
(Imagem: Divulgação)
Ao imitar a linguagem jornalística, adicionando títulos e imagens que imitam reportagens, os anúncios da chamada publicidade nativa tornaram-se um preocupante manancial de mentiras e exageros, apelando à ingenuidade do público para vender produtos e serviços a milhões de usuários conectados a grandes sites noticiosos.
Atenta à gravidade e extensão do problema, no segundo semestre de 2024 a organização jornalística de checagem Aos Fatos desenvolveu a ferramenta Check-up para o Codesinfo – Fundo de Inovação Contra a Desinformação. Realizado pelo Projor, o Codesinfo tem o patrocínio da Google News Initiative para apoiar soluções tecnológicas inovadoras de código aberto no combate à desinformação.
Em sua primeira edição, o Check-up arquivou, – ou “raspou”, no jargão dos desenvolvedores – mais de 240 mil anúncios suspeitos de conter imprecisões factuais. Construída como uma biblioteca na linguagem computacional Python, a ferramenta captura, ou “raspa,” de forma automatizada, os anúncios nativos.
Publicado como um relatório por Aos Fatos, a análise dos resultados detectou conteúdos problemáticos, incluindo a promoção de falsas curas para doenças graves, como diabetes e Alzheimer, além da contratação de atores para se passarem por médicos e depoimentos falsos de supostos clientes.
Já ao analisar as estratégias de comunicação utilizadas por esses anúncios, Aos Fatos detectou três táticas principais: a invenção ou exagero dos benefícios trazidos pelos produtos e ou serviços anunciados; a menção falsa de testemunhos de especialistas como médicos ou de órgãos como a Anvisa e depoimentos igualmente falsos de supostos clientes e de celebridades.
“Nosso primeiro relatório é fruto de dois meses de coleta e análise intensiva”, diz Bruno Fávero, diretor de inovação de Aos Fatos e coordenador do projeto junto ao Codesinfo.
Segundo o serviço de checagem, entre os mais de 90 mil anúncios verificados, 81.447 (89,6% do total) continham alegações falsas ou distorcidas, o que os levou a receber o selo ‘falso’ ou ‘não é bem assim,’ de acordo com a metodologia do Aos Fatos.
Do ponto de vista temático, entre os anúncios problemáticos encontrados, 22% prometiam curar dores, 17% vendiam dietas e medicamentos de emagrecimento e outros 16% se diziam eficazes, sem a devida comprovação, no tratamento da diabetes.
Por dentro do Check-up
Na primeira fase de funcionamento da ferramenta, enquanto o processo de coleta de dados é automatizado, todo o processo de análise do conteúdo é feito por humanos – jornalistas checadores.
Segundo Fávero, a ferramenta é formada por três elementos. O primeiro é um programa automatizado que percorre a internet, coletando e indexando dados, o chamado “crawler.” No caso do Check-up, a coleta é específica para anúncios nativos de saúde em nove sites jornalísticos citados no relatório de resultados.
O segundo elemento é um programa “raspador” que arquiva, numa base de dados, os anúncios encontrados pelo “crawler”.
E o terceiro elemento do Check-up é um programa que classifica os anúncios segundo seus temas. Este classificador utiliza um modelo de linguagem de Inteligência Artificial (IA), chamado em inglês de “Large Language Model” (LLM).
“Temos utilizado o LLM da Open AI”, diz Fávero. A Open AI é a organização sediada nos Estados Unidos que produz o serviço de respostas Chat GPT.
Em termos de possíveis aprimoramentos do Check-up, Fávero destaca a possibilidade de se aumentar o grau de automatização na classificação temática dos milhares de anúncios coletados, a fim de facilitar a análise posterior feita por checadores humanos.
Uma outra melhoria importante envolve a criação de classificador de previsão do risco de desinformação no conteúdo coletado.
Serviços de apostas on-line
Desde o seu lançamento, a ferramenta despertou o interesse do programa de pós-graduação em Comunicação da PUC/Rio, que pesquisa o impacto dos chamados anúncios nativos.
Com possíveis adaptações no código, a ferramenta poderia ser utilizada para coletar e analisar outros tipos de conteúdo em diferentes sites jornalísticos. Assim, além de ganhar uma nova interface, poderia ser facilmente adotada por outros veículos.
A fim de estimular sua adoção, a ferramenta tem sido divulgada junto aos membros da Rede Internacional de Checadores (IFCN), ligada ao Instituto Poynter, sediado nos Estados Unidos. “Como sabemos que há jornalistas interessados pelo Check-up que não estão aptos a programar, também disponibilizamos os dados brutos raspados numa base que pode ser trabalhada mesmo por quem não seja desenvolvedor”, diz Fávero.
Neste primeiro semestre de 2025, Aos Fatos trabalha numa segunda fase do Check-up focada em detectar e analisar conteúdo em sites de apostas on-line e jogos de azar. “Além da desinformação, agora o nosso trabalho envolve também a detecção de conteúdo gerado por empresas que não têm autorização para atuar”, diz.