundamentos suficientes e também na inexistência de acordos de cooperação jurídica que sustentassem a medida pleiteada.
Mas a PF avalia que, diante dos outros elementos colhidos que indicam a falsidade do material, essa quebra se tornou irrelevante. A investigação revelou que o dossiê, com o indicativo das contas, tinha pelo menos três versões, que chegaram ao conhecimento da Veja.
Conforme a reportagem de Veja, versão também repetida em depoimento, o banqueiro Daniel Dantas disse que soube, por meio da Kroll, da existência do dossiê. Repassou, então, a informação à revista, que por sua vez buscou contato com Frank Holder e publicou o documento.
Resposta
Em nome do banqueiro Daniel Dantas, o advogado Nélio Machado negou qualquer participação de seu cliente na elaboração do dossiê, que segundo a Polícia Federal, seria uma montagem.
O advogado disse que tomara o caso como ‘encerrado’ desde quando o dono do Opportunity enviou cartas às autoridades acusadas de supostamente manter contas ilegais no exterior, eximindo-se de qualquer participação no episódio ou de qualquer intenção de prejudicá-las.
A iniciativa, segundo Nélio Machado, conforme a lei, teria retirado de Dantas qualquer possibilidade de acusação. ‘Essa reportagem surgiu de uma entrevista à revista Veja e que foi publicada numa situação complemente distorcida. Já considerávamos esse assunto encerrado’, afirmou o advogado de Dantas.
Kroll
A assessoria de imprensa da Kroll negou qualquer ato irregular por parte da empresa e informou que o outro acusado, o americano Frank Holder, também indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de prática do crime de calúnia, não está mais na empresa desde dezembro de 2004.
Naquela época, Frank Holder era diretor-geral de Serviços de Consultoria da Kroll, com ascendência sobre os negócios da companhia de investigação em todo o mundo. Ainda conforme a assessoria de imprensa, a Kroll move ações judiciais internacionais contra Holder.
O teor das acusações da empresa contra seu ex-funcionário, no entanto, não foi informado.