Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A estratégia da socialização da vergonha nacional

A goleada histórica sofrida no Mineirão talvez acabe mostrando que o improvável também pode acontecer fora do futebol. Terminada a partida contra a Alemanha, os comentaristas políticos na imprensa brasileira começaram a especular sobre as possíveis consequências eleitorais após o fracasso da equipe de Felipão.

As principais manchetes dos jornais brasileiros no dia seguinte ao adiamento do sonho do hexa batiam na tecla da vergonha nacional. Destacar um sentimento como este equivale a transformar todos os brasileiros em protagonistas de um fracasso, que na verdade foi basicamente da equipe técnica e cartolas da CBF, dos jogadores, das empresas que esperavam faturar muito, dos publicitários e executivos da mídia que levaram quase 200 milhões de brasileiros a dar como certa a conquista de uma sexta estrela na camiseta verde e amarela.

Socializar a vergonha e humilhação gera inevitavelmente acessos de mau humor e irritação que seguramente contaminarão o estado de espírito dos brasileiros nos próximos dois meses, justamente o período pré-eleitoral. Antes da Copa do Mundo, a imprensa se esmerou na tentativa de criar um clima de pessimismo diante da perspectiva de um caos materializado na expressão “Imagina na Copa” .

O pessimismo construído pela imprensa em torno da organização da Copa não contaminou a atuação de repórteres e comentaristas na cobertura dos preparativos da seleção. A equipe de Felipão foi blindada pela imprensa até o jogo contra a Alemanha. Mas o caos previsto pelos seguidores do espírito "Imagina na Copa" acabou não acontecendo. O Mundial acabou se transformando numa grande festa elogiada em todo o mundo, o que contribuiu para elevar a autoestima e o astral dos brasileiros.

Os sete gols sofridos no jogo da Alemanha provocaram uma reviravolta nesta situação. Os principais jornais brasileiros e a TV Globo abandonaram a cumplicidade com a equipe técnica da CBF ao mesmo tempo em que passaram a usar o argumento da humilhação para acabar com o efêmero bom humor do inicio da Copa. Esta não foi a única vez que fracassamos numa Copa do Mundo, mas é inegavelmente a primeira em que houve tamanha mobilização da opinião pública neste tipo de evento.

Até os mais remotos rincões do Brasil foram incorporados ao marketing massivo de empresas como a Ambev, que deslocou telões por mais de 700 vilarejos do interior para que as pessoas vissem os jogos do Brasil, sob o slogan “Onde tem Brasil tem Copa. E onde tem Copa tem que ter festa”.

Vamos começar a campanha eleitoral sob o estigma da baixa estima e da frustração, o que seguramente criará o caldo de cultivo para cobranças e protestos. Mensagens no Facebook logo depois da tragédia do Mineirão eram inequívocas: “Mas o pior ainda vem por aí. A campanha eleitoral”, dizia uma mensagem postada horas depois do fim do jogo.

Num clima como este, a corrida eleitoral passa a ser uma incógnita. A vantagem da presidente Dilma nas pesquisas de intenção de voto, que parecia sólida, pode virar fumaça, porque estamos numa era onde as convicções pessoais mudam ao sabor do conteúdo de mensagens na internet.

Derrotar a presidente Dilma não vai mudar quase nada na política brasileira, porque os políticos hoje se diferenciam mais pelo marketing do que pelos projetos. Nas promessas eleitorais eles podem até ser diferentes, mas, uma vez empossados, acabam todos rezando pela mesma cartilha, porque a estrutura da maquina burocrática estatal e da economia do país é muito mais forte do que a ideologia dos partidos.

Mas a catarse dos eleitores humilhados pode fazer com que o improvável e tido como inevitável aconteça também fora dos estádios. Esta é mais ou menos a mensagem que a imprensa está transmitindo à opinião pública nacional, como pode ser visto nos principais editoriais e análises de comentaristas políticos nos dias seguintes à goleada do Mineirão.