Mesmo os leitores do noticiário do setor têm escassa paciência para os números da política – à parte os das pesquisas eleitorais.
É uma pena, porque eles ensinam algumas coisas que costumam ficar fora do radar da mídia sobre a atuação dos partidos. Desmontam, por exemplo, a lenda de que o Congresso é um saco de gatos, em que os partidos, além de muitos, são incorrigivelmente incoerentes e indisciplinados.
Ontem, por exemplo, saiu no lucro o leitor que prestou atenção numa tabela (fácil de ler) e num gráfico (difícil), publicados na Folha.
A tabela ilutra uma reportagem-entrevista com o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, sobre a ‘excessiva heterogeneidade ideológica’ da coalizão que o presidente Lula está montando para o segundo mandato.
O gráfico acompanha a continuação da matéria, centrada no papel do PT nesse futuro esquema.
A tabela acompanha a fidelidade das sete principais bancadas na Câmara à orientação dos respectivos líderes em votações nas quais a disciplina, ao menos em tese, deve imperar. Cobre o período 1994 / 2006.
O gráfico mede a evolução das posições partidárias, também na Câmara, entre 1991 e 2004. Foi traçado pelo pesquisador Celso Roma, do Cebrap, em São Paulo.
A tabela, compilada até 1999 pelos cientistas políticos Argelina Chelub Figueiredo e Fernando Limongi, e depois pelo Núcleo de Estudos sobre o Congresso, do Iuperj, coordenado por Fabiano Santos, mostra que a coesão partidária no Brasil é maior do que o noticiário político leva a crer.
Considerados o PT, PDT, PSDB, PFL, PP, PTB e PMDB, e as votações consideradas relevantes [quando a diferença entre votos num sentido e em outro é de pelo menos 10%] verifica-se um resultado animador.
O máximo de indisciplina partidária ao longo destes 12 anos foi do PTB de Roberto Jefferson em 2005, o ano do mensalão. Mesmo assim, a obediência da bancada ao comando do seu líder nunca foi inferior a 73%. Ou seja, se os petebistas fossem 100, na pior das hipóteses apenas 17 deputados teriam votado na contramão.
No PT, o grau de disciplina variou dos 98,9% no segundo governo Fernando Henrique, aos 91,8% no terceiro ano do governo Lula.
No PSDB, o ponto alto foi este ano: 97,5% de deputados obedientes. O período em que os tucanos perderam o rumo, comparativamente, foram os dois primeiros anos de Lula, quando, em média, 84,6% dos deputados saíram dos trilhos.
Até o PMDB – o ‘partido de programa’, como o chamou hoje primorosamente o editorial da Folha – seguiu o caminho indicado pela liderança da bancada na proporção de 77,6% deste ano.
Nos governos Fernando Henrique, descobriram Argelina e Limongi, os partidos demonstraram quase sempre alto grau de coerência ideológica.
Já o gráfico sobre as posições dos partidos, entre direita, centro e esquerda – termos definidos pelo autor – mostra uma tendência geral de direitização do sistema partidário.
O PSDB representava o centro absoluto em 1991, por exemplo. Mas, em 2004 era, à direita, o mais distante do centro. Em 1991, o PT era o mais esquerdista dos partidos, a 3 pontos do centro. Em 2004,a sua distância do centro caiu à metade: 1,5 ponto.
Para o professor Celso Roma, o gráfico mostra também o deslocamento de partidos sem afinidade ideológica para a base do governo Lula. Ele dá como exemplo o PP, que sempre esteve alinhado ao centro-direita e a partir de 2003 virou de centro-esquerda.
Os acessos de Dirceu
Sexta na Folha, ontem no Globo, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu se esparrama pelos jornais em longas entrevistas. Se dependesse dele, apareceria também nos principais programas do gênero na TV.
Faz parte da campanha cassa-cassação, por assim dizer, a que ele vai se dedicar cada vez mais, apostando numa emenda constitucional originária de uma iniciativa popular para lhe devolver os direitos políticos suspensos.
O Globo lhe deu uma página inteira com a matéria ‘Dirceu faz lobby empresarial em vários países, apimentada pelo box ‘Preocupação permanente para Lula’, e meia página com a entrevista ‘Não faço lobby, dou consultoria, afirma’.
Em dada passagem do pingue-pongue, o repórter Gerson Camarotti lhe pergunta, como quem afirma: ‘O acesso que o senhor tem ao governo pode acabar ajudando os seus clientes?’
Dirceu: ‘Não tenho acesso ao governo.’
O repórter volta à carga: ‘Mas o senhor tem amigos no governo.’
Dirceu: ‘Mas a minha consultoria não tem nada a ver com o acesso que tenho ao governo.
Coisas da dialética.
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