Raras vezes viu-se na cena artística brasileira um espetáculo canibalesco tão implacável e impiedoso. Não é o público que se levanta para vaiar – ao contrário, o público aplaude, respeita e orgulha-se de participar de uma empreitada cultural única no Brasil. Quem tenta orquestrar este linchamento é a mídia – logo a mídia, cujos padrões de qualidade são cada vez mais degradantes.
É evidente que a mídia não está conspirando para derrubar o maestro John Neschling da direção artística da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). A mídia apenas submete-se a um sórdido esquema para desgastar o regente e levá-lo a pedir demissão. É legítimo que alguém ou algum grupo queira tirar o maestro do podium . Inadmissível, numa sociedade civilizada, que se utilizem ferramentas tão abjetas.
Há mais de dois anos, Folha de S.Paulo e Veja revezam-se pontualmente na maratona de perversidades. Há 15 dias a malignidade veio na página mundana do jornalão; no último fim de semana, a enfezada revista reassumiu seu papel.
A Folhona e a Vejona fazem isso para agradar o distinto público? Se os seus leitores são qualificados como apregoam as pesquisas, e gostam de música erudita, estão certamente entre aqueles que, há quase dez anos, em novembro, disputam uma assinatura para ouvir no ano seguinte a melhor orquestra da América Latina. A temporada de 2008 terá pelo menos onze mil assinantes, entre eles ilustres diretores de Veja e lustrados colaboradores da Folha. Conviria ouvi-los nas reportagens.
Latas velhas
A matéria de Veja é inteligente, admite que John Neschling assumiu ‘uma Osesp decadente e a transformou no melhor grupo sinfônico que o país já teve’ (edição 2035, de 21/11/2007, págs. 150-151). Linhas depois, esquecido ou arrependido da categórica afirmação, o redator afirma que a Osesp não possui um padrão claro, ‘ela apenas toca forte, e transmite vigor.’ Certamente não a ouviu com o violoncelista Antonio Menezes executando o suave e sublime final do D. Quixote de Richard Strauss, ou a sucessão de pianíssimos da Nona Sinfonia de Gustav Mahler.
O forte da matéria não são os fortíssimos da Osesp, a jogada é elogiar a direção artística da orquestra e mandar o aviso de que está na hora de mudar. Sutil e decente como uma reunião da Cosa Nostra.
Ninguém é insubstituível, é certo, por isso cabe a pergunta – não está na hora de mudar a direção da Veja? Este tipo de jornalismo rancoroso, envilecido, já cansou. Lembra uma charanga tocada por latas velhas, nada tem a ver com o projeto original, edificante, concebido para elevar os leitores e não rebaixá-los à condição de pitbulls.
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[Este observador faz parte do Conselho da Osesp, cargo não-remunerado, e há nove temporadas é assinante de quatro assinaturas pagas antecipadamente, sem desconto.]