Os leitores que não são jornalistas me perdoem, mas este post é sobre um tema que tem tudo a ver com quem trabalha em redações. A revista dominical do jornal americano The New York Times passou a publicar na edição desta semana uma ficha no final de cada texto, onde além do nome do repórter ou comentarista, autor da matéria, é incluído também o nome do redator que editou o material e o email de ambos.
É uma pequena inovação que, no entanto, sinaliza uma grande mudança no comportamento dos profissionais dentro de uma redação jornalística. Além de acabar com o anonimato dos editores, a alteração introduzida pela revista do NYT aprofunda o debate sobre a diferença entre autoria e transparência na publicação de uma reportagem jornalística.
A bem da verdade, o NYT não é o primeiro jornal a dar crédito para a “cozinha” das redações, onde redatores anônimos conseguem transformar textos, muitas vezes medíocres ou com vários erros, em reportagens capazes de atrair a atenção e a credibilidade do leitor. As agências de notícias Reuters e Bloomberg, ambas especializadas em noticiário econômico, já publicam, há meses, os créditos dos editores envolvidos no acabamento de uma notícia.
Mais do que o reconhecimento público do trabalho executado pelos editores e redatores, estes também conhecidos pelo jargão jornalístico de copy desks, ou o abrasileirado copidesque, a mudança chama a atenção para a a diferença entre dois atributos essenciais de uma notícia jornalística: a autoria e a responsabilidade editorial, coisa que os anglo-saxões definem como accountability.
Nas redações, os dois conceitos são frequentemente vistos como sinônimos, mas a realidade é que expressam duas situações diferentes. A autoria identifica quem fez a reportagem, enquanto a accountability esclarece quem é o responsável ou quem deve prestar contas pelo conteúdo publicado.
Pelo novo sistema adotado pelo New York Times, as responsabilidades ficam claramente definidas e cada profissional pode prestar contas ao leitor pelos erros e acertos da reportagem. O público também sai ganhando porque aumenta um pouco a transparência no processo de produção de uma notícia que, para o leitor, ainda continua uma grande “caixa preta”.
É muito comum um repórter fazer uma reportagem que depois é editada na redação por um copidesque que muda o texto, na maioria das vezes para melhor, mas em algumas oportunidades acaba alterando involuntariamente o contexto do trabalho de campo realizado por seu colega.
Outro problema muito freqüente é a questão do título de uma matéria. Ele normalmente é dado pelo editor, o que gera atritos com os repórteres. No caso do Times, os editores ainda não assumem a responsabilidade pelo título, mas Jack Shafer, editor da coluna ‘Press Box’, na revista online Slate, resolveu publicar no final de um texto seu a lista completa de todas as pessoas que contribuíram para o texto final.
A imprensa escrita, caso a moda pegue, pode estar sendo levada a adotar a mesma política dos produtores cinematográficos, que passaram a publicar enormes listas de créditos no final de um filme para atender tanto ao ego dos integrantes da equipe de produção como para garantir questões autorais.
Mas talvez a maior de todas as mudanças materializadas na nova diretriz do New York Times está relacionada ao mais novo representante do clã dos Sulzberger, que controla o jornal desde 1935. Arthur Ochs Sulzberger Jr. garantiu em 1995, logo depois de assumir o cargo de publisher do NYT , que o jornal jamais permitiria que os repórteres e editores tivessem que prestar contas aos leitores. Dezesseis anos mais tarde, é justamente isto que está acontecendo.