As cartas estão na mesa no jogo do jornalismo. Uma pesquisa com 9 mil pessoas em sete países – Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Alemanha, França, Itália e Austrália – divulgada no 60º Congresso Mundial de Jornais, na Cidade do Cabo, África do Sul, confirmou o que os estudiosos de mídia vêm dando como certo já há um bom tempo: a maioria das pessoas utiliza a televisão, internet e o rádio – nessa ordem – como fontes primárias de informação.
E lêem jornais e revistas para entender o mundo e formar opinião. São percebidos, diz Douglas Griffen, o diretor da empresa Harris Interactive, responsável pela pesquisa, “como um espaço vital para checar as informações obtidas na mídia eletrônica”.
O levantamento corrobora a tese de que o futuro da imprensa escrita dependerá cada vez mais de sua capacidade de ir além dos fatos brutos, ampliando e traduzindo a letra miúda, por assim dizer, dos acontecimentos.
O trabalho – que impõe ao profissional o desafio de ter feito a lição de casa, usar a cabeça e falar com as fontes certas, tudo no ritmo próprio do jornalismo diário – pode assumir uma infinidade de formas, conforme, entre uma infinidade também de fatores, a presumível e variável familiaridade do público com o tema de que se ocupará.
Às vezes se trata de explicar ao leitor – brasileiro, por exemplo – a diferença entre gol e meta.
Foi o que fez hoje, num texto 10, o editor, não de futebol, mas de Ciência, da Folha de S.Paulo, Claudio Ângelo, para trocar em miúdos, com a ajuda de um não identificado especialista brasileiro, a morna decisão dos poderosos países do G8, reunidos na Alemanha, sobre o combate ao aquecimento global.
Matérias como essa são o mapa do caminho que, seguido à risca, levarão a imprensa escrita à longevidade com boa saúde.
Confiram:
“No que depender da declaração de ontem do G8, as negociações no âmbito das Nações Unidas sobre o substituto do Protocolo de Kyoto vão continuar emperradas. Segundo um especialista brasileiro no assunto, o texto aprovado pelo clube dos países ricos é uma vitória de George W. Bush, que chegou à Alemanha como alguém a ser constrangido e saiu de lá constrangendo (o mundo).
O que a declaração tem de bom – a frase ‘reduções substanciais de emissões globais’- não é novo: isso já havia sido acordado pelo G8 em sua reunião de 2005.
E o que ela tem de novo não é bom. A mão grande de Bush (mais precisamente, de Jimmy Connaughton, seu conselheiro para temas ambientais) no texto acordado em Heiligendamm se faz presente na seguinte passagem: ‘Ao fixarmos um objetivo global para a redução de emissões no processo que acordamos hoje envolvendo todos os maiores emissores, nós consideraremos seriamente as decisões tomadas pela União Européia, pelo Canadá e pelo Japão, que incluem pelo menos reduzir à metade as emissões globais em 2050’.
A declaração aparentemente comprometida com a causa ambiental esconde uma perversidade semântica: ‘objetivo’, ou ‘goal’, em inglês -palavra que pode ser entendida como um desejo de ver algo realizado algum dia- é diferente da palavra que a UE gostaria de ver impressa ali: ‘meta’ (em inglês, ‘target’), ou seja, uma proposta quantificada de fazer algo num dado prazo.
Foi ‘goal’ a palavra que Bush usou na última quinta-feira, quando mudou seu discurso sobre o clima sem mudar sua posição. Foi ‘goal’ a palavra que a diplomacia americana emplacou na declaração pífia do G8.
‘É mais ou menos a diferença entre você dizer que tem o objetivo de acabar com a pobreza na África e fazer um cheque para eles’, comparou Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace Brasil.
Para não dizer que não há nada na declaração, há um sinal importante: ela reconhece que a Convenção do Clima precisa chegar a um acordo global em 2009 para substituir o Protocolo de Kyoto, e que os grandes emissores do mundo subdesenvolvido deverão participar do processo.
Mas isso não basta para dar vida ao acordo pós-Kyoto, que deveria se desenhar no fim deste ano em Bali, na reunião da Convenção do Clima da ONU. Como é difícil obter uma decisão importante num grupo de 180 países, havia a esperança de que os maiores emissores do mundo apontassem um caminho a ser seguido.
Mais uma vez, George Walker Bush impediu que isso acontecesse.’
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