No Estado deste sábado, o
desembargador Henrique Nelson Calandra, do Tribunal de Justiça de São Paulo, dá
um merecido pisão na imprensa, ao lembrar que a resolução do Tribunal Superior
Eleitoral que limita o conteúdo das entrevistas com pré-candidatos “nunca sofreu
questionamento mais profundo’ de sua parte.
Nessa resolução, que ele
considera inconstitucional, se basearam as ações contra a Folha de S.Paulo e a
Veja São Paulo pelas entrevistas com Marta Suplicy, e contra O Estado de S.Paulo
pela entrevista com Gilberto Kassab.
Ontem, numa roda, quando se
perguntou por que a Associação Nacional de Jornais, por exemplo, deixou quieta a
enormidade, a primeira hipótese posta na mesa foi a da covardia. Os barões da
imprensa, cientes de seus vastos interesses, não teriam querido comprar a briga,
para não fazer inimigos no Judiciário.
Outra hipótese, que não exclui
necessariamente a primeira, é a da miopia. Se disso se trata, faz sentido: nas
empresas de mídia, a desatenção não se confina às redações.
A resolução que os jornais
ignoraram ou fingiram ignorar é a de número 22.718. Foi baixada em 2006. É uma
versão piorada da 21.610, de 2004.
Esta libera a imprensa escrita
para divulgar opinião favorável a candidatos, partidos ou coligações – e
opiniões desfavoráveis não pode? – desde que sem abusos, excessos, “ou demais
formas de uso indevido do meio de comunicação”.
Quem achar que isso aconteceu
pode pedir uma investigação judicial sobre o caso. É o que está na Lei
Complementar 64, de 1990, citada na resolução.
Ela estipula ainda que jornais e
revistas poderão entrevistar pré-candidatos ou promover debates entre eles,
“desde que haja tratamento isonômico entre aqueles que se encontram em situações
semelhantes”.
Pois bem. A segunda
resolução, que se aplica às eleições deste ano, autoriza os pré-candidatos a dar
entrevistas e participar de reuniões e debates, “desde que não exponham
propostas de campanha”. Podem falar de flores, por exemplo, mas não podem dizer
que, se eleitos, mandarão plantar flores na cidade.
Os autores das ações contra a
Folha, a Vejinha e o Estado sustentam que foi o que fizeram a petista Marta
Suplicy e o demo Gilberto Kassab – propaganda, em suma – o que, fica implícito,
os jornais e a revista deveriam ter expurgado de suas declarações. Ou seja, para
não ser punidos, deveriam ter censurado os seus entrevistados.
“Por muito menos”, lembra o
desembargador Calandra no Estado de hoje, “o STF considerou inconstitucional
parte substancial da Lei de Imprensa”.
Vamos nos entender.
Primeiro, num país onde o
Congresso legisla, a função de um órgão como a Justiça Eleitoral seria a de
fazer cumprir as leis feitas pela instituição que existe precisamente para isso,
cuidando do processo eleitoral e das apurações nos termos da legislação
existente. As suas iniciativas, como as resoluções para garantir a proverbial
“lisura do pleito”, seriam práticas e não – como dizem os juristas –
normativas.
Da mesma forma, a propósito, a
função do Supremo Tribunal Federal, é julgar a constitucionalidade das leis e
não legislar, como fez ao impôr a verticalização das alianças partidárias e ao
autorizar a cassação dos mandatos dos parlamentares vira-casaca. Mas o que o
pessoal chama “judicialização da política” resulta da mesma omissão do Congresso
que abre espaço para os tribunais eleitorais legislarem.
Segundo, ao resolver o que os
políticos e a mídia podem ou não podem fazer em anos eleitorais, o TSE misturou
alhos com bugalhos. Uma vez, ao entrelaçar as normas de conduta impostas aos
pré-candidatos antes da abertura oficial da campanha – quando ou eles já terão
virado candidatos, ou terão saído de cena – com normas para a conduta da
imprensa escrita.
Uma coisa é impedir o
pré-candidato de apresentar as suas propostas em “reuniões e debates” numa
associação de bairro, digamos. [É de perguntar por que não poderia fazê-lo, mas
essa é outra história.] Mas impedir que fale disso a um jornal ou revista
equivale a amordaçar, mais do que o próprio candidato, a imprensa que a
Constituição diz ser livre e não sujeita a censura.
O que leva à outra confusão,
desta vez entre imprensa escrita, de um lado, e emissoras de rádio e TV de
outro.
Estas, por serem concessões do
Estado, não podem fazer o que queiram, quando queiram. Mas jornais e revistas
podem – respondendo na justiça comum pelo mal que tiverem feito a terceiros. E
ao público leitor, que julga permanentemente se merecem a sua confiança.
No limite, isso lhes dá até o
direito de tratar desigualmente os candidatos “que se encontram em situações
semelhantes”, como diz a resolução 21.160. Depois, repetindo, que se entendam
com o leitor.
O resumo da ópera parece
simples: a O TSE devia ter deixado de fora a imprensa escrita nas suas decisões
para cada novo ano eleitoral. Não se trata portanto só de eliminar a resolução
22.718. Também a 21.160 é inconstitucional, por dizer o que a imprensa pode ou
não pode fazer em períodos eleitorais.
Por não ter agido antes, jornais
e revistas arcam agora com as consequências de sua mansidão.