Estamos entrando em mais um ano eleitoral e, como sempre, teremos que enfrentar novamente o velho ritual do desfile de candidatos e siglas prometendo as mesmas coisas, que todos sabemos não serão cumpridas, em sua grande maioria. Os políticos não mudam este script porque é o único que conhecem e controlam. A imprensa vacila em apostar numa mudança de cobertura eleitoral temendo perder alianças políticas e receitas publicitárias.
É mais ou menos isso que nos espera nos próximos meses, quando assistiremos descrentes e céticos a mais uma dança de cadeiras na política regional bem como uma irritante mesmice na imprensa — cuja estratégia editorial tem mais a ver com cobertura de uma corrida de cavalos do que de um processo de decisão política.
Mas, para mudar, basta um pouco de ousadia — como decidiu a edição norte-americana do jornal inglês The Guardian ao lançar no fim do ano passado o seu projeto Agenda Cidadã, uma parceria com o programa Studio XX, da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Nova York (NYU). É uma tentativa de mudar a agenda da cobertura eleitoral trazendo para o primeiro plano as preocupações dos eleitores, em vez de priorizar a agenda dos candidatos e partidos, na campanha para a sucessão do presidente Barack Obama.
Ainda é cedo para avaliar se o esforço dará certo ou não, mas até mesmo instituições veneráveis no âmbito do jornalismo norte-americano, como a Nieman Foundation, acham que essa é uma alternativa possível. Os primeiros movimentos da campanha presidencial deste ano mostraram que os norte-americanos terão mais do mesmo, o que para muitos já é um sinal de alarme para quem se preocupa com o crescente distanciamento entre governantes e governados, tanto lá como aqui no Brasil.
Se quisermos que as eleições voltem a ser um processo capaz de gerar uma maior aproximação entre o eleitor e os políticos, a primeira coisa a fazer é mudar a agenda da campanha eleitoral. Não é a primeira vez que isso é tentado. Nos anos 1980 surgiu a idéia de um jornalismo cívico, cuja principal preocupação era quebrar a mesmice das manchetes de jornais e torná-las mais próximas dos problemas de bairros, ruas e pequenas cidades[1].
Alguns jornais norte-americanos e europeus chegaram a convocar assembléias de bairro para que políticos respondessem a perguntas de moradores. A experiência recebeu vários milhões de dólares em financiamentos de fundações internacionais, mas depois sucumbiu às pressões dos grandes jornais e organizações jornalísticas que acusaram o jornalismo cívico de violar a isenção e a imparcialidade da profissão.
Mais de 20 anos depois, a mesma linha é retomada num contexto bem diferente. Em primeiro lugar, a insatisfação do público com a mesmice das coberturas eleitorais é muito maior, o principio da isenção e distanciamento dos fatos já não é mais um dogma profissional e os jornais não são mais tão poderosos como nos anos 1970 e 80.
Isto faz com que, em teoria, os jornais já não tenham mais tanta coisa a perder se resolverem arriscar uma cobertura eleitoral sintonizada com as preocupações expressadas pelos eleitores em dezenas de pesquisas de opinião. Trata-se de inverter a lógica do processo eleitoral que foi desvirtuada ao longo dos anos, quando a imprensa deixou de ser prioritariamente um serviço de utilidade pública para privilegiar atividades comerciais privadas.
O eleitor é o protagonista principal de uma eleição, mas o que vemos hoje é o controle dos políticos e dos partidos sobre a agenda de debates eleitorais. Está na hora de mudar as regras. O público não pode mais ficar relegado à posição de espectador num debate pela TV ou rádio. E a imprensa tem um papel fundamental nessa mudança de foco porque ela ainda tem algum poder de influência sobre o público.
Caso a imprensa opte por promover uma mudança na agenda eleitoral, coisa que depende apenas dela, não há a menor dúvida de que contará com o apoio dos eleitores, reaproximando-se do público consumidor de informações impressas e audiovisuais. É claro que os candidatos e os partidos não vão gostar disso, provavelmente usarão o velho argumento de que o jornalismo precisa ser imparcial, algo que perdeu impacto com a histórica ligação da imprensa com o poder político e econômico em quase todo o mundo.
A mudança da agenda das coberturas eleitorais em 2012 não é apenas uma estratégia para ganhar as simpatias de eleitores. É uma tentativa de correção de uma centenária distorção informativa e uma das possíveis alternativas para a recuperação das tiragens dos jornais.
[1] Para mais detalhes consultar o livro Civic Journalism: haverá um modelo brasileiro? , de Marcio Fernandes. Editora Unicentro, 2008