O ex-deputado José Genoino quebrou hoje o silêncio público que se impôs desde a sua renúncia da presidência do PT sob a força de fatos arrasadores.
O artigo ‘Agradecimentos e explicações’ com que se despede do espaço que ocupava um sábado sim, outro não, na página de Opinião do Estado de S.Paulo desde 1995 começa por revelar o que poucos leitores – muito menos o público em geral – hão de saber: a sua proximidade pessoal com o diretor do jornal, Ruy Mesquita, um dos principais articuladores civis, na frente paulista, do golpe de 1964.
Depois de contar como conheceu o dr. Ruy e de lembrar o convite que este lhe fez para colaborar regularmente com o jornalão – houve época em que os únicos dois petistas a escrever no Espaço Aberto da página 2 eram ele e Frei Betto (os artigos deste último provocavam réplicas imediatas e agressivas na página ao lado, a dos editoriais) – Genoino revela que ‘no contexto da crise que atingiu o PT, encontrei no dr. Ruy confiança e solidariedade’.
Os estudiosos da brasilidade nunca jogarão fora o seu tempo ao pesquisar e tornar a pesquisar o papel decisivo dos fatores subjetivos no relacionamento de qualquer natureza entre os brasileiros e no julgamento de uns a respeito de outros. O caso Ruy-Genoino é de livro de texto.
Para usar um lugar-comum, creio não estar cometendo nenhuma inconfidência ao lembrar a segunda-feira, por volta de 1994, em que me encontrei com o habitualmente inflamado político petista no programa de TV Gazeta Meio-Dia.
Depois do forte abraço entre nós, que expressava um afeto recíproco nascido anos antes das discussões políticas em frente a uma banca de jornal no bairro paulistano de Pinheiros, ele se voltou para mim com os olhos brilhando: ‘Você não sabe com quem jantei ontem!’ E logo emendou: ‘Com o Ruy Mesquita’. Ele tinha sido apresentado ao contundente anti-petista por uma amiga comum (cujo nome, delicadamente, omitiu). Mas não omitiu que um foi com a cara do outro.
Também espero não estar traindo a fonte que me confidenciou, já não me lembro quando, que pelo menos uma vez Ruy Mesquita votou em Genoino para deputado federal.
As palavras que faltaram
A segunda parte do artigo, a das ‘explicações’, é mais complicada. Leitores que não conheçam Genoino pessoalmente ou, conhecendo, não sintam nada em especial por ele, terão motivos pelo menos razoáveis para não comprar pelo valor de face as tais explicações.
Uma: ele não escolheu nem os avalistas nem os bancos que emprestaram ao partido que presidia. Outra: ‘Sobre as demais transações financeiras […] não tive nenhuma participação ou relações nos detalhes, nas formas e nos montantes dos recursos. [Grifo meu]. Ou seja, participação zero ou quase nas operações com Valério.
Outra explicação ainda, combinada com uma acusação: nada teve com seja lá o que tenha feito o seu irmão José Nobre Guimarães [referência ao episódio dos dólares na cueca do assessor deste] e a imprensa cometeu injustiça e transgrediu a ética ao ligá-lo ao caso, improcedentemente, ‘pelo simples fato de ser meu irmão’.
Sobre o fato, apurado pela imprensa, de que câmaras internas flagraram a presença de Genoino no hotel onde o assessor do irmão estava hospedado em São Paulo, depois de ter sido solto pela Polícia Federal, nenhuma palavra.
Nenhuma palavra também sobre o ‘pequeno assassinato’ que a CPI dos Correios e a imprensa tentam elucidar: o dos R$ 29 mil que saíram da conta do PT quando Genoíno era presidente e foram lançados como dívida do seu então presidente de honra Luiz Inácio Lula da Silva.
A cada dia, o episódio está ficando ‘mais e mais curiosamente’, como diria a Alice do país das maravilhas. Genoino ainda chefiava o PT quando o atual presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, teria quitado a dívida, depositando dinheiro vivo em nome de Lula para o PT em quatro agências diferentes do Banco do Brasil em São Paulo – em nenhuma das quais a agremiação tinha conta. As suspeitas de que o onipresente Marcos Valério tem a ver com isso são ensurdecedoras.
Nenhuma palavra também sobre a versão explosiva de Duda Mendonça sobre quem pagou e onde foram pagos os seus serviços para eleger Lula.
‘Somente depois de amadurecer uma compreensão criteriosa desses acontecimentos tristes para a vida política brasileira’, termina Genoino, ‘decidirei sobre os caminhos a trilhar no futuro’.
De coração entristecido, desejo-lhe que o seu amadurecimento dê frutos robustos e que os caminhos que ele decidir trilhar o conduzam ao que, apesar de tudo, ele tem tudo para ser (ou voltar a ser): um paradigma de político ético, de posições firmes, mas sempre pronto para se entender com os adversários, em favor do interesse coletivo.