O pedido de perdão público publicado nesta semana (16/7) em toda a imprensa inglesa pelo dono do conglomerado News Corporationestá sendo encarado na Europa e nos Estados Unidos como o primeiro sinal visível da agonia de um império jornalístico que pretendia ser o maior do mundo.
Mas o episódio que marca uma derrota pessoal para o milionário australiano naturalizado norte-americano, Rupert Murdoch, tem implicações ainda mais amplas, pois vai alterar a geografia dos grandes grupos midiáticos mundiais e também provocar um exame de consciência nas praticas adotadas pela maioria das redações jornalísticas.
Murdoch pagou o preço do escândalo causado pela revelação de que o News of the World, um dos mais populares e antigos jornais da Inglaterra, abusou de escutas clandestinas e da cumplicidade com policiais para obter “furos” jornalísticos sensacionalistas. O News foi fechado para minimizar o incêndio nas empresas controladas por Murdoch, que foi obrigado também a recuar na guerra pelo controle acionário da BSkyB, uma rede de TV por satélite que o tornaria mais poderoso no Reino Unido que a própria BBC.
A agonia do império Murdoch pode não ser imediata, mas os especialistas em mídia na Europa, como a organização de consultores e jornalistas Follow the Media acreditam que ela é irreversível e pode levar junto outros barões da imprensa no Velho Mundo, como o italiano Silvio Berlusconi, um inimigo figadal do milionário australiano. Ambos são conhecidos pelo apoio que dão a políticos e partidos conservadores.
O golpe sofrido pelas empresas de Murdoch aumenta o ceticismo dos investidores europeus e norte-americanos que desconfiavam da aversão do dono da News Corp à internet e sua insistência na mídia convencional. As críticas sistemáticas à Web foram causadas por um estrondoso fracasso do maior negócio do conglomerado na internet, o site de relacionamentos sociais Myspace, comprado com muito estardalhaço em 2005 por 580 milhões de dólares e passado adiante em junho de 2011 por meros 35 milhões de dólares .
As escutas clandestinas, invasões de caixas de correio eletrônico, violações da privacidade e outros recursos escusos, praticados inclusive com a cumplicidade da policia inglesa foram alimentados pela obsessão dos jornais de Murdoch com a busca da lucratividade a qualquer preço. Isto pode levar os demais jornais a revisar muitas das técnicas de câmera oculta, repórteres disfarçados e gravações às escondidas que são praticadas hoje num grande número de veículos da imprensa ao redor do mundo.
Estes recursos não são considerados ilegais, mas sua validade ética, que já era contestada, passará agora por um criticismo ainda maior. A justificação do seu uso, sob o argumento de que são “uma outra forma” de obter a verdade no jornalismo pode não configurar um delito mas abre a porta para aberrações, como mostra o caso do sensacionalismo doentio do News of the World.
Mostra também como barões da imprensa do tipo Murdoch e Berlusconi estão despreparados para lidar com os enormes dilemas que as suas empresas enfrentam num momento em o mapa da mídia mundial começa a ser redesenhado em função de inovações tecnológicas com a digitalização, computação e internet.
O caso News of the World deveria servir não apenas para uma reacomodação dos grandes grupos midiáticos mundiais mas também para uma revisão dos métodos da imprensa para obter notícias. Isto é ainda mais importante se tomarmos em conta que, no ambiente virtual, as barreiras à violação da privacidade e contra a espionagem jornalística são ainda menores do que nas redações convencionais.
O recurso à ética profissional deixa de ser um atributo retórico para se transformar na única forma de separar o joio do trigo na hora de definir o que é valido ou não uma reportagem investigativa. A Web ainda continuará sendo um território sem lei por muito tempo porque as leis e magistrados atuais estão defasados em relação à nova realidade digital. Isto é ainda mais critico quando a mídia, mesmo perdendo poder econômico, ganha cada vez mais poder político por conta de sua onipresença.