Não digitei errado não, é heterarquia mesmo, uma expressão que significa organização social descentralizada entre iguais. É o oposto da nossa conhecida hierarquia, um sistema centralizado e vertical, como nas redações jornalísticas convencionais em todo o mundo.
Pois bem, a heterarquia tornou-se a palavra da moda entre os pesquisadores e praticantes das novas modalidades de produção de notícias com a participação de leitores, ouvintes e espectadores.
Ela procura definir uma forma de trabalho coletivo onde não há um superior e nem uma agenda ou método imposto de cima para baixo, por meio de chefias hierarquizadas. No sistema heterárquico existe uma ordem, decidida pela maioria, ao contrário da anarquia, onde não existe ordem alguma.
Um exemplo clássico de heterarquia no jornalismo é o noticiário produzido de forma colaborativa na revista online de tecnologia Slashdot. Outro exemplo é a enciclopédia virtual Wikipédia. O mesmo padrão está sendo usado, em maior ou menor escala, por outras iniciativas na Web como o jornal sul-coreano Ohmy News e as noticias produzidas por usuários de sistemas de weblogs instantâneos, como o Twitter.
O debate entre os adeptos da heterarquia — que tem origem na expressão grega heteros (diferença e diversidade) — e da hierarquia nas redações começa a esquentar porque são duas concepções diametralmente opostas de produzir informação. Na heterarquia, a primazia da diversidade e descentralização faz com que o sistema se apresente como confuso, instável e fluido, enquanto a hierarquia é estável, sólida e com regras bem definidas.
Mas a diversidade tem algumas vantagens já reconhecidas e estudadas por especialistas como David Stark, professor da Universidade Columbia e diretor do Centro de Inovação Organizacional da mesma instituição. Segundo Stark, as principais vantagens dos sistemas descentralizados podem ser constatadas em situações complexas ao facilitar a adaptação, contextualização e exploração de alternativas.
O autor do texto Distributing Intelligence and Organizing Diversity in New Media Projects (Distribuindo Inteligência e Organizando a Diversidade em Projetos de Novas Midias) estuda a aplicação da heterarquia como alternativa para a imprensa convencional e as empresas lidarem com a transição para a era digital.
Idéias como esta ainda provocam arrepios em muitos profissionais ao imaginar um ambiente sem chefes, onde a confusão é permanente, os consensos demoram a ser alcançados e onde há uma permanente relativização na aplicação dos conceitos de certo e errado. É o que a doutora Anita Chan, do MIT, classificou de “polifonia” no processo de produção da informação.
Na revista Slashdot ou na Wikipédia, uma notícia e um verbete chegam a demorar semanas ou meses até lograrem um mínimo de consenso, porque o processo envolve uma complicada negociação entre os colaboradores. E o acordo está sempre sujeito a contestações e retificações.
É bem diferente das redações convencionais, onde os editores decidem o que vai ou não ser publicado e todos os seus subordinados obedecem sem contestação. Enquanto num sistema a discordância é a alma do negócio, noutro ela é um obstáculo indesejável.
A outrora sólida e inexpugnável hierarquia começa a mostrar fissuras consideráveis a partir da constatação de que ela tem cada vez mais dificuldades para lidar com a complexidade dos processo envolvidos na transição da imprensa para um ambiente multimídia — e com o caos informativo gerado pela avalancha de dados, fatos e notícias publicados diariamente na internet.
A exploração de sistemas descentralizados também está sendo feita no ambiente corporativo, em especial na Europa do Leste, onde o fim do socialismo desarticulou a produção econômica e o capitalismo não conseguiu até agora recuperar a sucata industrial, especialmente na ex-Alemanha Oriental. Curiosidade: quem está impulsionando a heterarquia no Leste europeu são os norte-americanos.