No dia 28 de janeiro, uma sexta-feira, o governo egípcio cortou o acesso de 80 milhões de pessoas à internet numa tentativa de sufocar a reprodução viral de mensagens de apoio à rebelião popular contra o presidente Hosni Mubarak, há 30 anos no poder.
Foi um novo caso de bloqueio da internet por motivos políticos. O primeiro foi em 2009, quando a China proibiu o acesso à internet e à telefonia móvel na província de Xinjiang, no noroeste do país, durante protestos antigovernamentais.
Também em 2009, o governo do Irã bloqueou o acesso à internet em determinadas regiões do país para conter protestos populares. Mas a medida não chegou a afetar as comunicações telefônicas e nem o funcionamento do sistema bancário e financeiro.
O caso egípcio é muito mais grave do que o chinês e o iraniano porque teve alcance nacional e coloca uma inquietante dúvida para os dois bilhões de usuários da internet no mundo inteiro: até que ponto governos ameaçados pelo descontentamento popular podem recorrer ao mesmo expediente do presidente Mubarak?
A resposta é, infelizmente, podem sim. Os governos podem usar a força para impedir que as pessoas usem a internet e a telefonia móvel para divulgar mensagens políticas ou convocar manifestações por meio de mensagens instantâneas. As autoridades podem cortar as linhas mestras (backbones) impedindo o contato internacional e regional, mas a comunicação local, por meio de intranets, continua possível.
A internet e a telefonia móvel se tornaram ferramentas políticas altamente eficientes e estão viabilizando um novo fenômeno político: o das explosões de descontentamento popular, como acaba de acontecer também na Tunísia, onde um regime do presidente Zine El Abidine Ben Ali foi derrubado em dezembro passado após uma onda de protestos populares contra a falta de democracia no país.
A facilidade de comunicação interpessoal, por meio de dispositivos eletrônicos leva as pessoas a compartilhar cada vez mais as suas frustrações políticas, criando condições para o surgimento de explosões de descontentamento que fogem inteiramente aos padrões políticos convencionais, o que tem deixado as autoridades desnorteadas.
Em janeiro de 2001, milhares de filipinos protagonizaram o primeiro grande protesto político viabilizado pelas novas tecnologias. Eles usaram torpedos, via celular, para convocar um protesto numa avenida central da capital Manila usando a frase ‘GO 2EDSA. Wear Black‘ (traduzindo: ‘Vá para a Avenida Epifanio de los Santos. Vista-se de preto’). O presidente Joseph Estrada renunciou e inaugurou a lista de governantes vitimados pela telefonia celular e pela internet.
Tanto no caso da Tunísia como no do Egito, a imprensa local acabou atropelada pelos acontecimentos porque não descobriu a tempo como as pessoas estavam se comunicando e nem prestou atenção ao crescimento do descontentamento popular, alimentado pela troca de informações via web e torpedos.
O bloqueio da internet e da telefonia celular são medidas de alcance parcial porque não podem ser mantidas durante muito tempo. Sem acesso à rede mundial de computadores e sem poder usar os telefones móveis, a economia acaba sofrendo as conseqüências e o isolamento internacional do país afeta também áreas vitais, como comércio exterior e segurança.
É possível bloquear apenas o acesso à redes sociais como Facebook ou Twitter, como aconteceu nos primeiros dias da revolta egípcia e no caso iraniano. Mas nesse caso os usuários podem recorrer a servidores internacionais ou à ajuda de hackers para violar as proibições de acesso.
Apesar de tudo isso, em países como Estados Unidos, Inglaterra, União Soviética, China e Alemanha discutem-se as iniciativas para implantar o chamado botão vermelho, por meio do qual os respectivos governantes podem com uma única ação derrubar toda a rede nacional de internet. Esta ação é mais fácil em países com uma estrutura centralizada e onde o governo tem o monopólio dos backbones.
Nos Estados Unidos, o senador Joe Lieberman, independente, está promovendo um projeto chamado ‘Protecting Cyberspace as a National Asset Act’ (Lei de Proteção do Espaço Cibernético como um Bem Nacional) que prevê, entre outras medidas, a implantação de um sistema similar ao do botão vermelho.
A magnitude dos problemas envolvidos em crises como a do Egito mostra que a internet passou a ocupar o papel estratégico que antes era exercido pelos jornais, rádio e televisão quando o descontentamento popular torna-se incontrolável. A grande diferença é que a imprensa apenas publica os fatos, enquanto a internet, além de divulgá-los, também os organiza e promove.