A cobertura dada pela mídia no caso do assassinato da menina Isabella, em São Paulo, já tem todos os ingredientes para um estudo de caso sobre como os veículos, em especial a televisão, criaram uma armadilha para si próprios na busca de audiência.
Desde o dia do crime, as principais emissoras do pais, notadamente a Globo e a Record passaram a viver uma guerra por audiência que atropelou políticas editoriais e códigos de conduta de seus profissionais, sem falar nas conseqüências financeiras.
Os especialistas em audiência televisiva sabem que a perda de pontos é instantânea mas sua recuperação é lenta, podendo tomar semanas e até meses, o que significa a desvalorização das inserções publicitárias, e consequentemente do faturamento.
É esta lógica que os responsáveis pela programação esgrimem na hora de cobrar resultados dos departamentos responsáveis por coberturas jornalísticas. E é isto que está acontecendo na cobertura do caso Isabella, um crime cuja abordagem deixou de ser jornalística para transformar-se num reality show, movido pelo voyeurismo e pelo sensacionalismo.
A Rede Record, desde o primeiro momento, resolveu apostar todas as suas fichas no acompanhamento do caso, alterando a grade da programação para privilegiar entradas ao vivo, nas quais o repórter Roberto Cabrini era a principal estrela.
A aposta rendeu preciosos pontos na audiência medida no Ibope e colocou um dilema para a Globo: fazer uma cobertura discreta para não comprometer as normas jornalísticas internas que rejeitam o sensacionalismo, ou ceder ao departamento comercial preocupado com uma eventual fuga de anunciantes para a concorrente.
A controvérsia interna chegou a ser testada na prática na manhã seguinte à da entrevista ao Fantástico do casal Nardoni, suspeito de ter assassinado sua filha de cinco anos, na noite do dia 29 de março, em São Paulo.
A programação matinal da Globo foi alterada para abrir espaços para a entrevista com a derrubada de comerciais. O resultado foi um pulo na audiência, que bateu a da Record, cujos índices vinham superando os da concorrente nos dias anteriores. Foi também a principal evidência da armadilha criada pelas emissoras e na qual elas próprias caíram.
Os departamentos comerciais exultam quando as audiências crescem, não importa como. Já o jornalismo sofre porque as pressões sobre os códigos de ética e de conduta tornam-se irresistíveis, e os profissionais sabem que o procedimento de ceder diante do sensacionalismo pode criar precedentes perigosos.
O caso Isabella surgiu no momento em que os espectadores se mostravam cada vez mais enfastiados com os escândalos de corrupção e as querelas entre governo e oposição, em Brasília. Era o prato ideal para sacudir a audiência, como acabou acontecendo. Agora, sempre que alguma concorrente da Globo sentir necessidade de dar uma mordida no Ibope da líder de audiência, é só explorar um caso escabroso para que a emissora do Jardim Botânico seja obrigada a sair correndo atrás do prejuízo, mesmo a contragosto.