Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A denúncia vazia de Mainardi

Diogo Mainardi candidata-se ao título de delator-mor da imprensa brasileira atual. Cada período tem o delator que merece. Na década de 1950, Carlos Lacerda dedurou Samuel Wainer. Foi canalha – nesse como em outros episódios –, mas tinha talento. Perto de espécimes do tempo da ditadura – quando o jogo era muito mais pesado e envolvia prisão política, tortura e morte –, Mainardi é um garoto brincando de ficar enfezado.


Mainardi, para piorar as coisas, é mal-informado.


O problema não é Mainardi. O problema são os editores da publicação na qual Mainardi colabora. São os jornalistas que consideram o que Mainardi escreve material aprovado pelos controles de qualidade para ser oferecido ao distinto público da Veja.


Nesta semana Mainardi fez uma coluna inteira em torno da informação de que partiu de Marcelo Netto, ex-jornalista que é assessor do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o vazamento para a revista Época do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Mainardi escreveu que o portador da informação foi o filho de Marcelo, Matheus Leitão, repórter da Época.


É uma informação que circulou em Brasília mas não convenceu todas as pessoas que se ocuparam do assunto.


Mas o tema de Mainardi é outro. É o acobertamento de um jornalista que teria sido praticado por jornalistas. Hoje o besteirol da coluna de Mainardi se encontra reproduzido em blogs pela internet afora, como se fosse a mais pura expressão da verdade.


Para encurtar. Primeiro, não se trata de jornalista. Marcelo Netto, informa o site do Ministério da Fazenda, é “assessor especial do ministro – supervisor da área de imprensa”. É ocupante de alto cargo estatal. Algo que é incompatível, por definição, com o exercício do jornalismo.


Segundo, não houve “acobertamento”. A Folha de S. Paulo, por exemplo, publicou em 22 de março, três dias antes de circular a Veja: “(….) Daí, o extrato teria sido encaminhado ao assessor de Palocci. Senadores da oposição e membros da CPI dos Bingos levantavam suspeitas de que esse assessor seria Marcelo Netto. Ontem, o Ministério da Fazenda não se manifestou sobre o assunto”.


No dia seguinte, o colunista Cláudio Humberto, que foi assessor de imprensa de Fernando Collor de Mello, tentou embaralhar as coisas publicando duas notas em seqüência:


Nem pensar


Foram inúteis as pressões do Planalto para que Marcelo Netto, assessor de Palocci, assumisse a quebra ilegal do sigilo do caseiro. Jornalista brilhante, ele não teria essa idéia de jerico. Nem pagaria uma conta que não é sua.


Voluntários’ escolhidos


José Henrique Marques da Cruz, superintendente, e José Carlos Garcia, vice-presidente da Caixa, são os nomes mais cotados para assumir a quebra ilegal do sigilo do caseiro. Tipo ´tarefa´ partidária. Agora só falta a CPI dos Bingos identificar o verdadeiro mandante.”


Não houve, portanto, acobertamento. Houve até uma certa leviandade na disseminação da informação. Como tantas outras informações importantes da presente crise de corrupção, não foi algo que os jornais ou revistas apuraram, mas algo que lhes chegou às mãos. Nunca de forma desinteressada, o que deveria fazer os editores pensarem duas vezes, pelo menos uma, antes de passar adiante essas informações.


A Folha de S. Paulo de sábado, 25 de março, dia em que a Veja circulou, voltou a trazer a informação (pág. A7, Sheila D´Amorim) : “Já na Fazenda, circularam rumores de que o assessor especial de Palocci, Marcelo Netto, seria afastado do cargo, o que gerou uma reação no ministério. A avaliação era que, se saísse, ele assumiria a culpa pelo vazamento, o que, segundo fontes do governo. ´não há como comprovar´. Além disso, mesmo que fosse identificado como culpado, como não tem acesso aos dados bancários da Caixa, ele não poderia sair sem que os responsáveis pela quebra do sigilo na instituição também fossem punidos”.



Carta Capital, edição que circulou no mesmo dia (“Palocci balança”, por Leandro Fortes e Sergio Lirio):


O extrato de Francenildo Costa foi entregue à sucursal da revista Época na sexta-feira 17, acreditam integrantes da CPI, pelo principal assessor de imprensa do ministro, Marcelo Netto, experiente jornalista com longa carreira na direção da TV Globo em Brasília. Foi publicado imediatamente no blog mantido pela Editora Globo na internet. Carta Capital procurou Marcelo Netto, mas ele não se pronunciou a respeito”.


A Época tentou transformar a derrota da semana anterior – por sinal registrada pelos “irmãos desavindos ” TV Globo e O Globo –, em vitória. No segundo parágrafo da reportagem “O inferno de Palocci”, assinada por Gustavo Krieger, da edição atual, lê-se:


“Na semana passada, a situação de Palocci se complicou ainda mais depois que Época divulgou o conteúdo de extratos bancários do caseiro Francenildo dos Santos Costa”.


Ou seja: segundo Krieger, a revista, ao contrário do que se poderia deduzir racionalmente, não colaborou numa tentativa de desmoralizar Francenildo (lembrar que o título da reportagem era, com gerúndio e tudo, “Quem está dizendo a verdade? Extratos bancários mostram depósitos em dinheiro na conta do caseiro que acusa Palocci”). O que se afirma no trecho acima é que a publicação da informação sobre a conta do caseiro ajudou a deixar o ministro da Fazenda em posição difícil. Mas isso só aconteceu porque muita gente pôs a boca no trombone. Se tivesse dependido só da revista, o caseiro estaria frito.


A Época não diz como lhe chegou o extrato bancário. Seja lá quem tenha sido seu fornecedor, ela tem compromisso com a preservação da fonte. O que a Época fez de interessante, inadvertidamente, foi passar recibo da maneira como lhe chegou a cópia do documento sigiloso do caseiro:


“A revista recebeu os papéis durante a apuração da crise de alguém que não teria condições de ser o autor da quebra de sigilo”. (Traduzindo, para melhor compreensão: durante a apuração da crise, a revista recebeu os papéis de “alguém que não teria condições”, etc. E não “apuração da crise de alguém”…)


A própria Veja, na sua parte noticiosa e analítica, não tem a mesma certeza exibida por Diogo Mainardi:


Veja (“O ´Paloccigate´ e a morte da ética”, Julia Duailibi e Otávio Cabral):


Não há sinal de que o ministro Palocci tenha tido um envolvimento direto no caso, mas existem suspeitas de que o rastro dessa violação constitucional chega à soleira da porta de seu gabinete. A CPI dos Bingos, que investiga o caso, trabalha com a informação de que a Caixa mandou um fax do extrato do caseiro ao jornalista Marcelo Amorim Netto, assessor de imprensa de Palocci, que se encarregou de fazê-lo chegar à redação da revista Época, que publicou o caso como ´denúncia´ contra o caseiro, e não como imoralidade patrocinada pelo governo. Netto trabalha com Palocci desde os tempos da transição de governo, em 2002. Tem sala contígua à do ministro e, à exceção dos assessores econômicos, é seu auxiliar mais próximo. Não se conhecem ainda os meandros da operação nem o papel exato do jornalista, mas já se sabe que, na noite de quinta, Palocci tinha a informação de que o caseiro recebera somas altas na sua conta bancária”.


Lamento ter tomado o tempo do leitor com um tópico em que o protagonista é Diogo Mainardi. Mas não se pode ficar inerme diante do denuncismo infantil e maroto que ele pratica para “esquentar” sua coluna. E cabe repetir: o problema não está em Mainardi, está em seus editores. Mas esse é outro assunto.