O relatório The State of the News Media 2013 (A situação da imprensa, edição 2013) produzido pelo Projeto pela Excelência no Jornalismo constata uma tendência no jornalismo norte-americano que é muito mais preocupante do que as estatísticas sobre queda de receita, desemprego, fuga de leitores e fechamento de jornais nos Estados Unidos.
Trata-se do fenômeno da crescente infiltração de interesses políticos e comerciais em matérias jornalísticas construídas para aparentar isenção, objetividade e exatidão. Os autores do informe advertem que essa tendência pode causar danos irreversíveis à credibilidade de jornais, revistas e programas jornalísticos no rádio e na televisão, já que a perda da confiança do público pode ter efeitos mais prolongados do que a crise no modelo de negócios da imprensa em geral.
O The State of the News Media 2013 afirma que na campanha eleitoral norte-americana de 2012, os repórteres, em geral,se comportaram mais como “megafones do que como investigadores”, porque usaram mais o material oferecido pelos candidatos do que informações obtidas no trabalho de campo. Ainda segundo o documento, esse fenômeno é uma consequência direta da sobrecarga de trabalho dos repórteres gerada pela redução em 30% da força de trabalho nas redações norte-americanas, bem como da baixa qualificação dos profissionais, resultado das sucessivas reduções salariais.
Por outro lado, os quase 20 mil jornalistas americanos que perderam seus empregos desde o ano 2000 se transformaram no alvo predileto de grandes corporações na indústria, finanças e comércio, que descobriram a Web como plataforma para relacionamento direto com o público, evitando a publicidade paga na imprensa. Alguns produzindo matérias pseudo jornalísticas para disfarçar mensagens publicitárias e outros deixando a profissão para aderir ao próspero mercado de relações públicas.
Nos últimos 12 meses, aumentou vertiginosamente o número de projetos e empresas online que prestam serviços jornalísticos a grandes e médios conglomerados da indústria e do comércio, nos EUA. Já no ano passado, a revista econômica online Business Inside previa investimentos da ordem de 16,6 bilhões de dólares no desenvolvimento de serviços por meio dos quais as empresas distribuem conteúdos em formato jornalístico produzido por seus profissionais ou sistemas especializados.
Um destes sistemas é baseado na curadoria algorítmica, que seleciona, de forma automática, reportagens, crônicas ou notícias de interesse das empresas patrocinadores e as distribui para clientes e stakeholders (fornecedores, acionistas e demais públicos de interesse). A empresa Contently, por exemplo,conecta milhares de jornalistas free lancers e desempregados a organizações interessadas ações de merchandising dissimuladas em jornalismo. Dias atrás, o projeto NewsCred recebeu um financiamento de 15 milhões de dólares, cinco dos quais fornecidos pelo jornal The New York Times, para desenvolver um sistema de geração de reportagens sob encomenda baseado em algoritmos e jornalistas.
Também as marcas mais tradicionais no jornalismo norte-americano estão aderindo à nova tendência. A revista econômica Fortune criou um serviço chamado TOC (trusted original content), por meio do qual, segundo o State of the News Media 2013, jornalistas da publicação ganham um adicional para produzir reportagens e notícias para inclusão nas páginas de empresas.
Esse fenômeno não é exclusivo dos Estados Unidos. No Brasil isso também está acontecendo, se bem que em menor escala e principalmente com muito menos visibilidade pública porque nossa imprensa ainda é uma grande caixa-preta. Se tivéssemos mais estatísticas, provavelmente ficaríamos tão assustados quanto os leitores norte-americanos, que estão deixando de comprar jornais, revistas e assistir a programas jornalísticos por falta de credibilidade nas notícias publicadas.
A comercialização de conteúdos jornalísticos é um fenômeno grave porque não só afeta os principais valores do jornalismo – e consequentemente própria credibilidade da profissão – como, sobretudo, provoca a orfandade informativa dos leitores. A crise no modelo de negócios da imprensa já não ameaça apenas a sobrevivência de empresas tradicionais, mas põe em xeque algo bem mais sério: o exercício da democracia baseada em decisões tomadas a partir de informações objetivas, exatas, isentas, relevantes e pertinentes.
Toda aretórica sobre liberdade de expressão, manejada pelos conglomerados da mídia nacional e internacional, torna-se irrelevante quando as próprias organizações da imprensa começam a produzir notícias não objetivas, comprometidas e inexatas para o público.