Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Época e o sigilo do caseiro

Eis trechos das falas de ontem à noite no programa de televisão do Observatório da Imprensa (ver também o tópico ‘A Época, o ministro e o caseiro’, no programa de rádio de hoje).


Do editorial lido por Alberto Dines no programa de ontem (4/4):


‘A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo (….) escancarou um debate que este Observatório começou a provocar nas suas primeiras edições, ainda em 1998 (*). É correta a divulgação pela mídia de informações que ela não investigou e lhe foram “sopradas” por interesses escusos? Mais especificamente, a revista Época agiu de forma apropriada ao revelar as informações que lhe foram passadas pelo governo sobre a movimentação bancária do caseiro Francenildo? Difícil chegar a um consenso. Mais fácil, e mais auspiciosa, é a constatação de que essa discussão tornou-se pública porque pela primeira vez o veículo concorrente, no caso a Veja, resolveu questionar com veemência os procedimentos do seu rival. Quando a imprensa esquece os pactos de silêncio e põe a boca no trombone para contestar os métodos do concorrente, quem ganha é a sociedade”.


(Clique aqui para ler a íntegra.)


(*) Em oito anos, o Observatório da Imprensa discutiu em 15 programas o uso de grampos e fitas sem autorização da Justiça e sem a devida apuração.


Maurício Azedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa:


“O que deve decidir a publicação ou não é o interesse público. No caso da publicação do extrato do caseiro Francenildo ficou claro que essa iniciativa atendeu ao interesse público. Porque se o extrato não fosse publicado teria sido mantida na surdina e subterraneamente a decisão, esta sim imoral e antiética, de autoridades do primeiro escalão da República, como o ministro da Fazenda e o presidente da Caixa Econômica, de obterem de forma ilegal, fraudulenta, com abuso de poder, uma informação sobre o caseiro”.


Gabriel Manzano Filho, repórter do Estado de S. Paulo:


“A revista perdeu uma chance de fazer uma grande matéria (….) a respeito de uma investida de um poder público super-poderoso, contra um cidadão indefeso, praticada por altíssimos funcionários do Executivo federal. De qualquer maneira, está claro que a revista poderia ter feito a matéria bem diferente, e não aquela que fez, em que realmente ficou a serviço dos denunciantes”.



Tales Faria, jornalista:



“É muito difícil, na nossa posição de repórter, a decisão em cima do laço. Não creio que a gente vai sair desta discussão nunca com uma certeza quanto a estarmos certos ou errados. Nós nos dirigimos, no trabalho de repórteres, pensando o seguinte: estamos a serviço do leitor, do cidadão. Quanto mais informações levarmos ao cidadão, melhor estamos fazendo o nosso trabalho.


Às vezes se coloca diante de nós uma informação que não foi obtida de maneira ortodoxa. Esse é o momento em que o repórter treme. Tem que tomar uma decisão.


Acho que a revista Época tomou a decisão certa. Levou ao leitor o que tinha que levar. A informação de que o caseiro tinha dinheiro na conta. Não acho que esteja esclarecida de forma alguma a questão do caseiro, se houve ou não alguma relação dele com a oposição.


A única dúvida com que eu fico é se não seria o caso de ela revelar a fonte, que, nesse caso, agiu contra a cidadania. Mas é uma discussão complicada. Não estou dizendo que esteja clara na minha cabeça”.



Hélio Gurovitz, diretor de Redação da Época:


“Esse tipo de decisão não é fácil. Têm sido ditas uma série de inverdades e feitas uma série de especulações sobre a forma como essa matéria foi conduzida e publicada que é preciso esclarecer. Nós não publicamos a íntegra dos extratos. Publicamos o conteúdo, conversamos com o advogado do caseiro, que não sabia da existência daquele valor na conta do caseiro. Ele próprio tomou a iniciativa, alguns minutos depois, de telefonar para a sucursal [de Brasília] e dizer que era real, e que tinha sido um depósito realizado pelo suposto pai biológico. Isso está publicado.


Do ponto de vista ético eu acho qualquer ataque à posição da revista inadmissível.


Admitimos críticas. Ao texto, a como… [foi editado]. Não há, em termos de princípios, nenhum ponto que permita nos atacar.


Quanto a revelar ou não a nossa fonte, a resposta é claríssima: não. Porque não somos investigadores, não somos a polícia do Estado. A partir do momento em que a imprensa passa a ser usada como braço investigador do Estado, torna-se refém. É o que aconteceu nos Estados Unidos com o caso da Valerie Plane, que levou à prisão a jornalista Judith Miller. Ela [Judith] se recusou a revelar a fonte. As matérias que ela tinha publicado eram ruins, até falsas, do meu ponto de vista. E a fonte que tinha passado as coisas para ela evidentemente era alguém que tinha interesse, tinha cometido delitos, de acordo com a lei americana. Agora, a questão de princípios deve se aplicar justamente aos casos limites, e não aos casos em que todo mundo concorda. É muito fácil se defender o sigilo de fonte quando a fonte é boazinha e quando a matéria está perfeita, correta. Princípios não existem para esses casos. Existem para ser defendidos nos casos limites.


E eu considero que foi um desses. O que constava para nós na ocasião? Era uma fonte que estava envolvida, e as informações eram verdadeiras, foram checadas. O outro lado foi ouvido.


A partir daí, do ponto de vista da ética há pouco que possamos fazer.


Vejo com certo temor esse ataque contra a revista para que nós entreguemos as nossas fontes. Isso é perigoso para a imprensa como um todo. Nos Estados Unidos, depois do caso Valerie Plane, os repórteres estão com medo de anotar nomes no caderninho. Não podemos nos sentir coagidos a imaginar que tudo aquilo que vamos apurar está sujeito a ser entregue para a polícia. Muito embora tenhamos colaborado com a polícia. Entregamos os documentos, oficiamos, direitinho, mas não revelamos fontes.


No momento do fechamento da matéria não estava claro se aquela informação tinha sido obtida por meio legítimo ou ilegítimo. Tanto que a própria revista Veja, que nos atacou na semana seguinte, publicou a informação levantando suspeição sobre o caseiro e não questionou a legitimidade da obtenção daquela informação. Isso veio à tona no dia seguinte. É muito fácil ser comentarista de videoteipe, depois que o jogo acabou.


Acho que as decisões foram corretas e eticamente não cometemos nenhum vacilo. Acho que existe muito barulho, mas na prática não vejo onde a revista tenha cometido algum erro. Ao contrário. Acho que ela prestou um serviço. Na semana seguinte revelamos o código do extrato. Hoje sabemos quem quebrou o sigilo. Não saberíamos se não tivéssemos publicado”.


Carla Rocha, repórter do Globo:


“Jornalista não inventa a roda. Os procedimentos são sempre os mesmos. Não importa se se parte de uma fita, de uma declaração boa, se se tem um documento obtido em cartório. O processo todo de apuração não muda. Julgar a forma como a Época tratou essa informação é muito difícil para quem está de fora, porque não se sabe em que condições a Época recebeu esse extrato, quem foi a fonte, qual a confiabilidade dessa fonte. Não temos todos os elementos para fazer uma análise mais criteriosa, que a Época merece.


No entanto, em linhas gerais a cobertura é sempre igual. O jornalista é um cidadão que tem uma certa obsessão pela verdade. Parte de uma fita, uma declaração, um bom documento, e aquilo é o início de uma investigação, de forma nenhuma é matéria pronta para ser publicada. É o início de um trabalho de apurar aquela informação até se formar uma convicção de que se tem um material seguro, com o qual se dará uma informação de relevância para o leitor, e que se contemple todos os lados da história, se faça um trabalho equilibrado, procurando seguir a ética o mais próximo possível. É uma utopia boa de se perseguir”.