Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e os mortos

A imprensa está fazendo serviço de gente grande na cobertura do ocultamento dos massacres que tudo indica foram cometidos pela PM paulista nas últimas noites – e cujo resultado, no momento em que este texto é redigido está apenas quatro corpos atrás dos 111 chacinados no Carandiru, em 1992.


A Folha, por exemplo, revela hoje, em reportagem de Mario Cesar Carvalho, que o secretário de Segurança Saulo de Castro Abreu Filho mandou recolher do IML todos os laudos das mortes ocorridas em ‘confrontos com a polícia’. [Confrontos, modo de dizer. Em um número indeterminado de casos, que não há de ter sido pequeno, o que houve foram execuções a sangue-frio.]


O Estado, por sua vez, se pergunta em ampla reportagem de Roberta Pennafort e Luciana Nunes Leal: ‘quantos inocentes mortos’. A dúvida, portanto, é quantos; não se houve inocentes mortos.


E no editorial ‘O papel da polícia’ o jornal condena sem meias palavras a ‘matança que choca a opinião pública’. De quebra, destaca um ponto que tem passado meio batido nos comentários sobre o horror [exceto, talvez, por uma declaração do advogado e ex-ministro da Justiça, José Carlos Dias, na Folha de ontem].


O ponto está na alegação de que 70% dos mortos têm ‘uma longa ficha criminal’, como pretextou o comandante-geral da PM, coronel Elizeu Eclair. O jornal não deixou barato:


‘Mas o fato de alguém ter antecedentes na polícia não basta para justificar a sua morte. E qual a explicação para os 30% restantes?’


Já o Globo atira em direções opostas. Graças aos repórteres Ricardo Gandour [este do Diário de S.Paulo, do mesmo grupo], Chico de Gois e Flávio Freire, apresenta o noticiário mais completo sobre o abafa da eliminação do que se convencionou chamar ‘suspeitos de pertencer ao PCC’. A começar da manchete de primeira página ‘Cresce pressão sobre governo de SP por listagem de mortos’ e do título pá-pum da principal matéria interna, ‘E os nomes dos mortos?’.


Em compensação, sai com um editorial intitulado ‘Valor da polícia’, que em si é perfeitamente defensável ao pedir que as forças policiais sejam tratadas como ‘um segmento nobre e respeitado do poder público’ – mesmo sem esquecer que ‘nelas também há uma banda podre’ -, mas é de uma inoportunidade a toda prova.


Hoje não é de dia de enaltecer a polícia. É dia de ressaltar, como fez o Estadão, que, ‘se ceder às vozes que clamam por vingança e empregar violência indiscriminada’, a polícia se transformará ‘num bando armado’.


Hoje, amanhã, depois e sempre será dia de a imprensa desagradar aquela parcela não propriamente minoritária de seus leitores para os quais bandido bom é bandido morto.


Apurando e contando a verdade sobre as ações policiais. E tomando claramente o partido da civilização contra a barbárie.


P.S.1 Da série ‘Na mosca’:


A nota ‘Silêncio indecente’ do colunista do Globo Jorge Bastos Moreno:


Pior, bem pior do que as declarações erráticas dos que arriscam carreiras mas tentam soluções, ainda que equivocadas, para a crise de São Paulo, é a omissão oportunista dos que querem se preservar politicamente fugindo da responsabilidade de homens públicos. É repugnante o silêncio dos candidatos à sucessão de Cláudio Lembo.’


P.S.2 Da série ‘Daquela revista’:


Na edição hoje nas bancas, a Veja se diz atacada, entre outros, por ‘editorialistas crédulos, loucos para acreditar em tudo que favoreça o governo’.


Salvo engano, o único editorial em jornais brasileiros criticando a revista por haver publicado, sem provas, que o presidente Lula tem conta bancária não declarada no exterior, saiu quarta-feira no Estado.


Ficamos entendidos, então. O Estadão, quem diria, vive louco ‘para acreditar em tudo que favoreça o governo’. 


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