A mídia finalmente acordou para as graves conseqüências do aquecimento global. Nas Redações, temas como elevação da temperatura devido ao efeito estufa, inundações provocadas pelo aumento do nível do mar, secas e acúmulo de gases poluentes na atmosfera não são mais consideradas ‘bad trip’ de mochileiros e discurso de ecochatos.
Assim como o Globo Repórter virou uma espécie de National Geographic de uns anos para cá, os ambientalistas ganharam espaço nas Páginas Amarelas de Veja nas últimas semanas. Basta ver as mais recentes entrevistas: Al Gore, Lovelock e, esta semana, Nicholas Stern.
Em um depoimento assustador a Diego Escosteguy, o economista inglês Nicholas Stern faz um breve resumo do trabalho que lhe foi encomendado pelo governo britânico sobre o impacto do aquecimento global na economia mundial.
A coisa é séria e exige, segundo o economista, uma intervenção rápida e global. Caso contrário, nossos filhos e netos vão sentir as conseqüências dos estragos que principalmente a nossa geração (e a de nossos pais e avós) fizeram ao Planeta.
‘Modelos científicos sugerem que dentro de 50 ou 100 anos a Amazônia pode secar e morrer!, alerta Stern. Em 2005, tivemos um pequeno (!) sinal do que pode acontecer, quando rios, lagos e várzeas da região amazônica se transformaram em lama, com graves perdas às populações ribeirinhas.
Etanol x comida?
Mas nem tudo está perdido, segundo o ex-economista chefe do Banco Mundial. Basta um investimento de 1% do PIB mundial nos próximos anos para se reduzir fortemente os níveis de emissão de gases poluentes.
Stern elogiou a idéia da Ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, da criação de um fundo internacional de proteção à Amazônia. Também considerou positivas as atuações do Brasil em agroenergia. O etanol, segundo o economista, é uma boa forma de energia limpa. ‘Mas é preciso descobrir como cultivar biocombustíveis em terras menos nobres, em vez de produzí-los em terras férteis’, alerta Stern.
Esta é uma preocupação pertinente. A alta na demanda por biocombustíveis vai gerar aumentos nos preços de alimentos, como milho, trigo e açúcar. Já o presidente da Embrapa, Sílvio Crestana, acha que é possível, sim, substituir importantes volumes de gasolina e diesel e, na mesma linha, atender ao crescimento da demanda de alimentos, abrindo mercados.
Debaixo da terra
Mas não foi só a Veja que destacou o chamado ‘Estudo Stern’. O documento foi analisado em editorial da Folha de S. Paulo desta segunda-feira (dia 6 de novembro), sob o título ‘Prejuízos na Estufa’. O jornal que costuma confinar este tipo de assunto na página de Ciência, vestiu a camisa dos ambientalistas. Além do editorial, a entrevista da 2ª também trata de meio ambiente, aproveitando o gancho da reunião em Nairóbi, Quênia, de 180 países para negociar questões do Protocolo de Kyoto.
Achim Steiner, chefe do programa ambiental da ONU, comenta problemas relacionados às mudanças climáticas e o programa brasileiro de biocombustíveis. ‘Acredito que o mundo perdeu dez anos por não levar a questão das emissões tão a sério’, disse ele.
No editorial, a Folha aprova o relatório Stern. ‘São muito poucos os que ainda negam que a ação humana esteja contribuindo para elevar a temperatura da atmosfera terrestre, mas muitos ainda sustentam que tentar evitar esse efeito seria um desperdício de dinheiro. O relatório Stern prova o contrário. Valendo-se de novas evidências científicas que mostram que o ritmo de elevação da temperatura é bem maior do que se acreditava, o trabalho chega à conclusão de que, se forem mantidos os atuais padrões de emissão de gases-estufa, a produção global deixará de aumentar em pelo menos 5% a cada ano ao longo dos próximos dois séculos em relação ao que cresceria sem o problema ambiental. No pior cenário, a perda chegaria a 20%’’, alerta o editorial.
‘Em termos puramente econômicos, portanto, vale a pena nos esforçarmos agora para evitar pagar um preço muito maior no futuro. Um custo da ordem de 1% do PIB nem sequer impediria a economia mundial de continuar crescendo a taxas expressivas.
As dificuldades que frustram uma ação mais enérgica são de ordem política. Para começar, ainda há muita incerteza envolvida. Ninguém sabe ao certo o tamanho do prejuízo nem quando ele se dará. Pior, trata-se uma questão intergeracional. Ainda que nós venhamos a pagar parte do preço, a porção mais amarga da conta ficará para as gerações futuras. E, aparentemente, não se pode esperar de certos políticos que se preocupem seriamente com um problema cujas conseqüências não verão em seus mandatos nem em suas vidas.’
Isto me lembra aquela velha história de que, no Brasil, prefeito e governador não gostam de investir em projetos de sanidade básica, como rede de água e esgoto. É que os tubos enterrados no chão não dão votos.