O confronto entre o presidente norte-americano Barack Obama ao canal de notícias Fox News, também norte-americano, é mais do que uma escaramuça entre um governante e uma emissora de televisão. Também tem implicações mais amplas do que um mero bate boca entre uma assessoria presidencial que passou a ver o Fox News como um partido político de oposição e a emissora que contra-atacou alegando um suposto ataque governamental à liberdade de expressão.
O episódio mostra até que ponto as organizações da mídia estão dispostas a politizar o esforço para sobreviver à crise do seu modelo de negócios sem perder o status de “quarto poder”. Até agora o foco das preocupações dos analistas e estudiosos da indústria da comunicação jornalística era o esforço coletivo das empresas em busca de novas fórmulas capazes de recuperar receitas publicitárias e a queda de circulação provocadas pela migração de leitores e anunciantes para a Web.
Mas está ficando cada vez mais claro que os conglomerados empresariais da mídia estão decididos a levar seu esforço de sobrevivência também para o terreno da política institucional, transformando o conceito de “quarto poder” de um poder vigilante para um poder participante, ou seja, um partido político de fato e não de direito.
Neste sentido, a afirmação da secretária de imprensa de Obama, Anita Dunn, é muito mais uma constatação do que uma crítica. Ela estaria registrando mais ou menos o mesmo fenômeno em curso na Itália, onde o primeiro ministro Silvio Berlusconi se transformou no grande artífice do “quarto poder” formado pela aliança entre a imprensa conservadora e os partidos de direita.
O que se nota é que a estratégia de sobrevivência passa pela politização da imprensa na medida em que esta trata de alavancar seus interesses imediatos por meio da pressão política — seja de forma direta, como é o caso do canal Fox News, seja pela aliança com partidos conservadores, como é o caso da Itália, Venezuela e até mesmo da Inglaterra. O megaempresário Rupert Murdoch, dono da maior rede de jornais do mundo, é um ativo protagonista da política britânica, apesar de ter nascido na Austrália e ser cidadão norte-americano.
A esquerda radical sempre acusou a imprensa de agir como partido político. Era uma acusação mais ideológica do que estrutural. Hoje a transformação do “quarto poder” no virtual “quarto partido” passou a ser um processo político institucional. Não se trata de achar bom ou mau. É um fato, embora as partes envolvidas tratem de classificá-lo de acordo com seus interesses e projetos.
No Brasil, a oposição dos grandes jornais e emissoras de televisão ao governo do presidente Lula já ultrapassou os limites da função fiscalizadora que fundamentava a idéia de “quarto poder”. Passou a ser uma estratégia para tentar esticar o mais possível os benefícios estatais à mídia visando ganhar tempo para a reorganização corporativa destinada a manter posições do jogo político na nova realidade digital.
Esta é a única explicação possível para a grande imprensa nacional “pegar no pé” de Lula por qualquer motivo, mesmo admitindo que o empresariado nacional não tem queixas maiores do presidente e que o governo do PT deu ao setor privado tudo aquilo que ele queria e muito mais. Não se trata de uma trama golpista, que alguns estigmatizaram na sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista), mas de uma ação calculada dentro do jogo do poder.
A partidarização da imprensa é também um sintoma da debilidade dos partidos que se perderam no emaranhado do fisiologismo e da corrupção na tentativa de manter privilégios institucionais. Hoje os políticos e os partidos estão nos últimos lugares na escala de credibilidade e simpatias do público, esvaziando quase todo o sentido da expressão “representantes do povo”.