Está cada vez mais claro que os problemas atuais enfrentados tanto pela imprensa convencional como pelos projetos de jornalismo na Web se devem à conjuntura de transição de um modelo de comunicação para outro, mais do que a estratégias e equipamentos equivocados.
É claro que tanto as indústrias de impressos e audiovisuais como os novos empreendedores digitais cometeram muitos erros e estão pagando por isto. Mas talvez o maior deles foi encarar as dificuldades atuais como resultado de imperícia ou ignorância.
O que estamos vivendo hoje é um momento de transição entre um modelo unidirecional, vertical e centralizado de produção de informações para outro multidirecional, horizontal e descentralizado. E como em toda a transição deste tipo, está presente uma forte dose de incerteza e insegurança, porque não dá para prever com segurança qual será o desfecho da mudança de padrões.
Mas se é impossível traçar um perfil da atividade informativa no futuro, por outro já temos idéias bastante claras sobre o tipo de mudanças de hábitos e valores que estão acontecendo na atividade dos jornalistas autônomos, que não têm vínculos empregatícios.
Durante os últimos 100 anos as indústrias da comunicação e os jornalistas viveram numa espécie de Olimpo. As estratégias corporativas eram sólidas e rendiam invejáveis dividendos para acionistas e famílias proprietárias de conglomerados midiáticos. As práticas e códigos do jornalismo eram repassados de geração a geração, ganhando cada vez mais o status de verdades inquestionáveis.
De repente tudo muda por conta do surgimento da computação e da internet. Tanto empresários como jornalistas demoram a perceber a profundidade e amplitude das mudanças e o que vemos hoje é uma perplexidade crescente, seguida por um pessimismo contagiante.
A dificuldade em assumir a transição reside na necessidade de assumir também os seus valores, ou seja, de que num momento de incerteza e imprevisibilidade não há mais verdades absolutas nem fórmulas mágicas. Que todos podem ter uma dose variável de razão e que a solução dos problemas vai acontecer pela via da experimentação e reflexão.
Quando se fala em experimentação, está implícita a possibilidade de erro. Qualquer experiência, em qualquer ramo do conhecimento humano, tem este risco. Só que no jornalismo nos acostumamos a não admitir erros. O erro está associado à idéia de castigo e como ninguém quer ser punido, logo não experimenta e portanto se agarra ao que é seguro.
A resistência à mudança se alimenta, basicamente, deste processo, que é velho e já foi objeto de infindáveis estudos e pesquisas. Mas não adianta: na hora em que o bicho pega todos acabam procurando alguma forma de segurança e certeza. É uma questão de valores pessoais e coletivos.
Tecnologias, equipamentos e processos podem ser atualizados em tempo recorde, mas os valores individuais e coletivos em geral levam anos para ser mudados. Daí a importância de ver o momento atual como uma transição de modelos. Não é nenhuma tragédia e nem é a primeira vez que isto acontece.
Quando Gutenberg inventou os tipos móveis para impressão, a incerteza e a insegurança também se abateram sobre os que tiveram suas funções e interesses ameaçados pela inovação tecnológica. O mundo não acabou e a mudança deu origem à imprensa que temos hoje — e que agora vive o seu momento de transição.
Ascensão do público como protagonista proativo na comunicação digital graças à Web mudou irreversivelmente as regras do jogo, criando uma nova ecologia informativa na qual a mídia convencional não é mais o ator hegemônico.
Se as indústrias de jornais e de audiovisuais, bem como os jornalistas, não enxergarem esta realidade ficará difícil entender a natureza da transição, o que complica ainda mais a incorporação de novos valores e rotinas no exercício da atividade informativa.
Se você leu até aqui, pode estar se perguntando: ‘Poxa, mas isto é tão óbvio e tão velho!?!’ Você está certo, sim, mas quantos de nós já pararam para refletir sobre estas obviedades?