Deve ter sido um trabalho insano, que requereu paciência chinesa, mas o sacrifício valeu a pena. Seu resumo está na edição da revista norte-americana Fortune, edição de 14 de fevereiro, p 24, na página que fala do livro Expert Political Judgment: How Good Is It? How Can We Know?, que pode ser livremente traduzido para Julgamento Político do Especialista. Ele É Bom Mesmo? Como Nós Podemos Saber?.
O artigo da revista apresenta a obra do professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, Philip E. Tetlock, que colheu vaticínios dos chamados especialistas publicados na imprensa, e deu-se ao trabalho, posteriormente, de conferir se as projeções corresponderam aos fatos. No total, foram esquadrinhadas 82.361 opiniões que continham números ou quantias, que, passado o tempo hábil, foram comparadas com as estatísticas reais. A conclusão do estudo do professor Tetlock é fantasmagórica: os especialistas, na realidade, não existem.
Em resumo, o estudo revela que os especialistas são tão aptos para prever o futuro quanto os leigos na matéria. ‘Isso não quer dizer que os especialistas não sejam diferentes de você e eu’, escreve o jornalista da Fortune, Geoffrey Colvin. ‘Eles são diferentes. Eles são, por exemplo, muito mais confiáveis do que os que não são especialistas, embora não haja alguma razão de ser’.
Mas se eles são absolutamente normais e com a mesma capacidade de antever o futuro dos seres humanos normais, por que eles existem?, pergunta a Fortune. A revista responde que essa crença deve-se à própria natureza humana. ‘Nós precisamos acreditar desesperadamente que o mundo não se resume a um grande jogo de dados, que todo fato tem sua razão de ser e que, portanto, pessoas mais esclarecidas podem apontar o que irá acontecer’.
A segunda resposta à pergunta, continua a Fortune, afeta principalmente os meios de comunicação. ‘A desgraça que cai sobre os experts analisados por Tetlock é mais ou menos a mesma, sejam eles doutores ou bacharéis, não importando se têm pouca ou muita experiência ou acesso a informações privilegiadas. Há apenas uma visível diferença entre eles – a fama. Quanto mais eles são conhecidos, mais furadas são as suas previsões. E, naturalmente’, reconhece o autor do artigo, ‘somos nós da TV, rádio, jornais, revistas e da internet que lhes concedemos a fama’.
Transportando o estudo do professor Philip Tetlock para a realidade brasileira, o fantasma é ainda mais assustador. Na falta de notícias, como ocorreu nos primeiros dias deste ano, a mídia recorre às previsões de videntes de todos os tipos, com estranha predileção pelos do mercado financeiro – os mesmos que, com freqüência e desinteressadamente, anunciam suas expectativas sobre os juros a cada véspera de reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária.
O que se encontra nos jornais e revistas brasileiros em nada se compara com o cuidado com que jornais mundialmente respeitáveis, como o The Wall Street Journal, têm com a divulgação de previsões econômicas de ‘especialistas’. Nosso desvio de conduta é ainda mais devastador, na medida em que basta a reunião de meia-dúzia de opiniões – todas, naturalmente, desinteressadas – para que se transforme em ‘tendência’.
O citado The Wall Street Journal é muito mais escrupuloso. Primeiro, por qualificar os entrevistados pelo que realmente eles são – e não especialistas, analistas, consultores ou qualquer outra palavra que esconda a profissão e postos reais dos senhores da opinião. Outra notável diferença é que o Wall Street informa, logo nas primeiras linhas da reportagem, quantas pessoas foram entrevistadas para sustentar ou não a ‘tendência’ por eles indicada.
No Brasil, não é bem assim. Os erros constantes dos nossos analistas – que nem por isso deixam de ser ouvidos – são motivo de piada, como a contada por Bussunda, do Casseta & Planeta, em homenagem ao seu irmão, Sérgio Besserman, ex-diretor do IBGE.
A anedota começa com uma pergunta de fundo capilar:
‘Sabe por que a maioria dos economistas brasileiros famosos é careca ou tem pouco cabelo?’
‘De tanto passar a mão na cabeça, dizendo: Caramba, errei de novo!´