Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A fala de um político de fino trato

Se você tiver de ler uma e apenas uma matéria política dos jornais de hoje, não tem erro: vá à entrevista, que ocupa toda a última página do Valor, com o ministro de Relações Institucionais, Jacques Wagner, assinada pelos repórteres Paulo de Tarso Lyra e Maria Lúcia Delgado.

Pela importância dos assuntos tratados – que cobrem toda a atual pauta política e econômica nacional –, pela qualidade das perguntas, pela inteligência das respostas e pelo contraste entre elas e o palavrório crispado, abaixo da linha da cintura, da imensa maioria das recentes manifestações de governistas e oposicionistas.

Para quem não conhecia o seu nível e o seu estilo, o petista baiano não tem nada do toniturante Wagner compositor alemão: não só é um político ponderado, como também de fino trato – uma coisa e outra artigos escassos nas prateleiras de Brasília.

A página só tem um defeito: o título – “Jacques Wagner diz que chance de Lula desistir é real” – que erra o prenome do entrevistado e vai além do que ele afirmou quando lhe perguntaram se considera possível o presidente não se recandidatar.

Wagner admite a possibilidade (“Só estou dizendo que o presidente está fazendo uma reflexão verdadeira, não é jogo de cena’), mas deixa claro que, ao fim e ao cabo, tenderá a prevalecer a “responsabilidade que [Lula] tem com a realidade brasileira”.

Agora, não adianta eu recomendar a leitura de determinado texto se o jornal que o publicou só abre a sua edição on-line aos assinantes e não é propriamente o mais fácil de encontrar nas bancas pelo país afora.

Por isso, pela segunda vez em pouco tempo, republico aqui material saído no Valor [ver “A gente não quer só comida”, de 9/12].

Especializado em economia, mas com um noticiário político quase sempre de alto gabarito, o jornal só teria a ganhar prestígio entre o público em geral – e mais leitores fiéis – se liberasse o acesso à sua edição on-line, como fazem, entre os grandes, o Globo e o Jornal do Brasil.

E, de quebra, me pouparia o trabalho de selecionar, copiar e colar no meu blog, acrescentando os diversos sinais do código que o leitor não vê, mas sem os quais nada sai na Internet, aquelas suas matérias que agregam valor – com perdão do jogo de palavras – à cobertura dos fatos políticos. Como esta:

Valor: O senhor acha possível votar o Orçamento ainda este ano?


Jaques Wagner: Para nós, interessa votar este ano. Não tem nenhuma hecatombe se não votar, mas eu acho muito ruim fechar o ano sem apreciar o Orçamento. Preferia que o Congresso estendesse seus trabalhos até 30 de dezembro. O pessoal da Comissão de Orçamento tem dito que teria capacidade de votar até o dia 23 ou 28 de dezembro. Preferia que votasse, senão complica trabalhar com duodécimos, restos a pagar. No PSDB, me disseram que não há nenhum objetivo de obstruir a votação. Eu não consigo entender qual o objetivo de não votar. As previsões de investimentos incluem emendas de bancada, temas de interesse de deputados, de senadores, de governadores. Quando a luta política ultrapassa o bom senso não é razoável.


Valor: A oposição acusa o governo de não cumprir promessas, como o ressarcimento da Lei Kandir.


Wagner: Os governadores sabem que uma parcela da Lei Kandir está prevista para agora, em dezembro. Não devem ir os R$ 900 milhões inteiros. É possível que o governo tenha condições de aportar R$ 500 milhões. Mas já é uma boa notícia para o fim de ano.


Valor: Nesse jogo também há o interesse em forçar o funcionamento do Congresso no recesso?


Wagner: Nós temos interesse que haja o recesso normal. Até porque este foi um ano duro, está todo mundo com sua cota de trabalho bastante intensa. De qualquer forma, as CPIs têm autonomia para continuar funcionando, independente de convocação. O governo não fará convocação extraordinária. Os líderes estão tentando uma saída jurídica – ainda não conseguiram – de o Conselho de Ética funcionar. Quero deixar uma posição clara: nós não vamos convocar.


Valor: Essa questão do Orçamento é mais um aprendizado para o PT, que defendeu a obstrução quando era oposição?


Wagner: Cada um tem o seu papel. Quem é governo joga de um jeito, quem é oposição, joga de outro. Quando você é pai, você joga de um jeito, quando você é filho joga de outro. O pai controla, o filho quer liberdade. Eu tenho uma tese. A partir de 2007, a democracia brasileira ficará melhor e mais madura. Não é porque teve o governo Lula. Quando chegar 2007, todas as grandes forças políticas nacionais, em termos partidários, terão passado pelo papel de pai e filho. Ninguém será mais oposição como foi, nem será governo como está sendo ou como foi. O amadurecimento é recíproco.


Valor: Durante a crise, mais de um interlocutor do governo falou sobre ‘ajustes na condução da economia’. O que isso significa?


Wagner: Não há hipótese de mudança na direção do caminho. Não mudamos em seis meses de turbulência, e poderíamos ter mudado. A coisa mais fácil para qualquer consultor político era dizer: ‘Presidente, libera o cheque e verá como todo mundo vai ficar alegre, metade da raiva vai passar’. Não fizemos isso. A meta de 4,25% (de superávit primário) está decidida para este ano, está decidida para o ano que vem. O que pode acontecer? Começou a chover, diminui a velocidade, para não derrapar. O terreno secou, aumenta a velocidade porque está mais seguro. Mas estamos na mesma direção, no mesmo sentido.


Valor: Que ajustes pontuais são esses?


Wagner: Eu estou preferindo não tocar neste assunto, tem tempo que não falo de economia.


Valor: Mas isso afeta sua área, ministro, a da política. O presidente fala ‘não há mudanças’, Palocci e Meirelles confirmam, e aí o Guido Mantega (presidente do BNDES) e o Sérgio Gabrielli (presidente da Petrobras) criticam. O PT aprova nota contra a política econômica.


Wagner: Eu acho ruim todo debate público de integrantes do governo. O debate é absolutamente aberto entre parlamentares, sociedade civil, empresários. Mas, membros de governo discutem internamente. Quem toma a decisão é o presidente.


Valor: Então podemos entender ajuste apenas como dosagem?


Wagner: É o que o próprio ministro Palocci falou. Pilares da economia – âncora fiscal, câmbio livre, metas de inflação – não mudam. De zero a dez, é zero a chance de o Palocci sair do governo.


Valor: Não causa constrangimento o fato de a oposição defender com mais ênfase a política econômica do que o PT? Como administrar esse fogo amigo, no seu posto?


Wagner: Acho que temos um problema aí. Não me interessa dizer de quem, porque aí não ajuda no debate. Mas, na minha opinião, existem coisas tratadas tecnicamente e outras que viraram um dogma. Eu não tenho obsessão ou dogma pela política econômica. Eu meço pelo resultado que ela me oferece. O resultado dos últimos oito trimestres é altamente positivo. Não é o céu, mas é positivo.


Valor: O PT filho era imaturo sob o aspecto econômico?


Wagner: Chegamos ao governo federal com maturidade infinitamente menor. Você vai amadurecendo, sem perder o norte. No PT ainda há um incômodo pelas bandeiras do partido e nós não conseguimos completar esse ritual de passagem. Não precisa ser de esquerda ou de direita para adotar as melhores práticas administrativas. Elas estão à disposição em qualquer escola. O pessoal critica a questão do desenvolvimento. Teve crescimento? Teve. Teve distribuição de renda. Querer mais tudo bem, agora desconhecer o passo dado eu acho um absurdo.


Valor: É um erro o PT encarar esse debate com ideologia?


Wagner: Eu acho. Ideologicamente você tem que traçar objetivo. Qual é o objetivo do presidente Lula? Desenvolvimento com distribuição de renda. Eu concordo que a política econômica não é a mãe de todas as coisas. Ela é a alavanca para onde eu quero chegar. Se estiver contribuindo para eu chegar, está aprovada. Se me fizer caminhar no sentido contrário é outra coisa. Economia não é ciência exata. Não adianta obstruir o debate. Só acho que, no governo, o debate tem que ser interno. Até porque se o presidente tomar uma decisão não tem que se discutir mais nada.


Valor: Os debates públicos do governo (Dilma X Palocci) geram uma desarticulação maior que os embates congressuais?


Wagner: Acho que houve esquentamento quando se falou da briga Dilma X Palocci. Para mim é o seguinte: a Dilma está na tarefa de gerência executiva de projetos. Todo mundo sabe se acelera mais se tiver uma execução orçamentária mais larga. O Palocci cuida de manter o equilíbrio da economia.


Valor: Mas a briga não está equacionada.


Wagner: Do ponto de vista de execução orçamentária isso não é uma briga, vai ser uma discussão eterna. Do ponto de vista político, para mim, não tem discussão nenhuma. O superávit primário vai ser 4,25% e ponto final. E os dois vão continuar com o presidente até o fim.


Valor: O presidente Lula defendeu explicitamente a queda da verticalização das alianças. Como esse debate será conduzido no governo e no Congresso?


Wagner: O presidente já havia dito isso ‘n’ vezes internamente: ‘Eu não tenho nenhuma paixão pela verticalização’. Ele diz que a verticalização, como regra, como está posta, pode ajudar a impedir determinada coligação, mas não ajuda a construir coligações. Ele, que viveu a primeira candidatura dele no voto vinculado, acha que não adianta impor nada. O tempo de TV não é o maior desafio do PT, porque temos um tempo razoável. A regra da verticalização, como interpretada no Brasil, nem dá para chamar de verticalização. Só é verticalização para quem decide se coligar nacionalmente. Se o partido não tiver pretensão de despontar nacionalmente, dirá: vou apoiar Lula ou o candidato do PSDB, mas não oficialmente, e cada Estado fará o samba que quiser. Eu sou muito simpático ao conceito da verticalização. Acho que está correto dizer que se há uma arrumação nacional ela deve se reproduzir para os Estados. Agora, do jeito que está hoje… Um partido menor não se coliga com ninguém nacionalmente; e no Estado A coliga-se com o PT, no B com o PSDB, e no C com o PFL. Então não adiantou nada.


Valor: Se na prática não adianta, então para que derrubar a regra?


Wagner: Eu acho que em 2006 vai acontecer o seguinte: como tem cláusula de barreira e o elemento mais desafiador será transpô-la, muita gente boa vai dizer: ‘Sinto muito, mas eu prefiro ficar solto’.


Valor: Essa análise é pragmática, mas e a simbologia da política? É ruim para Lula não ter aliados históricos na chapa.


Wagner: É um prejuízo, lógico. É prejuízo para ele e para os aliados históricos. Um partido com a pujança do PSB, que quer crescer, é óbvio que se nem aparecer na coligação presidencial fica parecendo que não tem participação. Mas na hora da decisão, seguramente o PSB vai medir a sua realidade em cada Estado. O presidente Lula diz que pela pluralidade de opinião na nossa base não adianta firmar posição de governo. Seria como jogar uma bomba na base aliada.


Valor: O governo vai trabalhar pela queda da verticalização?


Wagner: Até agora eu não recebi nenhuma determinação do presidente no sentido de fazer uma operação com posição fixada de governo.


Valor: Na base, o único partido com posição fechada a favor da verticalização é o PT.


Wagner: Em relação ao PT, estou muito mais preocupado na nossa relação com a base do que com a conseqüência dessa decisão para 2006. Estou muito mais preocupado com o grau de estresse que esse debate gera na base. Em tese, serão dois partidos com cabeça de chapa: PT de um lado, PSDB do outro. O PMDB é uma força importante, e ainda não sabemos se terão candidatura própria.


Valor: No caso do PMDB, o senhor considera que a queda da verticalização pode atrair o partido para uma composição com Lula ou forçaria a candidatura própria?


Wagner: Eu, pessoalmente, tendo a achar que a verticalização dificulta mais a tese da candidatura própria. Tem gente que diz o contrário. Eu não consigo entender. O PMDB, apesar de ser um partido muito mais enraizado que outros, pretende lançar de 16 a 17 candidatos a governador com potencial real, pelas informações que eu tenho. E essas pessoas em seus Estados buscarão alianças que seguramente não serão exclusivas. Se PSDB e PFL ficam de um lado, PT e PCdoB do outro, com quem o PMDB se coliga? Isso é um problema para os governadores e suas chapas.


Valor: Quando o presidente Lula se decide sobre a reeleição? Existe a possibilidade de ele não disputar?


Wagner: Decide em fevereiro. Eu acho que existe essa possibilidade. É uma reflexão muito pessoal dele. Ele tem externado isso para todo mundo, não tem escondido. Ele não é um apaixonado pela reeleição. Insiste em dizer que você só vai para uma reeleição se tiver convicção absoluta que fará mais do que fez no primeiro mandato. Portanto, a decisão dele passa basicamente por esses dois elementos. Óbvio que, depois de tudo que nós passamos – ao contrário do que muita gente acha –, na cabeça do Lula, a responsabilidade com o partido e com o nosso projeto, seria um elemento para ele se decidir a ser candidato. Porque é a coisa do cabra militante, comprometido. Pensa assim: bom, se o meu partido está cheio de problemas, se vai ser atacado, então precisará de alguém de musculatura para defendê-lo.


Valor: Mas esse sempre foi um problema para o PT: procurar um nome alternativo a Lula.


Wagner: Só estou dizendo que o presidente está fazendo uma reflexão verdadeira, não é jogo de cena. Lula está fazendo uma reflexão interna, evidentemente cruzada com a responsabilidade que tem com a realidade brasileira, com o PT. Na hipótese de ele não ser (candidato), nada do que estamos raciocinando agora vale. Se ele não for candidato, o PSDB passa a ter de fato três candidatos disputando. No PT, não sei quantos aparecerão. O PFL vai ficar debaixo do PSDB sem a candidatura de Lula? O quadro muda totalmente. Hoje PFL e PSDB se juntam porque tem um candidato forte do outro lado. Se virar todo mundo japonês, na média, o Garotinho ganha muito empuxo no PMDB.


Valor: O PT teria um nome competitivo? Já se falou em Tarso Genro.


Wagner: Não acho que haja ninguém no PT neste momento preparando, especulando ou prospectando um nome. Não tem porque as pessoas estão fixadas numa idéia. Se o presidente disser que não quer disputar, aí vão brotar.


Valor: A demora dele em se decidir pode prejudicar o PT.


Wagner: É por isso que eu digo que ele vai se decidir no fim de janeiro ou fevereiro. É óbvio que ele tem responsabilidade com o partido, então deve estar se colocando um limite, porque não vai querer deixar o PT ou o conjunto dos outros aliados desguarnecidos.


Valor: O governo avalia fazer mudanças de estrutura, reforma ministerial para 2006?


Wagner: Nunca ouvi falar disso. Ninguém muda governo no último ano. Não vejo isso. Nunca participei de nenhum debate com o presidente em que ele cogitasse mudar, ir para outro modelo.


Valor: O PT reivindicava a coordenação política. O que mudou na relação com o Congresso depois que o senhor assumiu?


Wagner: Depois de três mandatos na Câmara eu tinha uma boa relação com a base e com as oposições na Câmara e no Senado, e isso contribuiu. Não comungo da idéia de que o que mudou é porque eu sou do PT. Realmente havia essa demanda do partido, havia rusgas para cá e para lá. Mas o presidente sempre sustentou a posição do hoje presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Ser do PT não deixou nada mais fácil ou menos fácil.


Valor: O PT perdeu o grande estrategista do partido. Numa eventual reeleição de Lula, quem ocupa o espaço de José Dirceu?


Wagner: O Zé continua um militante do PT, mesmo após a cassação. Ele pode dar suas opiniões. Eu entendo que na medida em que o presidente Lula tomar sua decisão pela reeleição, ele vai chamar as direções partidárias e montar sua coordenação política. Evidente que o Zé Dirceu é um quadro importante, profundo conhecedor da realidade brasileira, da realidade política, mas outros chegarão para fazer esse trabalho. Temos, no coletivo partidário, muita gente que pensa bem politicamente.


Valor: O senhor se habilita à função?


Wagner: O presidente sabe que eu trabalhava com vistas à eleição baiana. Óbvio que os projetos se cruzam. Ele precisa de um palanque forte na Bahia, que é o quarto colégio eleitoral do país, como precisa de uma equipe com a qual tenha tranqüilidade trabalhar na linha que ele acredita. Por enquanto, é só especulação, porque ele não vai convidar ninguém para a coordenação antes de decidir a reeleição.


Valor: Sua candidatura na Bahia está decidida?


Wagner: Está decidida como projeto. A definição dela vou tomar combinada com a decisão do presidente.

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