O texto abaixo foi retirado do livro ‘Paisagens imaginárias’ (Edusp 1ª edição 1997; 1ª edição, 1ª reimpressão 2005), da escritora e pensadora argentina, Beatriz Sarlo. Os ensaios do livro discorrem sobre questões cruciais de seu país – como os golpes militares, a guerra das Malvinas, entre outros. Dois belos capítulos tratam da influência da mídia nas relações sociais e da necessária preservação da democracia representativa.
Os trechos reproduzidos abaixo tratam da confusão estabelecida nos meios de informação entre o que é público e o que é privado, discussão fundamental neste momento em que o Supremo Tribunal Federal é acionado para proteger a privacidade de uma autoridade ministerial, ao mesmo tempo, em que a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, configura violação à mesma privacidade, com a participação de uma revista na invasão ao extrato do caseiro.
Beatriz Sarlo é autora de vários textos brilhantes sobre a influência determinante dos meios de comunicação. A leitura dos parágrafos abaixo traz interrogações inquietantes sobre os limites (ou a falta deles) do que ela chama de ‘esfera midiática’. Por isso, eles merecem ser lidos e relidos para reflexão. Bom proveito.
Os trechos em itálico correspondem aos originais
‘Sabemos de tudo e, ao mesmo tempo, não sabemos o que precisamos saber. Em compensação a democracia midiática é insaciável em sua voracidade pelas vicissitudes privadas que se transformam em vicissitudes públicas’.
(…)
‘A esfera midiática introduziu inúmeras modificações na apresentação dos problemas que magnetizam a sociedade, mas o que fez com maior originalidade foi o rearranjo de fronteiras entre o que é público e privado. Como conseqüência disso, alterou-se a relação entre os fatos que afetam a todos os cidadãos e aqueles cuja projeção diz respeito apenas aos que estão privada e diretamente envolvidos em um conflito. Emerge uma solidariedade do privado em uma sociedade que está perdendo critérios públicos de solidariedade. (…)
A esfera pública eletrônica não é, então, apenas um lugar de onde se emite informação, nem onde se constrói opinião. Passou a ser também um lugar onde a opinião se contrapõe às instituições, disputando com elas a jurisdição para decidir sobre os conflitos privados que se transformaram em públicos justamente para serem subtraídos das instituições que os acolhem. A democracia de opinião se contrapõe à democracia das instituições frente à diversidade concreta e humanizada da opinião que não pretende lidar com outras leis que não sejam as da natureza: diferentemente das instituições, a opinião se remete à natureza para fundar-se e atribui a si própria uma sabedoria de que carecem as instituições porque é sensível ao particular, embora responda a impulsos tão gerais como os arraigados na natureza, comuns, inclusive, aos do sempre ilustrativo mundo animal, que, ainda na pós-modernidade, não perdeu seu caráter de detonador mítico.’
(…)
‘Estamos, não há porque negar, diante de um conflito: a democracia midiática precisa da democracia de opinião e se entende melhor com ela do que com a democracia representativa’.