Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Ausência de cobertura local debilita a democracia

Com a crise no modelo de negócios das empresas jornalísticas, um dos primeiros setores a sentir os efeitos dos cortes foi o do noticiário local — gerando uma lacuna que impede o monitoramento de vereadores, deputados e senadores pelos seus eleitores.

A esperança era que os milhares de blogs, twitters e integrantes de redes sociais pudessem preencher esse espaço, mas a realidade não corresponde à expectativa, pelo menos por enquanto. A maioria dos blogs e perfis no Twitter têm se preocupado mais com as idiossincrasias de seus autores e com questões político-partidárias do que com as necessidades e interesses de comunidades sociais urbanas e rurais.

O vácuo no noticiário local contribui para o isolamento entre os eleitores e os seus representantes em instâncias legislativas, criando condições para que vereadores, deputados e senadores administrem os seus cargos como se fossem um emprego privado, onde o eleitor só entra quando há a necessidade de renovar o mandato.

Este comportamento tornou-se meridianamente claro em episódios como os aumentos salariais autoconcedidos. Os parlamentares, por se sentirem isentos de qualquer preocupação em prestar contas, tomam decisões em beneficio próprio, sem o menor escrúpulo.

É uma situação potencialmente critica, conforme constatou, já em 2011, um informe da Knight Foundation, fundação norte-americana que estuda as consequências da crise na cobertura local. Nos Estados Unidos, a ausência de notícias locais é vista como um fator de enfraquecimento na relação entre governantes e governados, gerando um clima propício ao dirigismo autoritário.

No Brasil, a consequência do mesmo fenômeno é mais próxima da delinquência legislativa, pois serve de pretexto para a generalização do desvio do dinheiro público para fins privados ou corporativos. Também aqui a democracia está sendo minada pela falta de patrulhamento por parte do eleitor, do qual não nos damos conta porque a noção de direitos do cidadão ainda é muito recente entre nós.   

A emergência dos blogs como ferramentas a serviço do eleitor é inevitável, mas tomará algum tempo porque implica a mudança de comportamentos e valores ainda muito entranhados na população brasileira. O tempo pode contribuir para que o distanciamento entre governantes e governados chegue a um ponto crítico.

Por isso, ganha corpo a ideia de uma cooperação entre as empresas jornalísticas e blogueiros preocupados com a cobertura de temas locais. Uma parceria seria ideal porque os cidadãos podem oferecer notícias, imagens e sons cuja coleta sairia muito caro para empresas que estão trabalhando “no osso” em matéria de pessoal nas redações.  Por seu lado, as empresas poderiam retribuir oferecendo capacitação técnica para os jornalistas “amadores” melhorarem a qualidade do noticiário publicado em seus blogs.

Quase todos os grandes jornais já criaram espaços para a participação dos leitores, mas isso ainda não configura uma parceria, pois há resistências dos dois lados. As empresas alegam que o treinamento de amadores ou praticantes do jornalismo não é sua função, ao mesmo tempo em que demonstram uma clara má vontade em tratar os leitores em pé de igualdade. Elas aceitam fotos, vídeos e notícias que não poderiam obter por custo, mas a relação pára aí. Por seu lado, os blogueiros se queixam que são usados como mão de obra barata ou gratuita no fornecimento de material local.

Enquanto as duas partes mantiverem essa desconfiança, ambas saem perdendo — os cidadãos, porque continuarão impedidos de monitorar seus representantes legislativos. A imprensa brasileira tem se preocupado ultimamente em patrulhar políticos, mas isso tem sido feito com uma forte influência de interesses corporativos ou eleitorais, o que não contribui para reduzir as reticências dos blogueiros.

Assim, estamos agora num limbo onde a falta de informação local prejudica o exercício da cidadania e impede a imprensa de transformar essa modalidade de cobertura jornalística em fonte de renda num tempo de vacas magras.