Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A espionagem sexual da NSA dos Estados Unidos

Caiu por terra a explicação da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, nas sigla em inglês) de que o monitoramento de redes sociais e do correio eletrônico visa apenas a coleta dos chamados metadados. No fim da última semana de setembro, a NSA confirmou 12 incidentes em que cinco funcionários da agência praticaram o que no jargão dos espiões é chamado de LOVEINT, ou seja, inteligência do amor, desde 2003.

O informe oficial da NSA entregue a um senador norte-americano diz que os cinco agiram por conta própria e foram transferidos para outras atividades da inteligência, mas nenhum deles foi processado criminalmente por violar as leis sobre privacidade vigentes no país. O reconhecimento oficial de que houve violação dos conteúdos de mensagens pessoais anula a alegação de que a observação das redes e dos e-mails visa apenas a coleta de dados sobre a circulação de mensagens e não sobre o teor das mesmas.

Esta era a suspeita existente desde que o ex-funcionario da CIA Edward Snowden entregou ao jornalista Glenn Greenwald documentos comprovando a prática de espionagem norte-americana na internet. A credibilidade das explicações da NSA, que já era baixa, caiu agora a zero com o reconhecimento de que funcionários seus usaram os programas de monitoramento de páginas na web para bisbilhotar mensagens e relacionamentos de namoradas, amantes e maridos suspeitos de traição ou de negócios ocultos.

As punições aos responsáveis foram basicamente administrativas, indicando que a agência não considerou graves os atos praticados, mesmo sendo eles proibidos pela Constituição norte-americana. Esse tipo de conduta mostra que outros incidentes podem ter ocorrido com ou sem o conhecimento da NSA, tanto dentro como fora dos Estados Unidos, já que a internet não tem fronteiras e quase todo o tráfego internacional de mensagens na web passa por servidores norte-americanos.

O caso da espionagem nas redes sociais e correio eletrônico é muito mais grave do que tem sido divulgado pela imprensa porque não é apenas uma questão de privacidade individual e nem de soberania nacional. É um novo tipo de conflito onde os interesses não são mais geograficamente localizados, e onde o essencial é prever com precisão o que oponente fará ou poderá fazer.

A decisão da presidente Dilma Rousseff de adiar uma visita oficial dos Estados Unidos depois de descobrir que foi alvo da espionagem eletrônica norte-americana ganhou relevância diplomática não porque foi uma demonstração de soberania, mas porque ela foi um dos raros chefes de Estado a colocar a guerra da informação na agenda internacional. O tema foi escamoteado pela imprensa como sendo uma trapalhada de espiões, o que impediu a opinião pública de tomar consciência da real dimensão da questão.

Com os metadados, é possível prever, com vários meses de antecedência, onde e como será a próxima explosão de protestos populares em qualquer país do mundo. Os metadados, que são dados sobre intensidade e direcionamento de mensagens de correio eletrônico, por exemplo, permitem construir gráficos (graphs) digitais onde é fácil visualizar tendências, mesmo quando elas ainda não foram detectadas por nenhum observador humano.

Outra característica pouco discutida em toda esta polêmica envolvendo a NSA é que, ao contrário da espionagem convencional, ela exige equipamentos relativamente simples e programadores cujo perfil em nada lembra os agentes 007. Assim, nada impede que outros países comecem também a espionar funcionários e empresas norte-americanas, o que nos leva a outro patamar do problema: como lidar com generalização da arapongagem?

As leis nacionais a internacionais não estão adaptadas ao novo ambiente digital e provavelmente ainda vai tardar para que surja uma legislação adequada. A internet mudou o contexto que tradicionalmente regia a avaliação de violações da privacidade. Há muitos estudiosos da web que duvidam da possibilidade de a privacidade online algum dia ser normatizada. Nessas condições sobra apenas um recurso: a ética não regulamentada. O norte-americano Lawrence Lessing, um especialista em ética cibernética, a define da seguinte forma: “Eu sei que posso fazer mas não farei porque, ao fazer, darei aos demais o direito de também fazer, e aí temos o caos”.