Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A ciberpolítica enfrenta o teste do referendo


A campanha para o referendo do dia 23 de outubro transformou-se no primeiro grande teste do uso da internet como ferramenta de comunicação política no Brasil. Nas eleições de 2004, o fenômeno blog ainda ensaiava os primeiros passos e a chamada ciberpolítica não conseguiu ter uma cara própria pois os partidaos sites oficiais dos candidatos e partidos, que por sua vez eram uma mera transposição online de conteúdos offline.


A internet e, em especial os blogs, oferecem uma oportunidade única de contato direto entre os políticos ou formadores de opinião e seu público direto. Mas esta facilidade foi olimpicamente ignorada tanto pelos lideres do SIM como os do NÃO. As dus frentes parlamentares que teoricamente deveriam conduzir o debate online, limitaram-se de produzir sites burocráticos, onde a desatualização foi uma nota irritante para quem os visitou buscando informações para tomar uma decisão.


A ausência dos partidos e a super cautelosa participação dos grandes caciques políticos criaram um cenário inédito em campanhas eleitorais brasileiras. O eleitor acabou sendo o grande protagonista do debate que teve duas caras bem diferentes.


Os blogs, listas de discussão e comunidades online foram o ambiente das discussões mais intensas e apaixonadas sobre a questão das armas no Brasil. Enquanto a campanha nas ruas, pela televisão e pela rádio foi morna e burocrática, com escassa participação de eleitores.


O calor das discussões online mostrou que está em gestação um novo ambiente político no Brasil que escapa as regras e à tutela dos políticos e partidos. É quase anárquico e não raras vezes escorrega para o terreno do passionalismo, xenofobia e intransigência. O blog Verdades Não Contabilizadas  foi simplesmente sinistro ao criticar a posição pró SIM do escritor Luis Fernando Verissimo com a seguinte ameça: Vota Sim e esperemos que tu recebas alguma visita sinistra nos próximos meses, pra dividir a força o que tu pregas só na garganta.


Mas enquanto o debate offline ficou muito marcado pelo pró e anti-lulismo, na Web as armas eram bem diferentes. O SIM usou e abusou das estatísticas e das personalidades enquanto o NÃO bateu firme na tecla do medo, imbutido na defesa do direito de poder comprar uma arma.


O fenômeno deve ser, no entanto, analisado não pelas suas manifestações episódicas mas como o inegável surgimento do embrião de uma nova forma de comunicação política baseada na participação sem tutelas. É o que os cientistas politicos britânicos Jay Blumler e Stephen Coleman classificaram, no seu brilhante estudo sobre política na web, de Comunidade Cívica, no Espaço Cibernético (Civic Commons in Cyberspace).


A campanha do referendo mostrou também um auge da chamada politica da distorção de fatos (spin plitics em inglês) porque as versões foram mais influentes do que os fatos. Isto ficou especialmente claro com relação às estatísticas sobre armas, vítimas, comércio e crime organizado. A ausência de grandes formadores de opinião e certificadores de credibilidade deixou o terreno livre para que cada um torcesse os fatos a seu bel prazer, criando com isto uma grande perplexidade entre aqueles que ainda não estão acostumados a analisar uma notícia clinicamente e um enorme ceticismo entre os consumidores mais experientes de informações.


A internet foi palco de uma guerra de mensagens spam que inundaram as caixas postais eletrônicas de muita gente, com conteúdos que geraram mais confusão do que esclarecimento. A famosa mensagem sobre proibição às exportações de armas brasileiras foi uma espécie de prototipo da manipulação de dados, pois muita gente achou o texto sério e acreditou nela. Coincidência ou não, foi no período em que ela circulou com mais intensidade que a campanha do NÃO ganhou pontos estratégicos nas sondagens de intenção de voto.


Mas a internet não é a responsável pela política de distorção da realidade. Como Colemamn e Blumler afirmaram, a origem está na guerra surda entre políticos e veículos de comunicação pelo controle da agenda pública. Os primeiros para arregimentar eleitores e a imprensa para conquistar leitores. Neste processo, os eleitores acabaram ficando órfãos de uma informação confiável e agora está começando a busca na embrionária comunidade civica cibernética, o ambiente para expor idéias e formar opiniões.


E para que não pensem que eu estou em cima do muro, vou votar sim, no domingo, porque acho que o o direito a vida é muito mais importante do que o suposto direito de poder comprar uma arma. O SIM pode ser uma aposta em algo novo enquanto o NÃO, mantém o que ai está. E nós precisamos de acreditar que é possivel mudar.


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